Reencontro.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Reencontro

Quando eu sentir

meu braço pender
o pulmão faltar
o olho cobrir-se
o sangue parar
as vozes perderem-se
o coração falhar
a saliva escorrer
a lingua cair para o lado
os dedos ficarem roxos
o corpo debater-se em espasmos
a agonia chegar
a dor dominar
o frio espalhar-se
o cansaço apoderar-se
os músculos desobedecerem
os pensamentos apagarem
a linguagem não bastar
as lágrimas me lavarem
o rosto endurecer
os soluços fazerem uma sinfonia
o desespero soltar
a loucura misturar-se

estarei morta.

sem volta.

exatamente como será contigo
se morrer de morte morrida.


Flávia Braga

----

Le Monde c’est voux

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Le Monde c’est voux

Em minha alma dormente
Há um coração que sente
Um amor que mente
Uma dor insolente,
Mas o mundo continua a girar...

Gira o mundo, gira eu também
Do Japão ouso rock
Do inglês uso locked
Para minha fé, amém.

Crio a música vencida,
A canção da minha vida,
O espanhol da minha dança
O meu gingado brasileiro
A minha cubana esperança
E meu amor mineiro.

Sou o que há dentro de mim,
O que vejo,
O que ouço,
O que rodeio,
Sou até mesmo o que desconheço,
Sou uma guerra fria em mim mesma.

Mas, não. Não tenho nome.
Não tenho indentidade.
Nem nada
Sou o produto do dinheiro
E um pouco de fada.


Flávia Braga

Minha querida amante.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Minha querida amante.



Amo-te não somente por ser bela,
Minha bela,
Mas por possuir os meus sonhos
Que antes pertenciam a um outro alguém
Que agora vive do passado!
Mas tu, dona de mim, estás comigo
Aonde quer que eu vá
Nos pensamentos
No coração que bate desesperadamente por não ter-te
Mas vivo feliz, meu amor, porque sei
Que tu sorri, mesmo quê seja longe de mim.
Ah! Que covarde sou por não correr para teus braços!
Que medrosa sou, pobre de mim, que tem medo que teu coração
Bata por um alguém que não sou eu!
Minha amante,
Sim és!
Tu domina os meus desejos e o meu encanto
Por um minuto pensei, bela,
Que não merecia de veras o teu amor.
Mas que burro é meu coração!
Quero-te amais que a qualquer um que esse corpo desejou
E por ele, meu amor,
Volto a ser pura,
Por ele, e se tu quiseres,
Sou uma puta,
Para ter você para sempre!
Serei flor do pecado por causa desse desejo, que me consome viva
Com rapidez, que fúria!
E quanto me provocas
Como gosto!
E meu simples banho,
Já não é mais um banho,
Porque quero beijar-te sobre essa água quente
Que desce sobre meu corpo.
E aquela brisa?
Que depois de te amar quero sentir sobre meu rosto.
E te beijar
Te invadir com a minha lingua
Que sinta meu calor!
Não podes imaginar, minha loucura, o quanto eres de mim
E que não há vergonha para o que sinto
Nem para meu desejo.
Gosto de tua astúcia,
Da tua malícia,
Da tua vontade de sexo!
Me completas em tudo, minha querida,
Estou doente.
O amor consumiu-me completamente.

As vezes quando estou sozinha, meu amor,
Vontade não me falta de estar contigo.
Me falta sim, coragem!
Coragem não, pois isto sei que tenho de sobra
O que me falta é uma chance.
Oh! Senhor do Mundo, conduz minha vida ao da minha amante.
A minha cama vazia já não tem esperanças
De encontrar em um outro alguém
Amor tão grande.
Mal sei sobre a vida,
Nem sobre o destino
Só sei de uma coisa, meu amor
Quero estar contigo!
E não sabes, minha amada, o como é bom
Ter-te
Amar-te
Posso sentir meu coração vir a boca
Quando dizes que me queres
Ai! Que arrepio me dá quando diz que quer me beijar
De ser feliz comigo.
Como posso ser tão feliz, meu amor?
Sou boba, sou idiota.
Sou sim, por sonhar tão alto
Por querer que o mundo foda-se!
Só para estr do teu lado
Me sinto egoísta,
Mas eu te quero!
E não posso deixar que esteja longe de mim
Perdoe-me meu amor
Por termos perdido tanto tempo.

Não posso esquecer do teu corpo,
Tua boca,
Estão grudados na minha mente!
E só em pensar que só queria usar-te, e tu a mim.
Percebeste esse sentimento que foi tomando conta de nós?
Queriamos transar, descobrir-nos!
Mas uma ponte me une a ti
Nosso amor prova que tudo é possível
Que é possível esquecer-se do passado.
Perdoe-me outra vez, minha amada.
Falei por ti, e não sei se disse a verdade sobre o que tu sentes.
E sim sobre o que eu quero.
Que é que me ame.
E desse amor queria viver,
Me sinto uma sonhadora,
De novo, uma egoísta.
Sinto-me verdadeiramente ridícula
Por achar que sou o melhor para ti.
Mas o que posso fazer, meu amor,
Se eres minha amante?


Flávia Braga

Ode às diferenças

sábado, 8 de novembro de 2008

Ode às diferenças

Chega de pensamentos medievais!
Chega de leis inquisitoras!

Eu quero o diferente,
Eu quero a loucura dos loucos!
(são realmente loucos?)

Eu quero o pudor enfraquecido!
Eu quero o amor pelos iguais!

Diferente?
Sou sim.

Tenho quilos a mais que Maria,
Tenho cabelos negros,
Sou descrente em santos.
Ah...
Se pudessem ser só essas as diferenças,
Senão houvesse política,
Se nos lembrasse-nos dos amigos,
Dos tempos bons!

O que há de diferente então no cambojano?
Não choram eles, lágrimas?
Não bate neles um coração?
Não há neles sangue vermelho?

Me digam então o que há de errado com as damas da noite?
(matam-se mulheres por convicções erradas)
“Pensamos que era uma puta”
Ora pois, e não é gente?
Não sente essas mulheres também prazer?
Não têm essas mulheres seus sonhos?

E tu leitor?
Eres diferente do mundo que te rodeia?
Sentes tu frio quando todos tem calor?
Eres por um acaso, vazio?

Pois, também não sou.
Numa montanha de gente morta,
Lá estou eu com minha missão de guia-los
Pelos caminhos obscuros de Danthi
O moço do lado era um Picasso,
A mulher, uma Tieta.

E não somos então humanos?

Por favor, não escrevas números na minha lápide.

Flávia Braga

ETAPAS 2 - UM ENSAIO SOBRE O AMOR

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A FESTA

DESCOBRI EU, NELA
E MEU CORAÇÃO NÃO SE ABRIA
AS PORTAS DO MEU QUARTO, EU NÃO TINHA
AS CHAVES
ESTAVAM COM ELA.

E, NOS DIVERTINDO, PINTAVA UMA ARTE EM SEU ROSTO
COM O PINCEL DESLIZAVA AS CORES MÁGICAS
NO CORPO QUE EM MIM, TRANSFORMAVA
E ERA FESTA DENOVO!

NÃO ERA UMA ILHA EM SI MESMA AGORA
ERA UM ARQUIPÉLAGO IMENSO
SEUS OLHOS MOSTRAVAM O MAR INTEIRO
E EU JÁ SABIA QUE EU, ERA ELA.

NÃO HAVIA MAIS O AMOR GRAMATICAL
ERA O AMOR PIONEIRO
COM TRAPAÇAS DO DESTINO, E DIFICIL,
ERA INTENSO.

Impulso Elétrico

sábado, 1 de novembro de 2008


Era assim: simples. Nada de gravata ou smoking preto combinando com sapatos brilhantes. Era modesto, com um cabelo sem pentear, grudado. Com chinelos sem marca. Com anéis de côco. Sorriso nos lábios, nas bochechas, no olhar. Os ombros riam também. Sem emitir nenhum som sequer. Tinha nos ouvidos a percepção de antenas de formigas. Pensamentos de fogo. Intenso, brilhante, alarmante, chamava a atenção para si.
E por isso era tão encantador.
Não tinha em si a hipocrisia simplória dos sábios. Não tinha pinta de ricaço. Não tinha nada de verdade, era nada, só aquilo ali, aquele momento o pertencia. Sem código de barras.
Entrei, com o peso de uma noitada irresponsável. Os olhos marejados pelo sono que ainda persistia em se agarrar a mim. Meu corpo respondia a qualquer estímulo à latência. Mover era custoso, pensar era custoso. O ônibus não tava lotado como todos os dias, o sol ainda não tinha acordado. As pessoas fechavam-se em seus zumbis, filosofando sobre a vida que em seus livros de ficção nunca irá existir. Ele tava lá, não como um zumbi – e isso de primeira me intrigou – mas cheio de música e melodia que entrava sem pedir licença em cada poro da minha pele. Aquela canção suave, de violino, espalhava-se como o ar pelos cantos. Era um convite ao nosso submundo, ao nosso dever de quebrar padrões.
O músico era negro. Tinha barba, roupa rasgada. Cabelos em rastafári, pés calejados. Violino impecável e uma caixa preta fechada, dizendo ali que, mesmo sem palavras, não tava pedindo esmola de ninguém. Ele queria tocar. Não para o seu ego, nem para o seu egoísmo, tocava para mostrar que era possível arte sem os padrões. Em qualquer outra hora daquele mesmo dia, em qualquer outro local daquela mesma cidade, ele era um ladrão puto safado em potencial. Mas não ali. Ali ele mostrava que somos ridículos.
Deixei que me dominasse com uma sutileza e rapidez que não me dei conta. No meio do caminho, atordoada entre a vergonha e a vontade súbita de prestigia-lo, o máximo que fiz foi ser hipnotizada pela música dele. Não precisava falar uma única palavra, seus gestos, sua vontade, seu amor que transbordava em todos nós, era como um discurso de libertação dizendo: vejam! Vejam! Vejam! Ele PODE sonhar!
Nós, meros humanos mortais, jamais entenderemos os artistas. Não tem como. Ver os pigmentos sendo refletidos sobre uma rosa, ao invés de vermelho. Amar sem piedade da carne ao invés de pudor.
Meu Deus. Meu Deus!
Ainda há com o que se espantar! Não é um chip, não é um robô, não é uma arma.
AFASTEM!
É um ser pensante...


Flávia Braga

Carta a um ditador

sábado, 25 de outubro de 2008



Que conveção estranha
Amarrar-se ao protótipo da tua estátua
Como um amante desesperado,
não te preocupes,
ninguém descobrirá o teu eu.

Calma!
Não te suicides antes do tempo
Ninguém descobrirá teus infortúnios
Ninguém permitirá teu esquartejamento
Enquanto lucrem por tua causa...

Não há medo, nem verdade.
Não corras, teu dinheiro não tem pernas
Não te movas, teu chão é açucarado.
Não respres apressadamente,
Não há como roubar o teu ar.

A bomba atômica não faz a volta,
Não precisa entocar-se.

A tua crise tirou-lhe até a tua alma
para que não restasse nada
Sobrou-lçhe apenas as almas alheias,
que já não te querem,
Se misturam aos desesperos seus
Brincam as angústias suas
Já não permanecem
Mas ligaram-se ao Adeus, Adeus.

A tua liberdade falseta
é a mais quente das correntes
é republicano,
ou democrata,
somente.

O teu ouro é barganha
depende do teu urro
e como mente.
Soltemos as ações num campo só deles
a ver o espetáculo das carnes,
pedaços de reis,
com sangue preto.

Pensavas, vil homem, que teu quebra-cabeças era completo
Ao fim sublimaram-se as peças
e só te restou a vontade.

A tua igualdade de papel,
molhou,
despedaçou.
Por fim se viu que no Império de cacos,
só havia balaços
contra avisos de mãe
que filho nenhum escuta.

Agora engole suco grosso e amargo,
preço que se paga pela teimosia.
A tua coroa foi num descargo,
com a bosta.

Se antes era mandão desgraçado
é hoje desgraçado mendicante,
os teus marionetes de Pinocchio,
hão de te entalhar,
espero.


FLÁVIA BRAGA

Etapas - Um ensaio do eu e do amor.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008


"A paixão aumenta em função dos obstáculos que se lhe opõe."
William Shakespeare.




1 - A Magia.

Conheci uma garota
que sentava longe de mim
ela era uma ilha de si mesma
e eu não conhecia a mim.

Para olhar nos olhos dela
tinha que olhar para mim mesma
e ser eu, nela.

Para falar com ela
Tinha de imitar o som dos pássaros
e escutar o que não ouvia.

Nesta garota, há todas as nações do mundo
tem a fome que em mim não doi
E a lágrima que em mim não vem.


Flávia Braga

AO SOCIALISMO

domingo, 12 de outubro de 2008



Ao Socialismo.

O império da minha hipocrisia desabou
diante da ridícula simplicidade que
encontraste de exor-me ao tédio ue
era minhas tristes convenências.

Despi-me da exclamação de desafeto mentiroso
e pus a roupa da tua palavra,
es meu profeta incansável,
de uma verdade que eu via por óculos escuros.

No fi do horizonte há um brilho que antes me cegava
E agor vejo até os passaros que ali tentam chegar inultilmente,
a gravidade falhou,
mas não as minhas dádivas,
meu escrito é por tua mão
e minha mente esforça-se como os pássaros

Que sabem que nunca chegaram lá,
porque o horizonte se constroi,
e não se busca.

Tenho em mim as asas,
de que perdeu os óculos escuros,
e queima os olhos diante do futuro.

FLÁVIA BRAGA.

TORTURA NÃO TEM ANISTIA - JUSTIÇA JÁ!

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

A FAVOR DO JULGAMENTO DOS MILITARES ENVOLVIDOS NA DITADURA MILITAR.
TORTURA NÃO É ESQUECIDA.
É INADMISSÍVEL VIVER COM ASSASSINOS E TORTURADORES, A LEI SERVE PARA TODOS, EM TODOS OS MOMENTOS. NÃO EXISTEM EXCEÇÕES.
JUSTIÇA SEJA FEITA, AS VERDADEIRAS VÍTIMAS ESTÃO MORTAS OU PRESAS NAS LEMBRANÇAS DA TORTURA QUE SOFRERAM, FAMILIAS AINDA ESPERAM PELO DIREITO DE GRITAREM SUAS DORES. O BRASIL NÃO PODE VIVER COM ESSA VERGONHA.

FORA LEI DA ANISTIA AOS MILITARES!

PARABENS A REVISTA CAROS AMIGOS – AINDA EXISTE JORNALISMO DE VERDADE NESSE PAÍS!
“Torturar é crime hediondo contra a humanidade: não prescreve. Ou será mero crime político perdoável?
Na manhã da última quinta-feira de julho, o ministro da justiça Tarso Genro e o ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos Paulo Vannucchi defenderam a punição aos torturadores do regime militar. Ao contrário do que a mídia fez parecer, essa é uma batalha que se trava há 29 anos, ou mais.” EDIÇÃO 138.

----------------------------------------------------------------------

Caneta de Tinta Vermelha

Quando o seu fuzil é uma caneta
E seu tanque de guerra é um papel

Quem há de fazer algo contra você? Estás blindado.
À prova de leis (ou balas, como preferir),
Escondido como a alma daquele soldado blindado.
Quem irá meter-se de bobo contigo?
Quem, por cargas d’agua, vai morrer com tua tinta?
És Deus, inquestionável!
(e quando a tinta acaba?)
- pois que tenho um pacote que me dão os empresários!
A tinta não acaba! Nunca!
- Nem quando a guerra acaba? Tu não hás de parar o show pirotécnico?!
- e para que? Se me dão canetas há de ser para usa-las!
Não tens medo que a caneta estoure na tua mão,
Ou no teu bolso porque a tinta não pega.
O soldado sai pela portinhola porque sufoca ali, precisa de ar.
Tão semelhantes. Soldados do absurdo.
Só lês muda a espécie de tinta,
E incrível,
Sob o mesmo efeito.


Flá Braga


-----------------------------------------------------------

“Detesto as vítimas quando elas respeitam os seus carrascos.”
Jean Paul Sartre

Não à Glória - Um conto para quem já esteve no fim.

domingo, 21 de setembro de 2008


Estava ali sentada, em uma posição monárquica de quem já foi chefe de família. O creme anti-rugas que deveria ter sido usado há 30 ou 40 anos. As mãos calejadas de quem via ali as linhas do livro da sua vida. Olha em volta observando cirurgicamente aqueles novos tão inconscientes de seu destino. Procura neles a sua vida pós-morte e se desespera por saber que não verá a sua própria vida. Sorri em saber da ingenuidade e petulância dos que não têm aquilo em que se é mais rica: anos. E morre um pouco em saber que foi em si o que jamais foi para os outros. Morre em saber que seus sonhos morrerão consigo também. Morre em saber que toda uma história não será mais que pó. Que aquele sexo não-feito vai ser incognita para sempre. Morre em saber que é só aquilo. Tão brochante. Pergunta-se Onde estarão os mistérios fúnebres que faziam sua mente criança apavorar-se. É tão patético. Tão simples. Tão humano. Tão pouco divino. Vê que não há glória nenhuma na morte. Que seus heróis juvenis eram idiotas, que sua vida é torta. Sente vez ou outra a agonia da morte, o medo que a levará de repente, assim sem adeus, sem justiça. Pois que não há tribunal para a biologia e o certo é inevitável.
Morre aos poucos.
Poucos.
Poucos.
Poucos.
Poucos.
Poucos.
Poucos.
Poucos.
Poucos.
Poucos.
Poucos.
Poucos.
Poucos.
Poucos.
Poucos.
Poucos.
Poucos.
Como um balde que escorreu a última gota.


---------------------------------------------------------------

"Quanto menos comes, bebes, compras livros e vais ao teatro, pensas, amas, teorizas, cantas, sofres, praticas esporte, etc., mais economizas e mais cresce o teu capital. És menos, mas tens mais. Assim todas as paixões e actividades são tragadas pela cobiça."

Karl Marx

Mariposas

terça-feira, 16 de setembro de 2008



Se não fosse eu essa mente metecapta
nem essa covarde densa
lançava-me nas águas túrgidas
desse amor insano.

Pois que me pego a uma ilusão
em troca de carinho alheio
o que tenho são mãos de morfeo
e realidade, realidade, realidade.

Ora, se do crepúsculo me salvo os anjos
e da manhã me guardo os doendes
o que me vem da madrugada?
Se não mais que nada, esperando tudo...

Esse amor vale o que me paga
um olhart de cobiça
um gesto de calúnia
e me faz umbigo desta loucura
tão perto do sexo,
tão longe da razão.


Flá Braga

--------------------------------------------------

"Mas sejam quais forem as circunstâncias da minha morte, morrerei com fé inabalável no futuro comunista da humanidade. Esta fé no homem e no futuro me dá, mesmo agora, uma força que religião nenhuma me poderia dar".

León Trotsky

Buraco-Negro

domingo, 31 de agosto de 2008




Fechei-me tanto e tantas vezes em mim mesma
que já desconheço a cicatriz que há em minha mão direita
e até mesmo de meus oculozinhos prateados.

Tornei-me tão densa e enigmática
que perdi a chave da minha porta
e o cadeado do meu inconsciente

Sou hoje o que há de tão pouco o que pareço
e tão largo o que escondo
que perdi-me em mim mesma
Sou um estranho em meu corpo.
Fechei-me em um buraco negro de letargia e torpor.



Flávia Braga




------------------------------------------




Uma frase:


"É por isso que se mandam as crianças à escola: não tanto para que aprendam alguma coisa, mas para que se habituem a estar calmas e sentadas e a cumprir escrupulosamente o que se lhes ordena, de modo que depois não pensem mesmo que têm de pôr em prática as suas ideias."

Immanuel Kant

UM POEMA MODERNO

terça-feira, 26 de agosto de 2008


CIENTISTA - Zeh Gustavo

Alimento um desejo incessante
de racionalizar objetos.
Queria fazer interesses
só de ludismos.
Se os objetos racionalizassem
sozinhos o mundo
a gente viraria vagabundo.
O melhor e mais dedicado vagabundo
tornar-se-ia o mais completo cientista.
Porque seus objetos mais próximos
racionalizariam o mundo obedecidos por
ele vagabundo.
E o vagabundo poderia deixar-se
ser tão-apenas vagabundo,
seguindo sua vocação original de traste.

Também, convenhamos, seria o máximo
se os bichos aprendessem utilidades
de bicho homem.
Assim, andar no esgoto passaria a ser importante.
Abraçar formigas, excelente.
Já falar inglês e informatar o mundo todo
constituiria um despropósito sem tamanho, posto que
baratas falariam inglês e informatariam com a moral
de quem sobreviveu a um holocausto.

Caberia ao homem executar o esforço inusitado,
tipo o de coçar a cabeça e
descobrir a cor de cada sorriso feminino.
À mulher caberia a rara disfunção de aproveitar
restos de frases para deflorar linguagens.
Se quisesse também se ocupava de transgredir
a gargalhada de cada cheiro.

O homem e a mulher poderiam ainda contribuir
para a deformação dos afagos junto à natureza.
A maturidade seria um crime.
Os amores não funcionariam para relacionamentos.
Serviriam para olhares.
Os amores caberiam numa roda.
Ou num sonho gigante.

Cada lugar acessaria o simples.
Cada casa haveria assim de gente.
Cada pessoa representaria brinquedos.

É porquanto que isso se realize logo
é que eu tô aqui.
Meu discurso já rejuvenesce um mato
e anima um objeto.
Animais me respondem empolgados de razão
conforme lhes boto a par de meu desprojeto.
Os animais, coitados, estão doidos para se tornarem realidade.

Quando eu enfim involuir para um nadismo decente,
vou fazer inveja a muito tolo.
Pois que a desrazão já haverá me proclamado para
participar no seu contrafluxo.
Os loucos me abençoarão de idolatria.
Os mendigos rezarão por mim.
Os bêbados se deleitarão de ter um representante seu
no caminho mais pródigo do lirismo.
Os objetos serão muito orgulhosos
que nem os vegetais e os insetos.
Sabem que atingirão o ponto de raciocinar
com lógica certa e curta.

E eu restarei, livrinho da silva.

NECESSIDADE DA PROPAGANDA

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

TEXTO DE : BERTOLD BRECHT



(SOBRE A ALEMANHA DO FÜHRER)

É possível que em nosso país nem tudo ande como deveria andar.
Mas ninguem pode negar que a propaganda é boa.
Mesmo os famintos devem adimitir
que o Ministro da Alimentaçã fala bem.

Quando o regime liquidou mil homens
Num único dia, sem investigação nem processo
O ministro da Propaganda louvou a paciência infinita do Führer
Que havia esperado tanto para ter a matança
E havia acumulado os patifes de bens e distinções
Fazendo-o num discurso tão magistral, que
Naquele dia não só os parentes das vítimas
Mas também os próprios algozes choraram.

E quando em um outro dia o maior dirigível do Reich
se desfez em chamas, porque o haviam enchido de gás inflamável
Poupando o gás não-inflamável para fins de guerra
O ministro da Aeronáutica prometeu diante dos caixões dos mortos
Uma grande ovação. Dizem que houve aplausos
Até mesmo de dentro dos caixões.


E como é exemplar a propaganda
do lixo e do livro de Führer!
Todo mundo é levado a recolher o livro de Führer
Onde que que esteja jogado.
Para propagar o hábito de juntar trapos, o poderoso Göring
Declarou-se o maior "juntador de crápulas" de todos os tempos
E para acomodar os crápulas fez construir
No centro da capital do Reich
Um palácio ele mesmo do tamanho de uma cidade.

Um bom propagandista
Transforma um monte de esterco em local de veraneio.
Quando não há manteiga, ele demonstra
como um talhe esguio faz um homem esbelto.
Milhares de pessoas o ouvem discorrer sobre auto-estradas,
Alegram-se como se tivessem carros.
Nos túmulos dos que morreram de fome ou em combate
Ele planta louros. Mas já bem antes disso
Falava de paz enquanto os canhões passavam.

Somente através de propaganda perfeita
Pôde-se convencer milhões de pessoas
Que o crescimento do Exército contitui obra de paz
Que cada novo tanque é uma bomba da paz
E cada novo regimento uma prova de
Amor à paz.

Mesmo assim: Bons discursos podem conseguir muito
Mas não conseguem tudo. Muitas pessoas
Já se ouve dizerem: pena
Que a palavra "carne" apenas não satisfaça, e
Pena que a palavra roupa aqueça tão pouco.
Quando o ministo do planejamento faz um discurso de louvor à nova impostura
Não pode chover, pois seus ouvintes Não têm com que se proteger.

Ainda algo mais desperta dúvidas
quanto a finalidade da propaganda: quanto mais propaganda há em nosso país
Tanto menos há em outros países.

No vrum vrum de Recife.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008





Apesar de não sentirme enquadrada em nenhum ismo,
ser pernambucano e não falar de Recife,
é o mesmo que não ser
e posto que desta qualidade tanto me orgulho,
separo estes versos para aquele
em que todos meus amores (sentidos ou vividos) e todos meus disabores fizeram parte.

Acolhedora como uma amável mãe,
e por esta razão também saudosista,
Recife me nasceu no ano de 1990.
Não muito longe desta mesma data em que me encontro,
vivo uma plena pernambucanidade.

Em meu carnaval multicultural,
há cultura para toda gente, para toda alma, para toda religião
aos ouvidos chegam-me opniões de pólos,
invenções descaradas,
pensamentos espontâneos, ora!
Que isso é ser pernambucano!

Não me venham lembrar das pragas dessa boa genta!
Sei de tudo, sei!
Que sobra comida, e fome
que falta casa e saúde
que não se precisa de seca
nem de corruptos!
Ora que sei!
Mas não me lembre disso, que a vida amarga-me e busco por felicidade.
E achá-la é escutar o som do maracatu!
Linda vibração africana!
Batem os tambores na frente da sinagoga,
passa-se pelos antigos deixados holandeses,
e tudo isso espalha-se pelo Brasil,
pelo mundo até!

Boa qualidade é ser pernambucano, é única!
É ter veneza colorida,
sol e chuva ao mesmo tempo,
toque de zabumba,
Ariano, Ascenso, Gonzaga,
é ter amor! É ter paixão!
É enfrentar a vida com foice na mão e cara pintada.

Não, caro leitor, não faço de pernambuco um cenário de romantismo.
Nem um quadro árcade.
Ser pernambucano é dar de cara com a morte todos os dias é berrar em sua cara,
é ver a primavera na seca,
e na seca ver a cara do sertão.

Se eu nascese denovo,
queria ser pernambucana,
que já nasce com um degrau acima para o céu,
e um pé no inferno,
que chamego, forro colado e esperteza, não é só joão grilo que tem!

Dia-a-dia

sábado, 19 de julho de 2008




Duas coisas que me enchem a alma de crescente admiração e respeito, quanto mais intensa e freqüëntemente o pensamento dela se ocupa:o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim

-----------------------------------------------------

Dia-a-dia

Ah! Malditas formas importantíssimas!
A mão da noite afaga
a minha mente cansada
e já não me aguento mais
meter-me entre parágrafos!

Cansei-me do lirismo formal!
da hipocrisia mentirosa
da ganância descontrolada
dos capitalistas fervorosos!

Arre!
A televisão é conveniente à oligarquia
o medo é companheiro do povo
e aos ricos,
Restam-lhe o tédio do ócio!


Flávia Braga

Filhos - esquecidos - dessa terra de Deus.

terça-feira, 15 de julho de 2008


Nun pedaço de chão, pedacinho só ta bom? Que não tinha nada, nem vontade de ser terra, existia uma família. Familia não, ajuntamento. Esse ajuntamento, como se diz em minha cidade, era composto de um homem de 35 anos – com cabeça de 120, corpo de 200 e cara de nunca ter saído da cova – uma mulher que não vale a pena mencionar de tão subjulgada e feia que era (vale perguntar, feia para quem? Mas deixemos de lado que isso literatura nunca explicou, não vim aqui para mudar regra de nada, pois...) – 11 crianças, que têm tantos nomes e tantos mais apelidos que para minha mente velha e cansada recordar é uma Odisséia.
Pois bem, cheguei nesse pedacinho de chão seco, batido e sem vontade de ser terra para fazer uma pesquisa. O engraçado é notar, depois que voltei, que ver gente pobre não é ver outra espécie (mesmo que agente finja que acredita em palavras como igualdade, kkkk, é até piada né?).
Bem, aquela família que ali morava, que havia morado outra família com tantas outras crianças de se perder de vista, chegou naquela terra com as duas mãos atrás. Agua é igual que ouro nessa terra de coitados, semente só no dia 30 de fevereiro, justiça então, o que é isso? Lá tinha, como qualquer local humanamente habitável, um ser que tinha unhas claras e palavras postiças (melhor seria que tivesse unhas postiças e palavras claras, mas isso é só uma inversão de adjetivos não é mesmo?). Ficou combinado o seguinte: O coitado do homem trabalharia para o das Postiça por 8 horas diárias, salário mínimo, FGTS, enfim, tudo isso que a lei (lei ali?) dizia. Como não sabia o que tinha na lei, nem muito menos o que era uma lei, o Coitado aceitou, já que o um ser maior (a fome) gritava o “sim” por ele.
Faça as contas comigo leitor, por favor, não leia passivamente. Se numa cidade grande, com greves, passeatas, sindicatos e toda a parafernalha trabalhista, um garçom é lesado – digamos que ele trabalhe em um restaurante por 8h, se numa hora ele serve 10 mesas, e colocando uma taxa de 10% de cobrança de serviço sobre a conta, ele ganharia 5 reais por mesa, logo, 50 reais em uma hora de serviço, multiplicado por 8h do dia, 400 reais, multiplicado por 30 dias de trabalho, 12000 reais, que, de acordo com meus cálculos foi o justo cobrado aos clientes com os 10% PARA PAGAMENTO DO PESSOAL, quem, em terra de deus, ganha isso tudo como garçom?! E o patrão ainda pega a maior parte daquilo que pagamos para o garçom... – imagine o que aconteceria com o nosso Coitado, analfabeto e empregado da Postiça? Nem imagine, é antiliterario demais para se imaginar uma coisas dessas.
Bem, cheguei lá com um silencio irritante. Irritante a ponto de gargalhar e não escutar a minha própria boca. Era silencio de som. Mas o barulho era ensurdecedor. O barulho da mente daquela mulher sem atributos me esganava, me jogava contra a parede, me fazia berrar por dentro. Era agoniante vê-la chorar esganiçada, calada, apertada, moída, empurrada nun canto para que ninguém a visse chorar, mas, acontecia exatamente o contrário e eu a vida toda e completamente ali, suas esperanças escorrendo pelo chão, suas lágrimas eram ácido para aquela terra, era fogo, era brasa, nem chegava ao chão. Aqueles 11 meninos que tinha, só havia 3, muito fraquinhos e de olhos esbugalhados, que não deveriam tomar banho a dias e a remela se misturava ao choro, a fome e ao catarro. Não se sabia o que era boca e o que era nariz tamanha era a crosta que se formava ali. Os pés há tempos não tocavam o chão, quão grande era a espessa camada de carne morta (alias tudo ali é morto) que seus pés tinham desde antes de nascer. Perguntei, quando minha incredulidade, meus preconceitos, minha ânsia de profissionalismo e toda minha civilidade tornaram-se inúteis e ridículas.
- A senhora está bem? – Não me respondeu, para falar a verdade não expressou qualquer alteração de movimento. – Senhora? – repeti, talvez fosse surda. Uma das crianças me olhou e me fitou.
- Tá falando com a senhora mainha.
A mulher esbugalhou os olhos, andou em minha direção com o resto de energia que ainda não havia escorrido. Temi, enojado, que aquelas mãos podres e cheias de sujeiras iriam me tocar. Ela sentiu minha repulsa e parou.
- Falou com eu? Com eu?
- Sim, senhora, está bem? Precisa de ajuda? Posso ajuda-la? – aquela mulher não falava errado, ela falava sua língua, seu dialeto. Ali, ser alguém, é preciso ter água. ( e não conta as lágrimas...)
- ô meu deus do céu, o senhô me mandou um anjo que me olha nos olhos e me trata como gente! Brigada meu deusinho. Olhe, lhe rezo 200 ave-maria e 500 pai nosso por uma graça dessas!
- Não, desculpe, eu sou jornalista. Vim aqui para fazer uma pesquisa sobre os projetos sociais que são desenvolvidos aqui.
- que? – ia ser difícil.
- Para onde que a senhora ta indo? Se sente bem?
- Eu sei de onde eu vim, mas para onde eu vou é o senhô quem me diz. – aquela mulher tava agonizada. Definhava cada vez mais, e mais. A vi cair em minha frente, hesitar. Acelerei para ajuda-la, fazer algo por ela. Mas aquela mulher estava indo, para o local em que ela tinha de ir, perdendo-se nun ponto vago que eu, saudável e gordo, jamais entenderei.
- Não entre nessa cidade, que é cidade do cão. Se deus criou o homi, o diabo há de ter criado a alma. Não tem criatura nesse mundo mais postiça que os filhos de deus.
E foi-se. Saber o que havia acontecido com aquela mulher era simples. Sua falta de gordura e músculos mostrava que havia morrido da pior forma. Seu organismo a comeu, lentamente. Não antes de lhe comer o sonho, a esperança, a virtude e a honra. Morreu de ficar só consigo mesma, de deparar com a inutilidade de sonhar, morreu de esperar, morreu de ficar cheia de silêncio, morreu de morte forçada.
Ela não ia ser nem mais um número no noticiário das 6. Ela era adubo para aquela terra que não tinha vontade de ser terra.
Evolução da espécie não é mesmo?

Flávia Braga

Onu: Aplausos e Vaias

quinta-feira, 10 de julho de 2008

A organização das Nações Unidas, criada em 1945, representa a esperança de toda uma geração traumatizada pela Segunda Guerra Mundial. Longe de ser um órgão democrático e eficaz, a ONU engloba hoje quase a totalidade - 154 dos 160 - países que compõem o cenário Mundial.
Pelo fato de contribuir com 22% do orçamento da Organização, os Estados Unidos, como exemplo, vêem investidas contra o "terrorismo" - Iraque e Afeganistão para citar os mais recentes - aceitáveis a tal ponto de ignorar as decisões do Órgão. Não apenas no campo político, a ONU é incapaz de decidir o fim dos conflitos sobre o Protocolo de Quioto ou de, até mesmo, manter sua própria estrutura. Comandada por apenas cinco países, o ideal de democracia das Nações Unidas pode ser bastante questionado.
Ainda que ineficaz, o órgão continua sendo o palco das discursões mundiais. É lá que países de menor participação têm voz e podem expôr seus ideis mesmo que sem poder de voto. Vale lembrar também a importância de projetos sociais de órgãos como a Unesco e Unicef que atuam em vários países.
Mesmo desacreditado, o sonho da paz mundial tem como seu símbolo a ONU que, apesar de seus contrastes, luta por seu ideal. É de grande importância para o futuro e sobrevivência mundial que a união dos países não fique apenas no nome.

Flávia Braga.

Sobre Educação.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Uma Reflexão sobre a educação.

Não, meus caros, não venho com uma dissertação nem índices do IBGE. Que o sistema de ensino no Brasil é falido já é mais conhecido que o fenômeno da Madonna. O que quero fazer é refletir sobre o MODO como se ensina no Brasil.
Que se tem de investir em infra-estrutura, alimentação, fardamentos, livros, remuneração de professores, qualquer pessoa sabe e vê claramente os resultados. Entretanto, nunca paramos para pensar onde casos como Isabella têm sua origem.
Estamos em um paradoxo. O nosso governo investe bilhões em educação universitária (o verdadeiro boom das faculdades particulares já começa a atrapalhar até mesmo a paciência de qualquer ser vivente...), educação básica é praticamente nulo o esforço. Sendo a infância a fase mais importante para o desenvolvimento da personalidade, valores e informações, deveria ser esta a fase de maior investimento não só por parte do governo, como da família... Por que o que vemos é exatamente o inverso. Programas como ProUni, FIES, ENEM, e tantos outros para o ingresso do jovem na universidade, e NENHUM, leu bem? NENHUM programa de financiamento ou ingresso de crianças em escolas primárias... Os pais, também em seu erro, ingressam a criança numa escola próxima de casa (mais como um hotelzinho...) de baixo valor e espera que, no terceiro ano científico, ele dobre ou triplique o tempo de trabalho para pagar cursinhos e isoladas para o seu filho passar para uma universidade pública. A base, como se pode ver, é fraca. Damos demais importância a materias exatas, como matemática, física, química (por favor que não se ofendam os cientistas...), uma gama de informações, livros, trabalhos, quando na verdade aquele jovem não entende ou não se importa com a pesquisa. Formamos advogados corruptos (lembrar que o Pai de Isabella fazia faculdade de Direito...) Médicos assassinos (O médico que matou e esquartejou sua amante – quando médicos deveriam salvar vidas...) policiais desrespeitosos (quando na verdade deveriam manter o respeito...) Políticos criminosos (quando eram eles quem deveriam fiscalizar!) e eu pergunto, essas pessoas não estudaram?! CLARO QUE SIM. Só que estudaram tudo, menos a cidadania... Matematica, física, química, biologia, geografia, história, português, inglês, espanhol, Frances... – essas são as matérias do vestibular. – Onde estar sociologia? Antropologia? Ciência política? Arte? Filosofia? Braile? Lingua dos surdos-mudos? Saúde da família? ONDE ESTÃO AS MATÉRIAS DA CIDADANIA?!
Como podemos esperar que um jovem que não é educado a pensar, a questionar, vá a ser um profissional justo e que respeite o próximo? Como colocar na constituição que somos igualitários quando nossos deficientes físicos não podem usar ônibus, quando nossos surdos não podem ver filmes nacionais no cinema, quando nossos mudos não podem perguntar no meio da rua onde que fica um banco porque ninguém entende seus gestos?! Como esperar que nossos policiais combatam o tráfico se ele não sabe o mínimo de psicologia?
Nos preocupamos tanto em formar profissionais e não formamos cidadãos!
Acredito que uma reforma radical no ensino seja uma boa solução. Até o fim do ensino médio, desenvolver no jovem o pensamento, a critica, a arte, o talento, a cidadania, e ai sim, ele estará pronto para ser um profissional justo e respeituoso. Infelizmente, vivemos em uma sociedade em que você é o seu valor de compra, e para o cartão de crédito, psicanálise talvez não pague o boleto, não é mesmo?! Porque talvez numa guerra a arte seja inútil, ou até mesmo, porque numa doença, saber que remédios podem ser encontrados em comidas esteja contrariando o cartel farmacêutico? Ou talvez porque saber de música fariam as bandas pop falirem? Ou porque saber sobre política fariam as ilhas caribenhas falirem?
Informação não é tudo. Tem de ter crítica.
Ser um cidadão é difícil.

¬¬

Paradoxo

quinta-feira, 26 de junho de 2008



Paradoxo.

Eu, que roubo pão
sou ladrão.
Tu, republicano, que roubas um país
e mata seu povo,
sois imperador?

Flávia Braga

Codinome Orquidea - Parte 8 (final)

quinta-feira, 19 de junho de 2008


Lucas adormecera pouco tempo depois. Patrícia o deixou sozinho no quarto para que dormisse bem. Foi até a cozinha comer algo, pois já era tarde. O Diretor também dormira, não havia o que fazer. Os livros eram quase todos proibidos, a televisão mentia, e os jogos eram feitos em dupla, e não havia com quem jogar, Patrícia era péssima.
Mas, ao abrir a porta da geladeira a procura de algo para comer, ela sentira um embrulho no estômago. Correu até o banheiro e vomitou toda a comida que tinha comido no dia.

- Ah não. – Já percebera do que o vomito significava. – Não...Não...

Limpou seu rosto, escovou os dentes. E se sentou no sofá. O que faria? Logo, a cigarra tocou e foi ver quem era.

- Olá! – Viu a mãe de Lucas entrar.
- Olá dona Maria, como vai?
- Não tão bem quanto eu gostaria que estivesse. Mas o que houve com você? Está pálida!
- Nada. Nada aconteceu.
- Como está Lucas? Melhorou?
- Ah sim, ele acordou hoje pela manhã e já tentou andar. Teimoso que só ele.
- Ah sim, muito.
- Agora ele está dormindo, mas está bem.
- Tem certeza que você está bem? – Perguntou quando viu um antienjoativo em cima da mesa.
- Sim estou. Só um pouco zonza do protesto de ontem.
- Ah, tudo bem.

Conversaram mais um pouco e Maria fora embora. Patrícia permaneceu calada o resto do dia, mesmo depois que Lucas acordara. O que faria com um bebê em seus braços, tendo que fugir? Como conseguiria dar uma vida a seu filho sendo sempre procurada do governo? Não poderia deixar isso...

- Vem cá. – Pediu Lucas assim que acordou e viu Patrícia ao seu lado. Beijaram-se.
- Como está?
- Só dói um pouco quando eu me mexo. Mas minha querida, como você está?
- Estou bem.
- Não parece.
- Só estou com dor de cabeça. Preocupada como vamos fugir daqui.
- Temos que arranjar um jeito.
- Sim temos. – Pensava no bebê.

Enquanto conversavam, a porta fora arrombada pelos policiais. Entraram com fúria dentro da casa. Cinco homens armados e vestidos de negro revistaram a casa de cabeça para baixo. Encontraram Patrícia e Lucas no quarto, eles não tiveram como fugir.

- Estão presos. Não reajam. – Patrícia viu o pai de Lucas dentre os cinco homens e seu coração disparou. Não havia para onde ir.
- Você de novo! – O pai de Lucas aproximou-se de Patrícia e lhe deu um murro no rosto que a fez cair no chão.
- Pare! – Lucas gritou na cama, mas dois dos soldados o seguravam para que não escapassem.
- Vão precisar de muita reza para saírem do quartel agora. – Falou o pai. – Levem-nos.
- Não! – Patrícia se debatia nas mãos de outros dois soldados. Mas era inútil. Olhava Lucas dentro dos olhos e chorava compulsivamente.
- Pai! Deixe-a, leve a mim! – Mesmo contundido Lucas ainda tentava livrar-se.

Qualquer tipo de pedido fora inútil. O quartel estava mais cheio que das duas vezes que Patrícia passara por ele. Havia no pátio uma enorme leva de pessoas que andavam seminuas para que fosse feita a revista. Viu, dentre eles, Carlos e Jorge o os olhou com pena.
Lucas e Patrícia foram levados para dentro do prédio principal do quartel. Colocados de frente para o outro em uma sala de interrogação. Sentiram vontade de se abraçarem, mas eram impedidos pelos policiais. Patrícia chorava, e Lucas estava sério.

- Digam onde está o Diretor do colégio Vinícius de Moraes. – Falou o mesmo General que interrogara Patrícia.
- Olá General, quanto tempo! – Exclamou Patrícia. Lucas a olhava com desespero.
- Senhora Patrícia! Como este mundo é pequeno não é mesmo?
- Muito.
- Então deve saber que o seu protegido logo será encontrado.
Silêncio.
- Sabe o Capitão Roberto? Está louco para te ver. – Exclamou, mesmo sabendo que Lucas era filho dele.
Patrícia ainda derramava lágrimas.
- Ele não vai... – Lucas tentava qualquer coisa para livrar Patrícia do que vinha na sua mente.
- O senhor fique calado! - Disse o General, dando ordens para o soldado bate-lo.
- Não! – Patrícia pedia.
- Ah... Achamos o ponto fraco da senhora Patrícia.
- Não faça nada contra ele.
- E quem determina isso? Você? Olha aqui senhora patrícia eu já fui muito tolerante com a senhora, não vou ser mais. A sua beleza encanta vários dos meus militares e sabe como é, ter carne fresca no quartel é muito difícil. Poucas são as mulheres que chegam até aqui, ou são mortas antes disso. Pode ter certeza que só está viva porque serve de diversão para meus soldados!
- Saia de perto dela! – Lucas debatia-se, e a cada vez que o fazia, o soldado o batia com mais força.
- Gostou? Quando o Capitão a comeu aqui mesmo nesta sala? Gostou? – Se esfregava nela e olhava para Lucas com ironia. Queria que ele se exaltasse e assim conseguisse a informação que ele queria. – Hoje será minha.
- Seu filho de uma puta! SAIA DE PERTO DELA! – O soldado puxou uma das mãos de Lucas e quebrou o seu dedo mindinho. Ele gritara de dor.
- Não por favor, não! Faça qualquer coisa comigo, mas não o machuque! Por favor, não!

O General roçava seu membro em Patrícia. Ela estava de pé, com algemas e não se mexia, enquanto que Lucas estava sentado e olhava tudo.

- Não faça isso! – Lucas se levantava da cadeira e mais outro soldado estava lá para bate-lo. Fora surrado duas vezes.
- Até que o Capitão tem bom gosto. A senhora tem um corpo lindo! – Falava no ouvido de Patrícia. Lucas estava incontrolado e ela não se movia de onde estava. – Tirem-no daqui.
- Não! Não!... – Debatia-se. – Me soltem! Eu não vou sair! Não toque nela seu desgraçado! Não encoste suas mãos sujas nela!
- Coloquem-no para que escute tudo na sala ao lado.

Os soldados muito dificilmente tiraram Lucas da sala onde ele, o general e Patrícia estavam. O colocaram em uma cela que ficava do lado da sala de interrogação e ele sentou-se no fundo da cela. Colocou as mãos em seus ouvidos para que não escutasse nada, mas era impossível, pois as paredes eram finas e havia pequenas janelas na barra inferior das paredes para que passasse o ar e também o som. Muitos presos eram assim interrogados, sem aproximação de soldados com presos.
Na sala de interrogação. No exato momento em que Lucas fora tirado, o general empurrou Patrícia para o chão, a deixou de frente para o teto e a olhava caída no chão. Ajoelhou-se até seu corpo.

- Tire a roupa.

Patrícia o fez, sem falar nada. Lucas era impedido de falar por um soldado que estava ao seu lado. Quando Patrícia estava nua, o general abriu seu zíper e deitou-se sobre ela. O peso de um homem adulto sobre a barriga de Patrícia a fez chorar de dor. Lucas escutava tudo do lado da sala, os gemidos de prazer do general, assim como suas ordens para Patrícia “Vire...Chupe.” Como os gritos de dores que Patrícia sentia sobre sua barriga, e sobre seus órgãos genitais que doíam com tamanha agressão.

- Já é o suficiente por hoje. Ficará nesta sala como sempre. Espero que goste de estar do lado do seu amorzinho. Ele acaba de escutar tudo. – Patrícia olhou-o perplexa. Mas virou-se assim que o general saiu. Arrastou-se pelo chão, até uma das pequenas janelas que havia na parte inferior da parede.
- Lucas... Está ai?
- Ah meu amor, eu sinto muito... Eu não pude fazer nada eu...Sou um fraco, me perdoe!
- Temos que nos proteger aqui dentro. Foi o necessário. – Suas mãos se tocavam pela pequena passagem.
- Está doendo muito? – Lucas a viu com os braços envolvendo a barriga.
- Sim. – Os rostos estavam deitados no chão, só assim era possível que se vissem.
- Olá Lucas. – Falou o seu pai na porta de sua cela. Havia mais dois policiais ao seu lado.
- O que está fazendo aqui? – Patrícia escutava tudo do outro lado.
- Diga a eles onde está o Diretor e talvez sairá daqui. Lucas é a única forma, se não disser, não poderei fazer nada por você.
- Eu não sei. – Murros.
- Ainda não sabe? Podem bater, até ele dizer.

Os soldados o bateram por muitos minutos. Sua barriga, suas costelas, seus braços, tudo havia sido espancado. Quando começou a espirrar sangue, o Capitão fora chamado mais uma vez.

- Capitão, ele não sabe de nada. Não adianta.
- Lucas...É bom falar, ou quem vai sofrer agora é ela.
- Pelo Amor de Deus! Já disse que eu não sei de nada!
- Como não?! Estavam na casa dele e não sabiam onde ele estava?!
- Ele saiu para comprar comidas que estava acabando, por Deus, eu não sei! – Lucas falava com dificuldade.
- Então quem vai sofrer agora é sua amada. Porque sei que não irá dizer nada enquanto estiverem te batendo.
- Pai! Não faça isso! Por favor, não! Não!

O Capitão deu as costas a seu filho e ordenou que os três soldados que estavam ali saíssem. Caminharam até a outra porta e entraram.

- Acho que está cansada de apanhar hoje senhora Patrícia. É bom falar.
- Eu não sei de nada.
- Soldados! – Ordenou que batessem. Patrícia levou chutes e murros. Tentava proteger sua barriga, mas era impossível. Estirada no chão, os soldados a chutavam com força.
- Parem! Por favor!
- Continuem. Patrícia onde está o Diretor? Tenho certeza que sabe.
- Eu não sei, já disse que não sei!
- Continuem!
- Não, parem! Por favor! Eu estou grávida! – Lucas escutara.
- Ora Ora...
- Por favor...Eu já disse que não sei.
- Só sairá deste quartel quando disser.

Patrícia permaneceu estirada no chão depois que os soldados saíram. Encolheu-se sobre sua barriga e não olhava para Lucas. O sangue escorria de seu nariz, de sua boca e sua barriga ainda doía.

- Patrícia... – Chamava Lucas pela brecha.
- Desculpa... – Não conseguia mover-se.
- Por que não me disse?
- Eu tive medo...
- Medo de que?
- De não poder criar meu filho.
- Deveria ter me dito...
- Desculpe...

Os dias se passavam e todos os dias sessões de tortura aconteciam. Choques, murros, pontapés, sal, banho de jato, fumaça. Tudo acontecia e os soldados não tinham a resposta que queriam. Patrícia estava sofrendo com a perda do bebê que não agüentou ao segundo dia de tortura e viu-se abortando. Passara todos os outros dias chorando.

- Vamos sair daqui. – Dizia Lucas todas as vezes que podiam se falar.
- Onde está o Diretor Lucas? Onde que ele foi parar?
- Se ele não aparecer vamos morrer aqui.

A situação no país se agravava. Todos queriam saber do que foi feito o
”Garoto do Livro”. Nos jornais nada saia, e até mesmo os próprios policiais se contradiziam.

- Eles só poderão ser soltos quando o depoimento do Diretor do colégio Vinícius de Moraes for documentado, só assim saberemos se eles foram ou não os iniciantes do protesto. – Falava um soldado em uma rede de televisão.
- Mas, e se o tal Diretor nunca aparecer?
- Eles não poderão ser soltos.
- Mas isso gerará um descontentamento muito grande na sociedade. O presidente vem tendo sua preferência despencando todas essas semanas. Se a professora de língua estrangeira e o aluno ficarem presos, vai ter uma revolução no país.
- Garantiremos o bem estar comum.

Há 564km da cidade onde Lucas e Patrícia estavam presos. Havia um posto de recarregamento de carros. Um cliente, após o recarregar seu carro, foi até a loja de conveniência para pagar. Não havia ninguém que recebesse o dinheiro e então procurou em volta. Ninguém. Tinha resolvido ir embora sem pagar. Escutou um gemido. Parou um instante para ouvir mais. Outro gemido. Viu uma brecha entre aberta de uma porta. Pegou sua câmera. Ajustou-a para gravação e então abriu.
Viu, atado à uma cadeira um senhor que aparentava ter 60 e poucos anos. E um de pé que estava batendo nele. Começou a gravar tudo.

- Você sabe em que país está Buarque?
- Já disse que não. – Respondeu secamente.

O homem continuava a gravar. E então, vendo que se tratava de algo do governo, decidiu se esconder. Esperou por muito tempo o interrogador sair. E quando saiu, entrou no recinto onde o velho estava.

- Quem é o senhor? – Perguntou tirando os cordões que o prendia na cadeira.
- Não posso dizer meu rapaz.
- Olha, meu carro foi carregado. Eu posso te tirar daqui, mas tem de ser rápido. Aquele policial vai voltar rapidamente e pode nos ver aqui.
- Por favor, faça isso.
- Pode andar?
- Posso tentar.

Mas o velho não conseguia andar. O rapaz então guardou sua câmera e levou em seus braços o velho. O colocou dentro do carro e disparou para a estrada.

- Para onde o senhor quer ir?
- Leve-me para onde estão os presos do protesto. Só quero isso.
- Então o senhor é o... – Olhou espantado.
- Sim. Preciso tirar aqueles pobres de dentro daquele quartel.
- Eu gravei tudo o que aconteceu naquele posto, podemos usar para tira-los sem que se exponha.
- Gravou? – A estrada estava livre.
- Sim. A fronteira com a Venezuela é daqui a 600km mais ou menos, podemos chegar lá e publicar de fora. Assim não vamos ser presos.
- Mas como vamos tirar os dois da cadeia?
- Confie em mim senhor, sei o que estou fazendo. Esse ditador vai cair em pouco tempo.

Pararam em um bar de estrada pouco tempo depois. Não havia nada por perto. Apenas uma senhora que estava sobre o balcão com um pano em seu ombro. E olhava a televisão enfadonha.

- Pode me preparar dois sanduíches completos e café? – Pediu o rapaz a senhora sobre o balcão.
- Claro. – Virou-se para fazer. – Que absurdo dizem na televisão não é? E ainda tem gente que acredita! Como que os comunistas vão fazer vírus sem nem ao menos ter dinheiro? São só estudantes...
- É. Um absurdo.
- Ouviu o que disseram agora? Que os dois coitados que foram presos injustamente estão mortos?!
- O que?! – O Diretor perguntou espantado.
- É, foi o que disseram. Mas, não é verdade, todo mundo sabe que eles estão vivos...
- E como a senhora sabe?
- Eles mandam cartas todas as semanas para a rádio que transmitiu o protesto. Os militantes que são burros e não entendem de códigos.
- Como assim? – Perguntou o rapaz à velha.
- Eu não sei como eles fazem, só sei que as cartas chegam à radio toda sexta feira. A gente sabe que são eles porque eles assinam.
- Eles assinam?!
- Sim. Orquídea e Lírio.
- E os militantes não vêem isso?
- Eu não sei. Acho que nem eles dois sabem que os textos estão sendo publicados. As cartas são escritas de um para o outro. Como se eles estivessem em celas distantes.
- A senhora tem alguma aí?
- Ah...Tenho sim. Estou torcendo tanto por eles. Deixe-me ver, tenho um pedaço de uma carta do Lírio para a Orquídea.
- Leia, por favor. – Pediu o Diretor.
- “Seja forte minha linda. Que ainda temos de ver o sol mais uma vez na vida. Que ainda vamos ter um filho. Vamos ainda viver em um país justo e livre. Quero que me perdoe mais uma vez por ontem, não pude impedir que meu pai fizesse aquelas atrocidades com você. Sou covarde, sou fraco. Mas vamos sair daqui.” – A senhora não conseguiu impedir que caíssem algumas lágrimas.
- Meu deus... – Exclamou o rapaz.
- Eles não sabem que está sendo publicado. – Disse o Diretor.
- E as pessoas que estão publicando não foram presas?
- Sim foram. Mas sempre tem alguém que publica. Não querem que morra esse sentimento deles.
- Temos que ajuda-los.
- Bem, está pronto. Vocês parecem famintos.
- Sim estamos. – Disse o jovem.

No quartel. Mais uma vez Patrícia e Lucas foram postos um de frente para o outro. Dentro da sala havia quatro soldados, o Capitão e o General. O semblante de cansaço e tristeza estava na cara dos dois. Patrícia olhava para Lucas com tristeza e implorava pelos olhos por um beijo. Assim estava Lucas, que além do mais, tinha ódio no seu coração e tinha vontade de matar seu próprio pai. Não agüentava mais ouvir na calada da noite Patrícia ser violentada e não poder fazer nada.

- Saibam, que vocês só não estão mortos por ordem direta do presidente. – Disse o General que sentava entre os dois.
- O que quer agora? – Perguntou Lucas.
- Estou esperando ordens vindas de cima. Enquanto isso vocês terão de ficar separados.

A televisão apresentava novamente o jornal nacional quando a sua transmissão fora interrompida. Na central de tevê, tudo passava como se a transmissão estivesse normal, mas para os civis, isso era um sinal de que algo muito importante estava para ser dito na rádio local. Logo, todos estavam desligando suas televisões e se juntavam em famílias pára escutar aquela que seria mais uma carta do casal que viraram símbolo do heroísmo nacional, um heroísmo que estava desaparecido à muitos anos e que dava a todos uma nova esperança de liberdade.

- O que houve exatamente no dia 19 de maio de 2085? – Perguntou um rapaz. Aquilo que parecia ser uma gravação.
- Eu havia saído de casa pela tarde para comprar alguma comida. Estávamos sem nada na geladeira e sem nada no armário. Sabia que a Orquídea estava grávida, acho que ela não. E sabia que precisava se alimentar bem. Estava muito preocupada com o Lírio, pois ele havia sido baleado um dia anterior pelos policiais no protesto. Havia perdido muito sangue.
- Ele ficou muito inconsciente?
- Virou a noite assim. Só acordou no outro dia.
- Mas, o que aconteceu então?
- Bem, eu saí de casa para comprar algo, porque a Orquídea tinha de ficar com o Lírio. Quando voltei, não havia ninguém mais, a casa estava revirada, os móveis todos caídos.
- E depois?
- Depois eu tentei saber o que aconteceu. Mas um soldado veio atrás de mim na minha casa, e como eu sou um velho de 60 anos, não pude resistir. E então ele me levou para um posto muito longe dali. Fui mantido prisioneiro por muitos dias.
- Mas, o governo afirma que o casal só não foi solto porque o senhor havia fugido. Então na verdade, foi seqüestrado pelos próprios policiais?
- Isso mesmo.
- O rapaz que o resgatou disse que tem um vídeo de onde o senhor estava sendo mantido em cativeiro. Vai ser mostrado na tevê?
- Veremos.

Dentro do quartel, Lucas estava em sua cela. Estava, como de costume, riscando a parede e contando a quantidade de dias que estava passando dentro da cadeia. Patrícia estava dormindo, ou pelo menos tentando. O sono era interrompido por gritos de dor que viam de outras celas. Aquela tortura já contava dois meses, parecia uma eternidade.

- Está solto Lucas. Você e sua amada só vêm trazendo problemas para o meu país. – Disse o general secamente. Em frente à porta.
- Solto? – Espantado.
- Está surdo? Saia!
- Nenhum governo sobrevive sem o apoio do seu povo não é General? – Falou em tom de deboche.

O General caminhou alguns passos até a cela de Patrícia e Lucas o acompanhava, tinha uma expressão de felicidade em seu rosto que em dois meses não se atreveu a ter. Patrícia, que havia escutado o que aconteceu na cela de Lucas, já estava prontamente levantada e esperava para ser solta. Ela havia perdido seus cabelos, sua roupa estava rasgada e suja, havia emagrecido drasticamente. Assim como Lucas, tinham escoriações pelo corpo, cortes, manchas roxas...

- Pode sair. – Disse o General.

Os dois se abraçaram no meio do corredor do presídio e se deram as mãos. Foram caminhando até o portão de saída, mas algo os entristeciam. Havia ainda muita gente ali dentro, que precisava ser solta.

- Temos que lutar por eles Lucas.
- Eles vão sair, como nós. Esse governo tem seus dias contados.
- A quem devemos agradecer isso?
- Ao povo. Sem o apoio deles não teríamos vivido.
- Ao povo.

“Uma vez o General me perguntou pelo quê que eu lutava. E eu não o respondi com clareza. Acho que agora posso dizer, Lírio, que aquilo pelo que eu luto está muito escondido dentro das pessoas, e nem elas mesmas sabem pelo que elas lutam. Meu amor, o que me alimenta estes dias é saber que você está vivo, e que vamos ver aquele pôr do sol que me prometeu. Há dois meses que eu não vejo o sol, mas quantos lá fora estão vendo? E me pergunto, será por eles que eu luto? Ou pela vontade que eu tenho de ver também?

Te amo,
Orquídea.”

Codinome Orquídea - Parte 7

domingo, 8 de junho de 2008


Lucas foi arrastado para fora da multidão por um alguém que Patrícia não conseguira ver. Jorge e Carlos a puxavam para fora da multidão e da briga que agora acontecia. Os policiais atiravam nas pessoas e estas apedrejavam e corriam para salvar suas próprias vidas.
Na rádio, só se escutavam pessoas implorando, morrendo, tiros e ordens policiais para que matassem principalmente os jovens. As famílias escutavam perplexas nas suas casas tudo o que acontecia e outros corriam para fora de casa.
Jorge e Carlos conseguiram tirar Patrícia em meio da multidão. Ela chorava sem conseguir parar e se rendia ao cansaço e a força dos meninos.

- Patrícia, Lucas nos pediu para que qualquer coisa que acontecesse com ele você deveria ser tirada do país imediatamente. – Jorge tentava acalmar o coração partido de Patrícia. Estavam os três sentados no chão de um bar que tentava fechar as portas.
- Senhor, por favor, nos ajude. Pode nos esconder até o protesto acabar? – Pediu Carlos àquele que parecia ser o dono do bar e havia conseguido fechar suas portas com eles dentro.
- Claro. Acabei de escutar tudo pela rádio, que absurdo! Mataram aquele pobre garoto! Eu o conhecia! – Patrícia soltou outro choro desesperado.
- Eu tenho de ir salva-lo. – Gaguejava.- Não posso deixa-lo lá.
- Patrícia, tudo o que você pode fazer é sair desse país.
- Ele não pode ter morrido... Não pode, ele queria ter um filho! Um filho!
- Eu sinto muito. – Jorge a abraçou.
- Descanse. Há muito que fazer amanhã, vamos precisar sair cedo. – Alertou Jorge, que tentava olhar entre as brechas da porta do bar o que acontecia.

E ali ficaram por muitas horas. Patrícia não conseguira dormir. Escutava do lado de fora pessoas serem presas, tiros, mortes. Mulheres que gritavam, lutas, sangue. As pessoas se trancavam nas suas casas. Mas a polícia invadia todas elas, e não sabia como não haviam invadido também o bar onde estavam. Às duas da manhã, ela decidiu levantar-se e sair do bar. Jorge e Carlos haviam adormecido, provavelmente haviam ficado acordados para vigia-la e não deixar que escapasse. Mas não poderia continuar ali, e muito menos ir para a Venezuela sem saber o que havia acontecido com Lucas. Saiu na calada da noite por uma porta que estava apenas no ferrolho e deixou os dois companheiros para trás. As ruas estavam desertas, o comércio havia sido saqueado e ainda havia pessoas caídas no chão. Uns vivos, outros mortos. Mas o Ministério estava intacto. Ninguém conseguiu chegar perto dele, e ainda havia militantes ao seu redor. Passou por entre as sombras e caminhou lentamente pelas ruas para que não fosse vista. Para onde iria? Se fosse até o quartel, provavelmente a prenderiam e não veria Lucas de qualquer maneira. Estaria ele no hospital? Não. Também deveria ser presa. Os hospitais, desde o começo da ditadura, eram vigiados. Onde estaria então? Sabia que alguém tinha o pego quando começou a luta, mas quem?

- Será que ele conseguiu? – Perguntou de frente à porta da casa do Diretor.

Tocou a cigarra duas ou três vezes. Resolveu então olhar toda a casa do lado de fora e ver se havia alguém dentro. Percebeu, quando chegou na janela da cozinha uma chaleira que tinha água fervendo. Olhou em volta mais não havia ninguém. Viu, de repente, um vulto passar pelo corredor. Havia alguém. Amigo ou inimigo? Pensou.

- Patrícia! – Exclamou o Diretor quando a viu do lado de fora da casa.
- Ah Graças a Deus tem alguém! – Sentiu-se muito feliz em vê-lo.
- Venha, entre, deve estar com frio e fome.
- E Lucas? – Estava aflita.
- Venha, ele está aqui dentro. – Falou triste.

Caminharam até dentro da casa e logo depois até o quarto onde Patrícia e Lucas haviam dormido. E lá estava ele, inconsciente, sobre a cama. O Diretor havia tirado sua roupa e feito chá para ele.

- Como ele está? – Patrícia aproximou-se do corpo de Lucas com carinho e sentou-se a seu lado.
- Está assim desde que levou o tiro. Não podemos leva-lo para o hospital, está sendo vigiado.
- O que faremos então?
- Não sei. Não sei como extrair a bala das costas, acho que não pegou em nenhum lugar importante. Só está perdendo muito sangue.
- Traga mais pano. Vou limpa-lo.
- Está certo. – E saiu do aposento.
- Lucas...Como achou que eu iria mesmo á Venezuela? – Acariciava-o. – Seu bobo. Só faz loucura.
- Aqui está. – Chegou o Diretor cheio de panos.
- A mãe de Lucas é enfermeira. Mas não sei como contata-la sem que o seu marido saiba.
- Eu posso ir lá.
- Faria isso por mim? – Suplicava com os olhos.
- Já estou indo. Espero que tenhamos sorte.

Patrícia tirou o lençol que cobria Lucas. Mesmo fazendo frio aquela noite, precisava limpar todo o seu corpo. Limpava o sangue que ainda escorria e o esquentava com seu corpo. Trancou todas as janelas e colocava velas no quarto para que este ficasse mais quente. Colocou panos quentes sobre seu corpo e o acariciava vez ou outra.

- Meu filho! – A mãe de Lucas havia chegado.
- Que bom que a senhora veio, muito obrigada! – Exclamou Patrícia ao vê-la.
- É meu filho! Como não viria?
- Ele levou um tiro nas costas, está sangrando muito.
- Vocês foram ao protesto?
- Não soube? – Espantou-se.
- Meu marido tirou todas as rádios de casa.

Silêncio. A mãe pediu para que virasse Lucas de costas para que visse o ferimento. Esterilizou alguns objetos hospitalares que tinha e tentava tirar a bala cravada em suas costas. Por fim tirou.

- É uma bala de borracha. Não entrou muito na carne.
- Graças a Deus!
- Patrícia, eu sei o quanto meu filho te ama. Por favor, cuide bem dele.
- Já vai?
- Sim, meu marido irá perceber minha falta, tenho de ir. – Beijou o filho na testa e saiu.
- Será que ele vai ficar inconsciente por muito tempo? – Perguntou Patrícia ao Diretor.
- Não faço a menor idéia.

E ficou. Por horas e horas. Já era domingo pela manhã e Lucas dormia, desta vez com um semblante sereno. Patrícia adormeceu ao seu lado, numa cadeira. O sol já raiava e já era outro dia quente. Parecia que nada havia acontecido.

- Acorde Patrícia. Venha comer um pouco, está sem comer nada desde ontem. – Falou o Diretor abrindo a porta em de leve.
- Que horas são?! – Patrícia levantou assustada.
- São dez da manhã.
- Ah que droga! Perdemos o caminhão de soja... – Triste.
- Não poderiam ir de qualquer forma. Lucas está inconsciente até agora, como iria leva-lo?
- Os seus amigos iriam ajudar. Mas que droga...
- Tudo bem. Podem ficar aqui o quanto quiser.
- Estamos pondo em risco a sua vida. Não posso permitir isso.
- Ora minha cara...Sou um velho de 60 anos, pondo risco em minha vida? Ela já acabou faz muito tempo. Anda, vem comer. Ele vai ficar bem. – Patrícia olhou para Lucas que ainda dormia.
- O que temos para comer hoje? Está fazendo um cheiro bom...Parece...Café! – Nasceu um sorriso em seu rosto.
- É. Tenho um pouco que veio da fronteira.

O Diretor e Patrícia foram até à sala para tomarem seu café da manhã. Estavam calados enquanto comiam. Patrícia refletia sobre o que fazer em seguida. Certamente o pai de Lucas estava procurando por ele e por ela também, e não ia ser tolerante com nenhum dos dois quando soubesse que eles tinham participado do protesto do dia anterior.

- Patrícia... – Lucas soltou um grunhido do quarto. Patrícia correu para vê-lo.
- Está acordado! – Um sorriso saltou-lhe dos dois cantos da boca.
- A que maravilha! – Exclamou o diretor. – Vou deixar os dois sozinhos para que conversem, vou preparar algo para ele comer.
- Ai que bom que acordou. – Beijava-o. – Tive tanto medo!
- Eu estou...Bem.
- Graças a Deus... – Continuava a beija-lo. – Você está bem!
- Ai!
- Ah desculpe. Como está se sentindo?
- Só um pouco zonzo. O que houve?
- Uma guerra Lucas, muitos mortos. Muitos presos. Perdemos o caminhão de soja.
- Você deveria ter ido.
- Já disse que não ia sem você.
- Mas que teimosa!
- Não adianta. Eu iria ficar de qualquer forma.
- E os meninos não te levaram?
- Tentaram, mas ficamos escondidos em um bar perto.
- Por que não foi? Estava correndo perigo!
- Já disse que não vou sem você, mas que insistência!
- Tudo bem. Não vamos discutir.
Entra no quarto o Diretor com uma bandeira colorida e cheirosa para Lucas.
- Seu estômago deve estar implorando por isto. – Disse.
- Ah sim. Verdade!

Terminado o lanche, o Diretor decidiu ir ver tevê para saber o que a polícia estava dizendo sobre o acontecimento do dia anterior. Patrícia e Lucas ficaram no quarto conversando sobre o seu futuro e o que deveriam fazer dali em diante.
O protesto causara várias mortes, porém um número insignificante se comparado à quantidade de mortes que já houvera durante toda a Ditadura.
Em 2012, quando a Terceira Guerra mundial acabara, o Brasil ficou devastado pelas bombas e pela disputa comercial que havia em seu território. Havia em cada esquina, um comércio de nacionalidade diferente, e o Brasil era o mercado. A população via-se obrigada a comprar produtos estrangeiros, pois a concorrência com o produto mais barato, fez as empresas nacionais falirem. O presidente tornara-se uma imagem figurativa do governo, agora quem comandava eram as empresas multinacionais que se instalaram no Brasil. Emprego ou desemprego eles que controlavam. Em 2013, um ano após o fim da Terceira Guerra mundial, os ideais de Anarquismo tomaram conta do cenário brasileiro. A presença estrangeira no país fez com que muito daquilo que era brasileiro tornar-se estrangeiro. O Brasil participou da Terceira Guerra ao lado dos Estados Unidos, mas devia mais ainda a este país. Por tanto, a única saída era abrir os portos para as empresas americanas e também européias. Com a economia nacional já quebrada, os burgueses começam a juntar-se ao movimento libertador brasileiro. Em 2015, o partido Anarquista brasileiro já tem mais da metade do congresso nacional. Os estrangeiros, vendo seus interesses econômicos ameaçados, interferem na política brasileira, e então começa uma nova guerra civil. Cinco anos se passaram até que o Anarquismo caísse. A pressão externa fora tão alta que muitos brasileiros se viram obrigados a saírem do país e procurar aqueles que ainda resistiam aos capitalistas. E então surgiu o comunismo novamente, calado e discreto. Temendo a tomada de poder, o Brasil sofre um golpe de estado em 2025, e perpetua a Ditadura até os dias atuais.

- Em nota, o governo afirma que recebeu denúncias de bombas e fabricação de vírus pelos Comunistas. – Falava a repórter na televisão. – O senhor tem algo a declarar Comandante? – Perguntou a um militar que estava ao seu lado na tela.
- Soubemos da denúncia pouco antes dos anarquistas chegarem. A nossa decisão foi esperar para ver. E então aquele rapaz nos entrega um livro, que as análises mostraram que continha um pó letal em suas páginas. O militar que o recebeu morreu poucas horas depois. Uma ameaça à população. – Falou secamente.
- Ah eu não acredito nisso! Que loucos! – Exclamou o Diretor na sala. Patrícia saiu do quarto para ver o que se passava.
- O que houve?
- Agora vocês são produtores de vírus!
- Como é que é?
- Não sei como conseguiram, mas eles voltaram a ser os mocinhos da história.
- Que droga!
- Mas não se preocupe, que depois do que houve ontem, muita gente está com o pé atrás com a polícia. Hoje foram presos mais 20, acredita?
- Estamos perdidos.
- Temos que sair do país Patrícia. – Lucas se apoiava na beirada da porta, ainda com dores.
- Lucas! Não pode se levantar, ainda está sangrado! – Patrícia correu para coloca-lo entre seus braços. – Você me dá trabalho!
- Não agüento mais ficar nessa cama, preciso fazer algo.
- Venha, deite-se. – O colocou na cama. – Não faça mais isso! Ainda está muito cedo para se levantar. Mesmo que o tiro tenha sido de borracha, você sangrou muito.
- O que vamos fazer Patrícia?
- Eu não sei.
- Temos que fugir do país.
- Como?
- Não sei.

Codinome Orquídea - Parte 6

sábado, 7 de junho de 2008


Antes de ir se encontrar com Patrícia, Lucas foi encontrar-se com seus amigos de colégio. Todos eles estavam escondidos no mesmo local de todas as reuniões. A casa da praia.

- Jorge? Está ai? – Perguntou Lucas ao entrar.
- Estamos todos aqui.
- Muito obrigado por terem vindo, de verdade. – Sentou-se junto aos amigos, que estavam no sofá.
- Claro. Nunca deixamos um amigo na mão.
- Bem, é o seguinte. O protesto será amanhã às dezoito horas. E todos vocês sabem do meu envolvimento com a Patrícia. Ela já foi pega duas vezes. Uma pelos soldados no dia da ronda. E outra pelo meu pai, quando foi vista saindo da minha casa. Não posso permitir que isso aconteça com ela novamente. Por isso, no dia do protesto, quero que, quando estejamos todos juntos, vocês levem Patrícia para longe do Ministério. Se alguém tem de ser pego, esse alguém, sou eu. Tenho mais chances de escapar. Levem-na á casa do diretor, ele está nos apoiando. Tudo bem?
- Claro amigo. – Respondeu Jorge pelos outros.
- Muito obrigado.

Lucas partiu da Casa da Praia e foi até o encontro com Patrícia. O caminho estava escuro, não havia mais ninguém na rua, além dos soldados que faziam a ronda como sempre. Teve de andar por entre as árvores para que não fosse visto.

- Lucas! – Agarrou-o e deu-lhe um beijo molhado.
- Como estou feliz em te ver. Em te beijar... – Beijaram-se novamente.
- Vem, entra. Tenho algo para te contar. – Entraram no colégio que estava deserto e escuro.
- O que?
- Quero transar com você. Agora. Amanhã talvez já não possa mais.

Lucas a guiou por entre os móveis da sala de aula mais próxima e acabaram deitando-se sobre o chão, agora sem medo.
A beijava com calor, com vontade. Tirou a presilha que prendia o cabelo de Patrícia revelando longos cabelos negros que caiam sobre seus ombros que agora ele os beijava, descendo até seus seios. Patrícia agora vestia uma saia branca de tecido fino e uma blusa básica preta colada ao corpo que ele estava tirando, mostrando para ele aquele lindo corpo que lhe fazia excitar-se apenas em imaginar.
Patrícia o olhava com brilho nos olhos, também estava excitada demais para falar algo. Ela tirava a roupa de Lucas que se deixava levar pela delicadeza dos seus dedos, antes de tirar a bermuda, conduziu a mão dela para dentro dele fazendo ela massagear seu membro, Lucas estava louco de prazer. E finalmente os dois nus. Abraçados num ambiente escuro, seus corpos quentes e arrepiados de prazer se tocando, longos e molhados beijos completavam o fim daquele sexo.

- Eu estou com medo Lucas. Muito...
- Eu também, não posso negar. – Lembrava-se do que havia pedido á seus amigos.
- Vamos ser muito felizes juntos.
- Vamos sim. – Falou preocupado, com Patrícia em seus braços.
- Devemos ir agora. O toque de recolher será daqui a quinze minutos.
- Vamos.

Colocaram suas roupas e saíram. A casa do diretor era próxima à escola, a poucas quadras dali. Carregavam em suas costas suas mochilas e o sentimento de mudança do mundo. Ao se aproximarem da casa, tocaram a cigarra e o diretor, agora sem seu fardamento escolar, abriu.

- Ainda bem que chegaram! É quase o toque de recolher! – Disse com gestos mandando os dois entrarem.
- Desculpe pela demora. Estávamos...Conversando sobre amanhã. – O diretor entendeu o que Lucas quis dizer, mas manteve-se calado.
- Espero não incomodar seu espaço senhor. Vamos ser os mais discretos possíveis, nem notará nossa presença! – Disse Patrícia ao entrar.
- Mas é claro que não! Há cinco anos que não há jovens nesta casa, eu sou um velho de 60 anos, as suas presenças aqui me enchem de alegria, mesmo que seja por motivos tão tristes e por tão pouco tempo.
- Obrigada. – Disse meigamente Patrícia.
- Bem, eu separei um quarto só para vocês dois. Claro que querem ficar sozinhos e então deixei tudo organizado. Tem água quente no banheiro, toalhas, sabonetes. E estou preparando um jantar bem reforçado. Tomem banho e venham comer.

Lucas e Patrícia entraram no quarto e colocaram suas malas no chão. Logo entraram no banho. A água estava quente, e os dois estavam dentro do box tomando banho.

- Patrícia, eu quero que saiba que... Seja lá o que aconteça amanhã, eu não vou desistir!
- Eu sei que não vai.
- Temos que fazer nosso dever. Temos que mostrar a esse país a ditadura em que vivemos. – Falou chorando.
- Eu sei. – As palavras saiam engasgadas, e o choro já corria seu rosto.
- O bem estar das pessoas vale mais que qualquer coisa no mundo. – Tudo saia com dificuldade, e a garganta já não permitia falar.
- É... – Já chorava sem agüentar.
- Tudo vai dar certo.
- Vai sim.
- Eu vou te proteger...- A abraçava com ternura, e não permitia que visse seu choro.
- Eu sei que vai...- Patrícia afogada seu rosto em seu peito e também escondia o choro.
- Tudo vai mudar...
- Vai...
- Eu não quero te perder...
- Não vai.

E permaneceram calados por muitos minutos. Saíram do banho, trocaram de roupa e foram até o jantar. Havia naquela sala um ar de calma, típico de uma casa que teve muito amor. O diretor tinha em seus lábios um sorriso que poucos haviam visto. Preparava a comida com carinho e tinha em um dos seus ombros o pano de prato para enxugar as mãos. Perto dali, havia um rádio que tocava música antiga. Ele dançava e cozinhava, como se não houvesse marcado para o dia seguinte um protesto que poderia mudar tudo. Lucas e Patrícia pararam para ver o velho dançando e cantando ao mesmo tempo. Há muito não viam alguém alegre em simplesmente estar cozinhando. Para falar a verdade, em 60 anos de ditadura, tudo deveria ser feito o mais econômico possível. Não havia mais restaurantes que conseguiam sustentar sua empresa por muito tempo e a falta de comida também assolava o país.

- Ora ora, estão me espionando os dois? – Perguntou o diretor quando percebeu que estava sendo observado.
- É que, há muito tempo não via algo assim. – Falou Patrícia que vestia um blusão até os joelhos.
- Minha cara, isso é o que ainda faz de nós humanos!
Patrícia respondeu com um sorriso e olhou para Lucas com amor.
- Ah claro, isso também. – Falou o diretor apontando para os dois. – Mas, venham comer. A comida irá esfriar!
- Parece gostoso. – Exclamou Lucas.
- Aprendi esta receita com a minha mulher, ela cozinhava divinamente!
- Sinto muito pelo o que aconteceu com ela. – Lucas falou sinceramente.
- Sim. Não aceito até hoje. Ela saiu para comprar um pouco de pão para comemorarmos 30 anos de casados, e nunca mais voltou. Fiquei sabendo pela rádio que estavam fazendo uma ronda como esta que houve. Sai louco pela rua para procura-la, mas não a encontrei.
- Temos sorte de estarmos vivos Lucas.
- Eu sei.
- Você tem sorte garoto. Se você fosse filho de um pé rapado como eu, estaria morto no primeiro instante em que soubesse o que você era.

Conversaram por muito tempo. Quando o toque de recolher chegou, decidiram ir dormir para não causar suspeitas. O diretor foi até seu quarto que ficava no fim do corredor principal da casa. Lucas e Patrícia foram até o quarto que ele havia separado para os dois. Repararam que aquele deveria ter sido o quarto do casal. Pois havia ali a cama de casal que aparentava ser usada.

- Venha cá. – Lucas puxou-a para si na cama, ela pôs sua cabeça em seu peito. – Me dá um beijo. – Ela assim o fez. – Amanhã vamos para o protesto disfarçados. Você, eu e os meus amigos do colégio vamos estar lá.
- Está bem.
- Patrícia, se qualquer coisa der errado, quero que corra. Por favor, corra.
- Só vou com você.
- Não! Quero que corra na primeira oportunidade que tiver. Se você for pega outra vez, meu pai não vai deixar você sair nunca mais da cadeia.
- Lucas, eu só vou com você!
- Patrícia, eu não vou me perdoar se você for pega. Não vou!
- Mas eu não posso te deixar sozinho!
- Meu amor, você ainda não entendeu que eu quero um filho seu?
- O que?
- Eu quero um filho seu.
- Por que isso agora? – Patrícia estava assustada.
- Por que eu quero que algo meu viva depois dessa ditadura, e eu quero que seja seu.
- Não temos tempo para filhos Lucas. Vamos viver fugindo...
- Não. Iremos à Venezuela depois de amanhã. Só quero que se algo me aconteça, não hesite em ir.
- Eu não vou.
- Patrícia me escute... – Agora de frente um para o outro na cama. – Existe uma casa em Caracas que está abrigando os refugiados da guerra. Se algo me acontecer, meu pai irá me tirar do quartel, ou meus amigos irão me ajudar a sair. Eu te mandarei cartas enquanto isso.
- Eu não posso fazer isso... – Já caiam as primeiras lágrimas.
- Vamos, não seja teimosa... – Lucas percebera as lágrimas. – Não chore. Tudo dará certo!
- Espero.

No dia seguinte, tudo parecia normal como antes. Mas para aqueles que tinham um sentido aguçado sabia que algo iria acontecer. A cidade aparentava estar calma, mais calma que o normal. Havia, nas ruas, mais soldados que o de costume. O comércio não abrira e as casas permaneciam em silencio. Lucas, Patrícia e o Diretor se levantaram às dez horas da manhã. Patrícia usava uma roupa rippie, diferente do seu modo de ser. Lucas, ao contrário, vestia roupa social. O diretor vestira-se como quem iria trabalhar no sábado.
Lucas passou o dia refletindo sobre como salvar Patrícia em caso de uma emboscada. Sentou-se em frente à janela e observava o movimento alheio. Patrícia percebera a agitação de Lucas, mas resolveu fazer nada porque sabia no que ele estava pensando.

- Quer chocolate quente? – Perguntou meigamente, estendendo a caneca com chocolate fervendo para Lucas.
- Não, obrigado meu amor. Estou sem fome. – O semblante no rosto de Patrícia estava apagado, sentia-se estranha por não conseguir dizer nada.

Enfim eram cinco da tarde e eles haviam saído da casa. O diretor pela porta da frente e o casal pelos fundos. Todos se encontraram na frente da Casa de Praia. Havia nela o grupo de jovens que eram amigos de Lucas, alguns outros mais velhos, universitários. Havia também alguns adultos que não pareciam ser dominados pela imprensa.

- Somos apenas nós? – Perguntou Jorge.
- Neste ponto sim. – Respondeu um dos homens velhos.
- Há outros? – Perguntou o Diretor.
- Espero que sim. Todos os núcleos estão sabendo.
- Faltam menos de trinta minutos. Carlos, como anda a imprensa? – Perguntou Lucas a um dos amigos que estava perto da porta, vigiando.
- Está bem atrás de você. – Lucas virou-se. Estava ali uma mulher com um homem e uma câmera. Prontos para qualquer lance.
- Sabem como irão passar pela imprensa local para divulgar isso?
- Sim, cada um de nós irá ter um microfone na roupa, esse microfone está levando tudo o que vocês falam a um amigo nosso que está na central neste exato momento. Vamos pegar eles hoje, e mostrar a essa sociedade que esse governo não é o que diz que é. – Falou a repórter.
- Não se esqueçam que o nosso protesto é pacífico. Estamos aqui apenas para mostrar ao mundo no que vivemos, nada mais. – Disse Carlos. – Apenas ganhamos prestígio porque nunca matamos ninguém!
- Todos já têm seus grupos? – Perguntou Patrícia. Acenaram com as cabeças.
- Os panfletos? Estão todos aí? – Perguntou Jorge.
- Sim, está tudo aqui, cada um pegue um pouco e coloque nas casas. – Falou um dos velhos.
- Vamos lá. – Jorge disse.

O grupo tinha cerca de 25 pessoas, dentre jovens colegiais, universitários, jornalistas e adultos. Dessas pessoas, foram feitos cinco grupos. Lucas, Patrícia, O Diretor, Jorge e Carlos formavam um deles. Cada um com cerca de 200 panfletos:
“Vamos voltar a ser uma nação, vamos fazer uma união. Queremos Caxias no chão!”
Todas as casas da cidade agora tinham um panfleto desses em suas portas. O movimento silencioso e disperso dos grupos não alarmava qualquer reação da polícia. Que olhava estranho às pessoas. Mas achavam que eram carteiros ou apenas caminhavam nas ruas. Conforme as horas iam passando, mais se aproximavam do Ministério da Justiça: Ponto final do protesto. A cada passo, mais e mais pessoas se juntavam ao grupo. Pessoas estranhas que nunca deram as caras agora estavam caminhando nas ruas com panfletos. Quantos poderiam ser?
A menos de 50 metros das portas do Ministério, a multidão de pessoas somava mais de 5.000. Um dos homens velhos ordenou a todos para que parassem e fizessem um escudo de mais de cem metros de comprimento. Oposto ao escudo havia os policiais. Que usavam armas e capacetes, prontos para uma guerra. Todos os protestantes deram uma as mãos e caminhavam com o mesmo passo em direção à barreira imposta. Um passo dado, barreira recua um. Mas, percebendo da valentia dos jovens, a polícia impõe sua força e arma-se. Colocam em seus ombros as armas e aponta para o “front” dos jovens. O velho ordena que parem. A central da impressa escuta tudo o que está acontecendo e transmite direto para a rádio local. Tudo estava sendo escutado pelo país inteiro. Disso os militantes não sabiam. Mais um passo. A polícia prepara-se para a luta. E então Lucas sai na frente. Carrega em seu peito um livro. Enquanto a multidão de homens atrás dele continua firme e quieta. Mais um passo, outro. A polícia não sabe o que fazer. Lucas aproxima-se daquele que parece ser o Comandante, estica-lhe o braço e impõe o livro.

- Aquilo do que se esqueceram. – E mostrou o livro.

O Comandante abriu o livro e nele estava escrito “Declaração Universal dos Direitos Humanos” No exato momento em que Lucas virou-se, um tiro acerta-o nas costas e cai no chão sem interrupções.

- Não! – Patrícia não consegue permanecer no local onde está, sai correndo dentre a multidão em direção a Lucas. Mas seus amigos a impedem. Agarram-na pelos braços e ela debate-se entre a multidão. – Tenho de salva-lo! – Gritava e chorava compulsivamente. A multidão fez um circulo em volta de Lucas e olhava perplexa ele caído no chão.
- Seu covarde! – Gritou um dos velhos para o policial.
- Saiam daqui. – Disse o comandante. Patrícia ainda tentava livrar-se das mãos dos amigos.
- Foda-se. – Falou um dos amigos.

Codinome Orquídea - Parte 5

quinta-feira, 29 de maio de 2008


Saiu direto para a casa de Patrícia, correu tão rápido que logo chegou a casa dela que era bem próxima, podia ouvir os gritos de dentro e não pensou duas vezes antes de entrar.
Deparou-se com Patrícia no chão e a mão no rosto cobrindo o murro recém dado. Lucas enfureceu-se como jamais havia estado. Atracou-se com seu pai no chão e brigavam. Patrícia gritava por socorro, mas ninguém se atreveu a chegar perto com medo que um dos dois estivesse possuindo uma arma. Ou pior, que fosse preso.

- LUCAS SOLTE-O!
- COMO PÔDE BATER NELA?! – Lucas tinha acessos de raiva em lembrar-se que seu pai bateu em Patrícia.
- Muleque! – Agora estavam de pé, olhando um para o outro, com expressão de fúria em cada rosto. – Eu te dei carinho! Te dei comida, te criei como um verdadeiro pai! Não te faltou nada, para você defender essa mulherzinha que te seduziu?!
- NÃO A CHAME ASSIM! – Lucas tentou bater em seu pai, mas Patrícia se meteu entre os dois impedindo que ele o fizesse.
- Lucas! Por favor, pare.
- Até essazinha aí sabe que não se pode bater em um pai, deveria ter aprendido isso com ela. – Falou o pai com desdém.
- SEU...
- LUCAS! – Interrompeu imediatamente Patrícia.
- Vamos embora Lucas, você vem comigo agora pedir a bolsa de estudos na escola, e não tente fugir! – Disse o pai. Patrícia fez um gesto de confirmação para Lucas que desistiu da briga e partiu junto com o Pai.
Entraram no carro.
- Vai voltar para sua escola, vai terminar o ensino médio, vai esquecer essa professorazinha e fazer uma faculdade. Precisa entrar para o exército, ou não vai sobreviver. Nenhum emprego agora sustenta ninguém.
- Você me dá nojo.
- Ainda está de castigo. Lembre-se. Do colégio para seu quarto e nada mais. – Lucas deu um risinho de ironia.
- Vamos lá, ver se consertamos o estrago que você fez na sua vida.

Não havia nada pior do que olhares maldosos. Todos, sem exceção, todos da escola estavam comentando o que aconteceu. Pessoas olhavam Lucas como um coitado que foi seduzido por sua professora, assim como seu pai pensava. Enquanto andavam em direção à diretoria, Lucas viu que seus amigos mais próximos, eles eram os únicos que acenaram para ele enquanto passavam, deveriam saber que Lucas não era o tipo de pessoa que se arriscava assim por alguém se realmente não gostasse. Além de serem seus companheiros no Grupo. Alguns poucos restaram, mas poderiam ajudar em casos extremos.

- Levou uma surra do papai Lucas? – Falou uma menina de cabelos ruivos enquanto passavam.
- Deitou com a professora gostosa Lucas? – Falou um garoto que se achava machão.

O pai de Lucas bateu na porta da diretoria e entrou. O diretor espantou-se ao ver Lucas sujo de sangue, estava completamente triste e seu rosto inchado de tanto choro.

- Lucas... – Ele parecia realmente triste em vê-lo daquela forma, não podia imaginar que aquilo tudo fosse chegar a esse estado, porém Lucas não falara nada durante toda a visita.
- Diretor, entendo que tenha motivos para expulsar meu filho de sua escola, mas vim aqui dizer que se devolver a vaga para meu filho, jamais se repetirá.
- Senhor, acha que retirei seu filho da escola por maus costumes?
- Hã?
- Se pessoas como você não existissem, eu não teria jamais despedido minha magnífica professora de inglês, nem expulso meu tão notado nadador. O único motivo que me levou a faze-lo, é porque pais e pessoas como você acha que o amor só pode existir por pessoas de mesma classe, mesma idade, e de mesma opinião. – O pai de Lucas havia murchado. – Seu filho é um ótimo aluno, uma pessoa maravilhosa, desde os seus dez anos que o conheço, jamais se meteu em brigas, nunca, jamais, fez nada contra ninguém... – O pai tentou interromper. – Posso até admitir ele aqui novamente, mas não a senhorita Patrícia.
- Não estou falando dessa mulher! – Lucas quase o agrediu nesse momento.
- Essa mulher de quem o senhor fala, é uma das melhores professoras de inglês do país! A sua perda para a escola é algo irreparável.
- O senhor admite novamente meu filho na escola ou não? – Falou impaciente.
- Sim.
- Então não tenho mais nada o que fazer aqui.
- Lucas, meu filho, me desculpe. – Falou o diretor que se sentia culpado por tudo isso. Lucas fez um aceno de afirmação para o professor, seu pai e ele deixaram a sala.

Voltaram mudos para casa. Nem uma só palavra foi dita por nenhum os dois, o clima estava muito pesado para falar algo.

- Direto para seu quarto Lucas. – Falou grosso e áspero.

Lucas foi sem dizer nada, calado como esteve nos últimos minutos. Sua intenção era mesmo ficar sozinho, para pensar no que ia fazer de agora por diante. Sabia que não podia mais se encontrar com Patrícia com tanta freqüência, o perigo de serem vistos juntos era maior, e as conseqüências podiam ser muito duras.
Havia se esquecido de que Patrícia estava machucada por causa do seu pai. Estaria bem? Pegou o telefone. Desligado. Tinha certeza de que seu pai havia feito isso. Mas... Seu celular estava dentro do armário. Ainda bem tem carga, pensou Lucas.

- Alô?
- Patrícia?!
- Lucas! Como foi tudo na escola? Conseguiram a vaga? Teu pai te bateu de novo?
- Acalme-se Patrícia, eu estou bem, conseguimos a vaga de volta.
- Ah que ótimo.
- Fiquei impressionado com o diretor. Ele parecia mesmo estar triste em ter feito isso.
- Ele tem suas razões Lucas. Ele é comunista também, mas, há cinco anos sua mulher foi morta pelo governo por engano, e desde então decidiu não lutar mais.
- Eu sei. Como você está? Meu pai te bateu muito?
- Eu estou bem.
- O que vamos fazer?
- Não podemos continuar com isso.
- Não me diga que vai desistir depois disso tudo.
- O que pensa em fazer então?
- Vamos ficar nos encontrando com menos freqüência, escondidos. Vamos usar codinomes. Vou te chamar de Orquídea. E você pode me chamar de...Lírio. Vou reunir o dinheiro que eu tiver, você faz o mesmo. Precisamos seguir com o protesto, depois, vamos nos exilar na Venezuela, eu ainda não tenho 18 anos, mas, minha mãe pode me dar a liberação para sair do país.
- Acha mesmo que deveremos fazer isso?
- Patrícia, pare de pensar. Deixe-se levar pelo seu desejo.
- Ta bom.
- Eu vou para sua casa agora, preciso de você, não agüento ficar nem mais um minuto nessa casa.
- Como vai sair se seu pai não vai deixar? Sem que seja visto? Minha casa deve estar sendo vigiada pelos militares.
- Eu vou fugir.
- Você é maluco.
- Sim sou.

Lucas não esperou Patrícia terminar de falar, desligou o telefone, pegou um casaco e então saiu pela janela do seu quarto. Podia ouvir seus pais discutindo na sala, talvez seu pai culpasse sua mãe por tudo que estava acontecendo.
Mas não quis pensar sobre isso, queria estar ao lado de Patrícia, ver como ela estava, saber se estava bem.
Mas decidiu não entrar pela porta da frente, sempre havia aqueles que apoiavam seu pai e se o vissem entrando lá ligariam direto para ele e um escândalo à essa hora não era muito bem-vindo.

- Patrícia. – Falou baixinho numa das janelas da cozinha. Patrícia estava preparando algo para eles comerem.
- Lucas?! O que faz na janela? – Abriu.
- Se eu entrasse pela frente alguém poderia dizer a meu pai que eu vim aqui, não queria te arranjar mais problemas.
- Ele fez algo contra você? – Patrícia tocava seu rosto com suas delicadas mãos.
- Depois do que houve aqui não, apenas me humilhar como ele sempre faz.
- Me sinto tão culpada.
- Do que está falando? Tudo o que houve eu também quis! Estou aqui não estou?
- Eu te amo tanto Lucas...Acho que é a primeira vez que eu digo isso a você. – Lucas a beijara calorosamente.
- Eu também te amo muito. – Beijou outra vez.
- Bem, eu fiz uma comida para a gente, sei que você está morrendo de fome, não deve ter comido quase nada o dia inteiro.
- Realmente, acertou. Humm está cheirando.
- Vem, vamos comer, já está pronto.

Como ele a amava. Por ela enfrentaria tudo. Nem parecia que havia ocorrido aquilo tudo, sorria, seus olhos brilhavam como sempre. Mas havia o que fazer. O partido comunista não havia desistido de fazer o protesto, ainda não saberiam quando seria, mas sabiam que seria em breve. Por enquanto, o que deveriam fazer era se esconder, e curtir sua amada o quanto pudesse. A vida pode ser muito curta. E cada minuto desperdiçado, é um mundo perdido.

- O que vamos fazer Patrícia? – Perguntou Lucas já terminado seu jantar, os dois conversavam abraçados.
- Bem, você conseguiu voltar para a escola, acho que fez bem em aceitar isso. Vou procurar empregos em outras escolas, em algum curso, não sei, acho que só assim para podermos ficar juntos. Mas, temos de viver escondidos, enquanto seu pai souber onde você está, não nos deixará em paz.
- Meu pai não pode controlar assim minha vida! – Pareceu um pouco irritado.
- Meu amor, você tem de ser mais forte. Eu preciso de você do meu lado para me dar apoio também, assim como eu estou aqui para ficar ao seu lado.
- Eu serei... – A beijou com muito amor.
- Acho que você deve voltar para sua casa agora, seu Pai deve estar furioso se descobriu que não está no seu quarto como mandou.
- Sim, tenho de ir. Mesmo querendo ficar aqui com você.
- Eu sei. Mas vá... É melhor.

Lucas saiu pela mesma janela que entrou. Tentava sempre andar pelas sombras para que não fosse visto. Naquela vizinhança havia muitos amigos do seu pai, que não hesitariam em contar que o viram sair da casa de Patrícia.
O Brasil não crescera em 60 anos. Desde a superação do petróleo que o país está em decadência. Criou-se um embargo comercial, e ninguém pode comercializar com o Brasil, ao menos que seja apoiado pelo governo. Toda a tecnologia havia parado. Assim como Cuba há 64 anos atrás.

Com muito cuidado para não se machucar e também não fazer barulho, Lucas subiu até o 1° andar da casa do lado de fora para entrar pela janela do seu quarto e fingir que não tivesse saido, mas...Havia algo estranho...À essa hora seus pais estariam na sala assistindo tevê, tudo em silencio, devem estar dormindo, pensou Lucas.
Entrou em seu quarto que estava escuro como antes e foi até seu armário para guardar o casaco, depois, foi até seu som, colocou uma musica...Queria pensar. Como iria continuar com isso com seu pai se metendo na sua vida? E o que poderia acontecer a Patrícia se ele continuasse? Nem queria pensar...

- Acha que pode me enrolar Lucas? – Falou seu pai que estava sentado numa poltrona perto da porta, a escuridão do quarto não permitia que visse seu rosto. Lucas levou um susto ao vê-lo.
- O que está fazendo aqui? Pensei que estava batendo na minha mãe como de costume! – Lucas irritou-se.
- Suas palavras não vão me atingir. – Falava com segurança e calma. Como de alguém que tem tudo sobre controle.
- Idem.
- Olhe aqui Lucas, eu não criei você para ser a diversão sexual de uma mulher, porque é isso que aquela vadia está fazendo com você! E quero você vivo!
- Eu não vou ficar aqui ouvindo suas tolices! Não entendo, como pode matar o filho dos outros pelo mesmo motivo que me protege... Por que pai? Por que matar meus irmãos? Nunca te fizeram nada, por que me proteger?
- ME DESOBEDECEU OUTRA VEZ! OUTRA VEZ LUCAS! – O seu pai levantou da poltrona com um só pulo, e avançou em cima de Lucas com fúria. – VOCÊ PRECISA DE UMA CORREÇÃO MININO! – Retirava o cinto que segurava sua calça – TEM DE APRENDER A RESPEITAR SEU PAI!

O pai de Lucas o batia com força, havia tanto ódio em suas palavras que assustavam a sua mãe que não conseguia se mover para ajuda-lo, parada na porta. Havia uma marca roxa em seu rosto, deveria ter apanhado dele outra vez tentando defender seu filho das garras do seu pai.

- PARA PAI! PARA! EU NÃO SOU MAIS UMA CRIANÇA QUE VOCÊ POSSA CONTROLAR!
- VOCÊ É UM MOLEQUE QUE NÃO SABE NADA DA VIDA! NÃO PERCEBE A BESTEIRA QUE ESTÁ FAZENDO?
- NÃO VAI MANDAR NA MINHA VIDA ASSIM! – O pai ainda o batia. O sangue do seu rosto e das suas costas começava a aparecer.
- ROBERTO! PARE! ELE É SEU FILHO! – A mãe de Lucas, Maria, soltava suas primeiras palavras de desespero ao ver o filho machucado no chão.
- E VOCÊ MARIA, NÃO SE INTROMETA NA EDUCAÇÃO DO SEU FILHO, NÃO ME IRRITE OUTRA VEZ! – Ele avançou para cima de Maria com a mão levantada pronto para bater nela outra vez. Lucas porem levantou-se do chão tão rapidamente que seu pai não percebeu e se jogou em cima dele o impedindo de bater em sua mãe mais uma vez.
- Não vai mais bater nela! – Lucas chorava de raiva.
- VOCÊ ME DÁ VERGONHA LUCAS. VERGONHA!
- Pare... – Lucas pedia com sinceridade nos olhos. Seu pai saiu do quarto sem dizer uma palavra, estava furioso demais para continuar com isso. A mãe de Lucas desabou no chão e chorava compulsivamente.
- Mãe, a senhora tem de me ajudar a sair do país. Você precisa me ajudar, ou ele vai manda-la para a cadeia, e nunca mais vou vê-la.
- Seu pai tirou tudo da sua conta Lucas. Tudo. Está zerado.
- Ah meu Deus...
- Mas olha...Eu tenho uma reserva no banco que eu venho guardando para o dia em que este país deixar de ser a porcaria que é. Mas eu sei que vou morrer aqui. Pode pegar todo este dinheiro, é seu, vá viver com a sua professora.
- Eu ainda tenho de participar do protesto mãe.
- Não! – Sua mãe arregalou os olhos.
- Eu preciso mãe. Não vou sair do país sem tentar uma ultima vez.
- Você é louco, não faça isso Lucas, vocês dois estão sendo vigiados no país inteiro, se fizerem algo, não haverá perdão!

Lucas e sua mãe passaram a noite inteira conversando. Sua mãe lhe contara que quando tinha mais ou menos 17 anos, havia se apaixonado pelo seu professor de matemática, mas ele não quis nada. Maria percebia que tinha perdido sua criancinha e agora tinha um adolescente seguro e apaixonado na sua frente.

- Mãe eu amo tanto a Patrícia. Enfrentaria tudo novamente por ela.
- E ela?
- Bem, está enfrentando tudo junto comigo.
- Quero que seja feliz meu filho, independente de como seja, seja feliz como eu não fui.
- Mas a senhora tem todo o direito de refazer sua vida. De encontrar alguém que a ame que cuide e que preze por você.
- Quem vai olhar para uma quarentona como eu?
- Ah, a senhora não conhece os homens...

Na mesma noite Lucas telefonou para Patrícia. Havia muito o que dizer, muito o que combinar sobre a fuga.
- Patrícia?
- Chegou bem em casa? Ele te viu? Alguém te seguiu?
- Ele me viu sim. Estava em meu quarto me esperando.
- Isso não vai terminar bem Lucas. Só estamos vivos porque você é filho de um militante.
- Preferia que não fosse.
- Eu sei.
- Patrícia, vamos fugir. Está tudo certo. Falei com meu grupo, eles vão nos ajudar. Vamos em um carregamento de soja que vai sair daqui para a fronteira com a Venezuela que partirá no domingo á noite. Todos os militares vão estar em casa, com suas famílias. É a nossa hora.
- O protesto vai ser um dia antes. Vamos ter de nos esconder até o outro dia.
- Onde podemos ficar?
- Podemos ficar na casa do diretor do Vinícius de Moraes. Ele nos deu apoio, me ligou hoje. Provavelmente está sabendo do protesto marcado para o sábado e deve saber que vamos fugir.
- Ele é de confiança?
- Sim, eu confio nele plenamente.
- Então vamos para lá sim. Hoje é sexta, será que já podemos ir para lá?
- Sim já. Faças suas malas, e me encontre na parte detrás do colégio, que iremos para lá.
- Tudo bem. Eu te amo. Nos vemos.

Lucas aprontou suas malas rapidamente. Colocou algumas camisas, calças, roupa intima, o cartão bancário de sua mãe, alguma comida e partiu pela janela. Deixou uma carta para sua mãe.

“Parto com o coração sofrido por ter que te deixar, a senhora foi uma mãe maravilhosa, ensinou a seu filho a dar valor àquilo que mais importa na vida. Muito obrigado por tudo,
De seu amado filho,
Lucas.”