Codinome Orquídea - Parte 5

quinta-feira, 29 de maio de 2008


Saiu direto para a casa de Patrícia, correu tão rápido que logo chegou a casa dela que era bem próxima, podia ouvir os gritos de dentro e não pensou duas vezes antes de entrar.
Deparou-se com Patrícia no chão e a mão no rosto cobrindo o murro recém dado. Lucas enfureceu-se como jamais havia estado. Atracou-se com seu pai no chão e brigavam. Patrícia gritava por socorro, mas ninguém se atreveu a chegar perto com medo que um dos dois estivesse possuindo uma arma. Ou pior, que fosse preso.

- LUCAS SOLTE-O!
- COMO PÔDE BATER NELA?! – Lucas tinha acessos de raiva em lembrar-se que seu pai bateu em Patrícia.
- Muleque! – Agora estavam de pé, olhando um para o outro, com expressão de fúria em cada rosto. – Eu te dei carinho! Te dei comida, te criei como um verdadeiro pai! Não te faltou nada, para você defender essa mulherzinha que te seduziu?!
- NÃO A CHAME ASSIM! – Lucas tentou bater em seu pai, mas Patrícia se meteu entre os dois impedindo que ele o fizesse.
- Lucas! Por favor, pare.
- Até essazinha aí sabe que não se pode bater em um pai, deveria ter aprendido isso com ela. – Falou o pai com desdém.
- SEU...
- LUCAS! – Interrompeu imediatamente Patrícia.
- Vamos embora Lucas, você vem comigo agora pedir a bolsa de estudos na escola, e não tente fugir! – Disse o pai. Patrícia fez um gesto de confirmação para Lucas que desistiu da briga e partiu junto com o Pai.
Entraram no carro.
- Vai voltar para sua escola, vai terminar o ensino médio, vai esquecer essa professorazinha e fazer uma faculdade. Precisa entrar para o exército, ou não vai sobreviver. Nenhum emprego agora sustenta ninguém.
- Você me dá nojo.
- Ainda está de castigo. Lembre-se. Do colégio para seu quarto e nada mais. – Lucas deu um risinho de ironia.
- Vamos lá, ver se consertamos o estrago que você fez na sua vida.

Não havia nada pior do que olhares maldosos. Todos, sem exceção, todos da escola estavam comentando o que aconteceu. Pessoas olhavam Lucas como um coitado que foi seduzido por sua professora, assim como seu pai pensava. Enquanto andavam em direção à diretoria, Lucas viu que seus amigos mais próximos, eles eram os únicos que acenaram para ele enquanto passavam, deveriam saber que Lucas não era o tipo de pessoa que se arriscava assim por alguém se realmente não gostasse. Além de serem seus companheiros no Grupo. Alguns poucos restaram, mas poderiam ajudar em casos extremos.

- Levou uma surra do papai Lucas? – Falou uma menina de cabelos ruivos enquanto passavam.
- Deitou com a professora gostosa Lucas? – Falou um garoto que se achava machão.

O pai de Lucas bateu na porta da diretoria e entrou. O diretor espantou-se ao ver Lucas sujo de sangue, estava completamente triste e seu rosto inchado de tanto choro.

- Lucas... – Ele parecia realmente triste em vê-lo daquela forma, não podia imaginar que aquilo tudo fosse chegar a esse estado, porém Lucas não falara nada durante toda a visita.
- Diretor, entendo que tenha motivos para expulsar meu filho de sua escola, mas vim aqui dizer que se devolver a vaga para meu filho, jamais se repetirá.
- Senhor, acha que retirei seu filho da escola por maus costumes?
- Hã?
- Se pessoas como você não existissem, eu não teria jamais despedido minha magnífica professora de inglês, nem expulso meu tão notado nadador. O único motivo que me levou a faze-lo, é porque pais e pessoas como você acha que o amor só pode existir por pessoas de mesma classe, mesma idade, e de mesma opinião. – O pai de Lucas havia murchado. – Seu filho é um ótimo aluno, uma pessoa maravilhosa, desde os seus dez anos que o conheço, jamais se meteu em brigas, nunca, jamais, fez nada contra ninguém... – O pai tentou interromper. – Posso até admitir ele aqui novamente, mas não a senhorita Patrícia.
- Não estou falando dessa mulher! – Lucas quase o agrediu nesse momento.
- Essa mulher de quem o senhor fala, é uma das melhores professoras de inglês do país! A sua perda para a escola é algo irreparável.
- O senhor admite novamente meu filho na escola ou não? – Falou impaciente.
- Sim.
- Então não tenho mais nada o que fazer aqui.
- Lucas, meu filho, me desculpe. – Falou o diretor que se sentia culpado por tudo isso. Lucas fez um aceno de afirmação para o professor, seu pai e ele deixaram a sala.

Voltaram mudos para casa. Nem uma só palavra foi dita por nenhum os dois, o clima estava muito pesado para falar algo.

- Direto para seu quarto Lucas. – Falou grosso e áspero.

Lucas foi sem dizer nada, calado como esteve nos últimos minutos. Sua intenção era mesmo ficar sozinho, para pensar no que ia fazer de agora por diante. Sabia que não podia mais se encontrar com Patrícia com tanta freqüência, o perigo de serem vistos juntos era maior, e as conseqüências podiam ser muito duras.
Havia se esquecido de que Patrícia estava machucada por causa do seu pai. Estaria bem? Pegou o telefone. Desligado. Tinha certeza de que seu pai havia feito isso. Mas... Seu celular estava dentro do armário. Ainda bem tem carga, pensou Lucas.

- Alô?
- Patrícia?!
- Lucas! Como foi tudo na escola? Conseguiram a vaga? Teu pai te bateu de novo?
- Acalme-se Patrícia, eu estou bem, conseguimos a vaga de volta.
- Ah que ótimo.
- Fiquei impressionado com o diretor. Ele parecia mesmo estar triste em ter feito isso.
- Ele tem suas razões Lucas. Ele é comunista também, mas, há cinco anos sua mulher foi morta pelo governo por engano, e desde então decidiu não lutar mais.
- Eu sei. Como você está? Meu pai te bateu muito?
- Eu estou bem.
- O que vamos fazer?
- Não podemos continuar com isso.
- Não me diga que vai desistir depois disso tudo.
- O que pensa em fazer então?
- Vamos ficar nos encontrando com menos freqüência, escondidos. Vamos usar codinomes. Vou te chamar de Orquídea. E você pode me chamar de...Lírio. Vou reunir o dinheiro que eu tiver, você faz o mesmo. Precisamos seguir com o protesto, depois, vamos nos exilar na Venezuela, eu ainda não tenho 18 anos, mas, minha mãe pode me dar a liberação para sair do país.
- Acha mesmo que deveremos fazer isso?
- Patrícia, pare de pensar. Deixe-se levar pelo seu desejo.
- Ta bom.
- Eu vou para sua casa agora, preciso de você, não agüento ficar nem mais um minuto nessa casa.
- Como vai sair se seu pai não vai deixar? Sem que seja visto? Minha casa deve estar sendo vigiada pelos militares.
- Eu vou fugir.
- Você é maluco.
- Sim sou.

Lucas não esperou Patrícia terminar de falar, desligou o telefone, pegou um casaco e então saiu pela janela do seu quarto. Podia ouvir seus pais discutindo na sala, talvez seu pai culpasse sua mãe por tudo que estava acontecendo.
Mas não quis pensar sobre isso, queria estar ao lado de Patrícia, ver como ela estava, saber se estava bem.
Mas decidiu não entrar pela porta da frente, sempre havia aqueles que apoiavam seu pai e se o vissem entrando lá ligariam direto para ele e um escândalo à essa hora não era muito bem-vindo.

- Patrícia. – Falou baixinho numa das janelas da cozinha. Patrícia estava preparando algo para eles comerem.
- Lucas?! O que faz na janela? – Abriu.
- Se eu entrasse pela frente alguém poderia dizer a meu pai que eu vim aqui, não queria te arranjar mais problemas.
- Ele fez algo contra você? – Patrícia tocava seu rosto com suas delicadas mãos.
- Depois do que houve aqui não, apenas me humilhar como ele sempre faz.
- Me sinto tão culpada.
- Do que está falando? Tudo o que houve eu também quis! Estou aqui não estou?
- Eu te amo tanto Lucas...Acho que é a primeira vez que eu digo isso a você. – Lucas a beijara calorosamente.
- Eu também te amo muito. – Beijou outra vez.
- Bem, eu fiz uma comida para a gente, sei que você está morrendo de fome, não deve ter comido quase nada o dia inteiro.
- Realmente, acertou. Humm está cheirando.
- Vem, vamos comer, já está pronto.

Como ele a amava. Por ela enfrentaria tudo. Nem parecia que havia ocorrido aquilo tudo, sorria, seus olhos brilhavam como sempre. Mas havia o que fazer. O partido comunista não havia desistido de fazer o protesto, ainda não saberiam quando seria, mas sabiam que seria em breve. Por enquanto, o que deveriam fazer era se esconder, e curtir sua amada o quanto pudesse. A vida pode ser muito curta. E cada minuto desperdiçado, é um mundo perdido.

- O que vamos fazer Patrícia? – Perguntou Lucas já terminado seu jantar, os dois conversavam abraçados.
- Bem, você conseguiu voltar para a escola, acho que fez bem em aceitar isso. Vou procurar empregos em outras escolas, em algum curso, não sei, acho que só assim para podermos ficar juntos. Mas, temos de viver escondidos, enquanto seu pai souber onde você está, não nos deixará em paz.
- Meu pai não pode controlar assim minha vida! – Pareceu um pouco irritado.
- Meu amor, você tem de ser mais forte. Eu preciso de você do meu lado para me dar apoio também, assim como eu estou aqui para ficar ao seu lado.
- Eu serei... – A beijou com muito amor.
- Acho que você deve voltar para sua casa agora, seu Pai deve estar furioso se descobriu que não está no seu quarto como mandou.
- Sim, tenho de ir. Mesmo querendo ficar aqui com você.
- Eu sei. Mas vá... É melhor.

Lucas saiu pela mesma janela que entrou. Tentava sempre andar pelas sombras para que não fosse visto. Naquela vizinhança havia muitos amigos do seu pai, que não hesitariam em contar que o viram sair da casa de Patrícia.
O Brasil não crescera em 60 anos. Desde a superação do petróleo que o país está em decadência. Criou-se um embargo comercial, e ninguém pode comercializar com o Brasil, ao menos que seja apoiado pelo governo. Toda a tecnologia havia parado. Assim como Cuba há 64 anos atrás.

Com muito cuidado para não se machucar e também não fazer barulho, Lucas subiu até o 1° andar da casa do lado de fora para entrar pela janela do seu quarto e fingir que não tivesse saido, mas...Havia algo estranho...À essa hora seus pais estariam na sala assistindo tevê, tudo em silencio, devem estar dormindo, pensou Lucas.
Entrou em seu quarto que estava escuro como antes e foi até seu armário para guardar o casaco, depois, foi até seu som, colocou uma musica...Queria pensar. Como iria continuar com isso com seu pai se metendo na sua vida? E o que poderia acontecer a Patrícia se ele continuasse? Nem queria pensar...

- Acha que pode me enrolar Lucas? – Falou seu pai que estava sentado numa poltrona perto da porta, a escuridão do quarto não permitia que visse seu rosto. Lucas levou um susto ao vê-lo.
- O que está fazendo aqui? Pensei que estava batendo na minha mãe como de costume! – Lucas irritou-se.
- Suas palavras não vão me atingir. – Falava com segurança e calma. Como de alguém que tem tudo sobre controle.
- Idem.
- Olhe aqui Lucas, eu não criei você para ser a diversão sexual de uma mulher, porque é isso que aquela vadia está fazendo com você! E quero você vivo!
- Eu não vou ficar aqui ouvindo suas tolices! Não entendo, como pode matar o filho dos outros pelo mesmo motivo que me protege... Por que pai? Por que matar meus irmãos? Nunca te fizeram nada, por que me proteger?
- ME DESOBEDECEU OUTRA VEZ! OUTRA VEZ LUCAS! – O seu pai levantou da poltrona com um só pulo, e avançou em cima de Lucas com fúria. – VOCÊ PRECISA DE UMA CORREÇÃO MININO! – Retirava o cinto que segurava sua calça – TEM DE APRENDER A RESPEITAR SEU PAI!

O pai de Lucas o batia com força, havia tanto ódio em suas palavras que assustavam a sua mãe que não conseguia se mover para ajuda-lo, parada na porta. Havia uma marca roxa em seu rosto, deveria ter apanhado dele outra vez tentando defender seu filho das garras do seu pai.

- PARA PAI! PARA! EU NÃO SOU MAIS UMA CRIANÇA QUE VOCÊ POSSA CONTROLAR!
- VOCÊ É UM MOLEQUE QUE NÃO SABE NADA DA VIDA! NÃO PERCEBE A BESTEIRA QUE ESTÁ FAZENDO?
- NÃO VAI MANDAR NA MINHA VIDA ASSIM! – O pai ainda o batia. O sangue do seu rosto e das suas costas começava a aparecer.
- ROBERTO! PARE! ELE É SEU FILHO! – A mãe de Lucas, Maria, soltava suas primeiras palavras de desespero ao ver o filho machucado no chão.
- E VOCÊ MARIA, NÃO SE INTROMETA NA EDUCAÇÃO DO SEU FILHO, NÃO ME IRRITE OUTRA VEZ! – Ele avançou para cima de Maria com a mão levantada pronto para bater nela outra vez. Lucas porem levantou-se do chão tão rapidamente que seu pai não percebeu e se jogou em cima dele o impedindo de bater em sua mãe mais uma vez.
- Não vai mais bater nela! – Lucas chorava de raiva.
- VOCÊ ME DÁ VERGONHA LUCAS. VERGONHA!
- Pare... – Lucas pedia com sinceridade nos olhos. Seu pai saiu do quarto sem dizer uma palavra, estava furioso demais para continuar com isso. A mãe de Lucas desabou no chão e chorava compulsivamente.
- Mãe, a senhora tem de me ajudar a sair do país. Você precisa me ajudar, ou ele vai manda-la para a cadeia, e nunca mais vou vê-la.
- Seu pai tirou tudo da sua conta Lucas. Tudo. Está zerado.
- Ah meu Deus...
- Mas olha...Eu tenho uma reserva no banco que eu venho guardando para o dia em que este país deixar de ser a porcaria que é. Mas eu sei que vou morrer aqui. Pode pegar todo este dinheiro, é seu, vá viver com a sua professora.
- Eu ainda tenho de participar do protesto mãe.
- Não! – Sua mãe arregalou os olhos.
- Eu preciso mãe. Não vou sair do país sem tentar uma ultima vez.
- Você é louco, não faça isso Lucas, vocês dois estão sendo vigiados no país inteiro, se fizerem algo, não haverá perdão!

Lucas e sua mãe passaram a noite inteira conversando. Sua mãe lhe contara que quando tinha mais ou menos 17 anos, havia se apaixonado pelo seu professor de matemática, mas ele não quis nada. Maria percebia que tinha perdido sua criancinha e agora tinha um adolescente seguro e apaixonado na sua frente.

- Mãe eu amo tanto a Patrícia. Enfrentaria tudo novamente por ela.
- E ela?
- Bem, está enfrentando tudo junto comigo.
- Quero que seja feliz meu filho, independente de como seja, seja feliz como eu não fui.
- Mas a senhora tem todo o direito de refazer sua vida. De encontrar alguém que a ame que cuide e que preze por você.
- Quem vai olhar para uma quarentona como eu?
- Ah, a senhora não conhece os homens...

Na mesma noite Lucas telefonou para Patrícia. Havia muito o que dizer, muito o que combinar sobre a fuga.
- Patrícia?
- Chegou bem em casa? Ele te viu? Alguém te seguiu?
- Ele me viu sim. Estava em meu quarto me esperando.
- Isso não vai terminar bem Lucas. Só estamos vivos porque você é filho de um militante.
- Preferia que não fosse.
- Eu sei.
- Patrícia, vamos fugir. Está tudo certo. Falei com meu grupo, eles vão nos ajudar. Vamos em um carregamento de soja que vai sair daqui para a fronteira com a Venezuela que partirá no domingo á noite. Todos os militares vão estar em casa, com suas famílias. É a nossa hora.
- O protesto vai ser um dia antes. Vamos ter de nos esconder até o outro dia.
- Onde podemos ficar?
- Podemos ficar na casa do diretor do Vinícius de Moraes. Ele nos deu apoio, me ligou hoje. Provavelmente está sabendo do protesto marcado para o sábado e deve saber que vamos fugir.
- Ele é de confiança?
- Sim, eu confio nele plenamente.
- Então vamos para lá sim. Hoje é sexta, será que já podemos ir para lá?
- Sim já. Faças suas malas, e me encontre na parte detrás do colégio, que iremos para lá.
- Tudo bem. Eu te amo. Nos vemos.

Lucas aprontou suas malas rapidamente. Colocou algumas camisas, calças, roupa intima, o cartão bancário de sua mãe, alguma comida e partiu pela janela. Deixou uma carta para sua mãe.

“Parto com o coração sofrido por ter que te deixar, a senhora foi uma mãe maravilhosa, ensinou a seu filho a dar valor àquilo que mais importa na vida. Muito obrigado por tudo,
De seu amado filho,
Lucas.”

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