Codinome Orquídea - Parte 5

quinta-feira, 29 de maio de 2008


Saiu direto para a casa de Patrícia, correu tão rápido que logo chegou a casa dela que era bem próxima, podia ouvir os gritos de dentro e não pensou duas vezes antes de entrar.
Deparou-se com Patrícia no chão e a mão no rosto cobrindo o murro recém dado. Lucas enfureceu-se como jamais havia estado. Atracou-se com seu pai no chão e brigavam. Patrícia gritava por socorro, mas ninguém se atreveu a chegar perto com medo que um dos dois estivesse possuindo uma arma. Ou pior, que fosse preso.

- LUCAS SOLTE-O!
- COMO PÔDE BATER NELA?! – Lucas tinha acessos de raiva em lembrar-se que seu pai bateu em Patrícia.
- Muleque! – Agora estavam de pé, olhando um para o outro, com expressão de fúria em cada rosto. – Eu te dei carinho! Te dei comida, te criei como um verdadeiro pai! Não te faltou nada, para você defender essa mulherzinha que te seduziu?!
- NÃO A CHAME ASSIM! – Lucas tentou bater em seu pai, mas Patrícia se meteu entre os dois impedindo que ele o fizesse.
- Lucas! Por favor, pare.
- Até essazinha aí sabe que não se pode bater em um pai, deveria ter aprendido isso com ela. – Falou o pai com desdém.
- SEU...
- LUCAS! – Interrompeu imediatamente Patrícia.
- Vamos embora Lucas, você vem comigo agora pedir a bolsa de estudos na escola, e não tente fugir! – Disse o pai. Patrícia fez um gesto de confirmação para Lucas que desistiu da briga e partiu junto com o Pai.
Entraram no carro.
- Vai voltar para sua escola, vai terminar o ensino médio, vai esquecer essa professorazinha e fazer uma faculdade. Precisa entrar para o exército, ou não vai sobreviver. Nenhum emprego agora sustenta ninguém.
- Você me dá nojo.
- Ainda está de castigo. Lembre-se. Do colégio para seu quarto e nada mais. – Lucas deu um risinho de ironia.
- Vamos lá, ver se consertamos o estrago que você fez na sua vida.

Não havia nada pior do que olhares maldosos. Todos, sem exceção, todos da escola estavam comentando o que aconteceu. Pessoas olhavam Lucas como um coitado que foi seduzido por sua professora, assim como seu pai pensava. Enquanto andavam em direção à diretoria, Lucas viu que seus amigos mais próximos, eles eram os únicos que acenaram para ele enquanto passavam, deveriam saber que Lucas não era o tipo de pessoa que se arriscava assim por alguém se realmente não gostasse. Além de serem seus companheiros no Grupo. Alguns poucos restaram, mas poderiam ajudar em casos extremos.

- Levou uma surra do papai Lucas? – Falou uma menina de cabelos ruivos enquanto passavam.
- Deitou com a professora gostosa Lucas? – Falou um garoto que se achava machão.

O pai de Lucas bateu na porta da diretoria e entrou. O diretor espantou-se ao ver Lucas sujo de sangue, estava completamente triste e seu rosto inchado de tanto choro.

- Lucas... – Ele parecia realmente triste em vê-lo daquela forma, não podia imaginar que aquilo tudo fosse chegar a esse estado, porém Lucas não falara nada durante toda a visita.
- Diretor, entendo que tenha motivos para expulsar meu filho de sua escola, mas vim aqui dizer que se devolver a vaga para meu filho, jamais se repetirá.
- Senhor, acha que retirei seu filho da escola por maus costumes?
- Hã?
- Se pessoas como você não existissem, eu não teria jamais despedido minha magnífica professora de inglês, nem expulso meu tão notado nadador. O único motivo que me levou a faze-lo, é porque pais e pessoas como você acha que o amor só pode existir por pessoas de mesma classe, mesma idade, e de mesma opinião. – O pai de Lucas havia murchado. – Seu filho é um ótimo aluno, uma pessoa maravilhosa, desde os seus dez anos que o conheço, jamais se meteu em brigas, nunca, jamais, fez nada contra ninguém... – O pai tentou interromper. – Posso até admitir ele aqui novamente, mas não a senhorita Patrícia.
- Não estou falando dessa mulher! – Lucas quase o agrediu nesse momento.
- Essa mulher de quem o senhor fala, é uma das melhores professoras de inglês do país! A sua perda para a escola é algo irreparável.
- O senhor admite novamente meu filho na escola ou não? – Falou impaciente.
- Sim.
- Então não tenho mais nada o que fazer aqui.
- Lucas, meu filho, me desculpe. – Falou o diretor que se sentia culpado por tudo isso. Lucas fez um aceno de afirmação para o professor, seu pai e ele deixaram a sala.

Voltaram mudos para casa. Nem uma só palavra foi dita por nenhum os dois, o clima estava muito pesado para falar algo.

- Direto para seu quarto Lucas. – Falou grosso e áspero.

Lucas foi sem dizer nada, calado como esteve nos últimos minutos. Sua intenção era mesmo ficar sozinho, para pensar no que ia fazer de agora por diante. Sabia que não podia mais se encontrar com Patrícia com tanta freqüência, o perigo de serem vistos juntos era maior, e as conseqüências podiam ser muito duras.
Havia se esquecido de que Patrícia estava machucada por causa do seu pai. Estaria bem? Pegou o telefone. Desligado. Tinha certeza de que seu pai havia feito isso. Mas... Seu celular estava dentro do armário. Ainda bem tem carga, pensou Lucas.

- Alô?
- Patrícia?!
- Lucas! Como foi tudo na escola? Conseguiram a vaga? Teu pai te bateu de novo?
- Acalme-se Patrícia, eu estou bem, conseguimos a vaga de volta.
- Ah que ótimo.
- Fiquei impressionado com o diretor. Ele parecia mesmo estar triste em ter feito isso.
- Ele tem suas razões Lucas. Ele é comunista também, mas, há cinco anos sua mulher foi morta pelo governo por engano, e desde então decidiu não lutar mais.
- Eu sei. Como você está? Meu pai te bateu muito?
- Eu estou bem.
- O que vamos fazer?
- Não podemos continuar com isso.
- Não me diga que vai desistir depois disso tudo.
- O que pensa em fazer então?
- Vamos ficar nos encontrando com menos freqüência, escondidos. Vamos usar codinomes. Vou te chamar de Orquídea. E você pode me chamar de...Lírio. Vou reunir o dinheiro que eu tiver, você faz o mesmo. Precisamos seguir com o protesto, depois, vamos nos exilar na Venezuela, eu ainda não tenho 18 anos, mas, minha mãe pode me dar a liberação para sair do país.
- Acha mesmo que deveremos fazer isso?
- Patrícia, pare de pensar. Deixe-se levar pelo seu desejo.
- Ta bom.
- Eu vou para sua casa agora, preciso de você, não agüento ficar nem mais um minuto nessa casa.
- Como vai sair se seu pai não vai deixar? Sem que seja visto? Minha casa deve estar sendo vigiada pelos militares.
- Eu vou fugir.
- Você é maluco.
- Sim sou.

Lucas não esperou Patrícia terminar de falar, desligou o telefone, pegou um casaco e então saiu pela janela do seu quarto. Podia ouvir seus pais discutindo na sala, talvez seu pai culpasse sua mãe por tudo que estava acontecendo.
Mas não quis pensar sobre isso, queria estar ao lado de Patrícia, ver como ela estava, saber se estava bem.
Mas decidiu não entrar pela porta da frente, sempre havia aqueles que apoiavam seu pai e se o vissem entrando lá ligariam direto para ele e um escândalo à essa hora não era muito bem-vindo.

- Patrícia. – Falou baixinho numa das janelas da cozinha. Patrícia estava preparando algo para eles comerem.
- Lucas?! O que faz na janela? – Abriu.
- Se eu entrasse pela frente alguém poderia dizer a meu pai que eu vim aqui, não queria te arranjar mais problemas.
- Ele fez algo contra você? – Patrícia tocava seu rosto com suas delicadas mãos.
- Depois do que houve aqui não, apenas me humilhar como ele sempre faz.
- Me sinto tão culpada.
- Do que está falando? Tudo o que houve eu também quis! Estou aqui não estou?
- Eu te amo tanto Lucas...Acho que é a primeira vez que eu digo isso a você. – Lucas a beijara calorosamente.
- Eu também te amo muito. – Beijou outra vez.
- Bem, eu fiz uma comida para a gente, sei que você está morrendo de fome, não deve ter comido quase nada o dia inteiro.
- Realmente, acertou. Humm está cheirando.
- Vem, vamos comer, já está pronto.

Como ele a amava. Por ela enfrentaria tudo. Nem parecia que havia ocorrido aquilo tudo, sorria, seus olhos brilhavam como sempre. Mas havia o que fazer. O partido comunista não havia desistido de fazer o protesto, ainda não saberiam quando seria, mas sabiam que seria em breve. Por enquanto, o que deveriam fazer era se esconder, e curtir sua amada o quanto pudesse. A vida pode ser muito curta. E cada minuto desperdiçado, é um mundo perdido.

- O que vamos fazer Patrícia? – Perguntou Lucas já terminado seu jantar, os dois conversavam abraçados.
- Bem, você conseguiu voltar para a escola, acho que fez bem em aceitar isso. Vou procurar empregos em outras escolas, em algum curso, não sei, acho que só assim para podermos ficar juntos. Mas, temos de viver escondidos, enquanto seu pai souber onde você está, não nos deixará em paz.
- Meu pai não pode controlar assim minha vida! – Pareceu um pouco irritado.
- Meu amor, você tem de ser mais forte. Eu preciso de você do meu lado para me dar apoio também, assim como eu estou aqui para ficar ao seu lado.
- Eu serei... – A beijou com muito amor.
- Acho que você deve voltar para sua casa agora, seu Pai deve estar furioso se descobriu que não está no seu quarto como mandou.
- Sim, tenho de ir. Mesmo querendo ficar aqui com você.
- Eu sei. Mas vá... É melhor.

Lucas saiu pela mesma janela que entrou. Tentava sempre andar pelas sombras para que não fosse visto. Naquela vizinhança havia muitos amigos do seu pai, que não hesitariam em contar que o viram sair da casa de Patrícia.
O Brasil não crescera em 60 anos. Desde a superação do petróleo que o país está em decadência. Criou-se um embargo comercial, e ninguém pode comercializar com o Brasil, ao menos que seja apoiado pelo governo. Toda a tecnologia havia parado. Assim como Cuba há 64 anos atrás.

Com muito cuidado para não se machucar e também não fazer barulho, Lucas subiu até o 1° andar da casa do lado de fora para entrar pela janela do seu quarto e fingir que não tivesse saido, mas...Havia algo estranho...À essa hora seus pais estariam na sala assistindo tevê, tudo em silencio, devem estar dormindo, pensou Lucas.
Entrou em seu quarto que estava escuro como antes e foi até seu armário para guardar o casaco, depois, foi até seu som, colocou uma musica...Queria pensar. Como iria continuar com isso com seu pai se metendo na sua vida? E o que poderia acontecer a Patrícia se ele continuasse? Nem queria pensar...

- Acha que pode me enrolar Lucas? – Falou seu pai que estava sentado numa poltrona perto da porta, a escuridão do quarto não permitia que visse seu rosto. Lucas levou um susto ao vê-lo.
- O que está fazendo aqui? Pensei que estava batendo na minha mãe como de costume! – Lucas irritou-se.
- Suas palavras não vão me atingir. – Falava com segurança e calma. Como de alguém que tem tudo sobre controle.
- Idem.
- Olhe aqui Lucas, eu não criei você para ser a diversão sexual de uma mulher, porque é isso que aquela vadia está fazendo com você! E quero você vivo!
- Eu não vou ficar aqui ouvindo suas tolices! Não entendo, como pode matar o filho dos outros pelo mesmo motivo que me protege... Por que pai? Por que matar meus irmãos? Nunca te fizeram nada, por que me proteger?
- ME DESOBEDECEU OUTRA VEZ! OUTRA VEZ LUCAS! – O seu pai levantou da poltrona com um só pulo, e avançou em cima de Lucas com fúria. – VOCÊ PRECISA DE UMA CORREÇÃO MININO! – Retirava o cinto que segurava sua calça – TEM DE APRENDER A RESPEITAR SEU PAI!

O pai de Lucas o batia com força, havia tanto ódio em suas palavras que assustavam a sua mãe que não conseguia se mover para ajuda-lo, parada na porta. Havia uma marca roxa em seu rosto, deveria ter apanhado dele outra vez tentando defender seu filho das garras do seu pai.

- PARA PAI! PARA! EU NÃO SOU MAIS UMA CRIANÇA QUE VOCÊ POSSA CONTROLAR!
- VOCÊ É UM MOLEQUE QUE NÃO SABE NADA DA VIDA! NÃO PERCEBE A BESTEIRA QUE ESTÁ FAZENDO?
- NÃO VAI MANDAR NA MINHA VIDA ASSIM! – O pai ainda o batia. O sangue do seu rosto e das suas costas começava a aparecer.
- ROBERTO! PARE! ELE É SEU FILHO! – A mãe de Lucas, Maria, soltava suas primeiras palavras de desespero ao ver o filho machucado no chão.
- E VOCÊ MARIA, NÃO SE INTROMETA NA EDUCAÇÃO DO SEU FILHO, NÃO ME IRRITE OUTRA VEZ! – Ele avançou para cima de Maria com a mão levantada pronto para bater nela outra vez. Lucas porem levantou-se do chão tão rapidamente que seu pai não percebeu e se jogou em cima dele o impedindo de bater em sua mãe mais uma vez.
- Não vai mais bater nela! – Lucas chorava de raiva.
- VOCÊ ME DÁ VERGONHA LUCAS. VERGONHA!
- Pare... – Lucas pedia com sinceridade nos olhos. Seu pai saiu do quarto sem dizer uma palavra, estava furioso demais para continuar com isso. A mãe de Lucas desabou no chão e chorava compulsivamente.
- Mãe, a senhora tem de me ajudar a sair do país. Você precisa me ajudar, ou ele vai manda-la para a cadeia, e nunca mais vou vê-la.
- Seu pai tirou tudo da sua conta Lucas. Tudo. Está zerado.
- Ah meu Deus...
- Mas olha...Eu tenho uma reserva no banco que eu venho guardando para o dia em que este país deixar de ser a porcaria que é. Mas eu sei que vou morrer aqui. Pode pegar todo este dinheiro, é seu, vá viver com a sua professora.
- Eu ainda tenho de participar do protesto mãe.
- Não! – Sua mãe arregalou os olhos.
- Eu preciso mãe. Não vou sair do país sem tentar uma ultima vez.
- Você é louco, não faça isso Lucas, vocês dois estão sendo vigiados no país inteiro, se fizerem algo, não haverá perdão!

Lucas e sua mãe passaram a noite inteira conversando. Sua mãe lhe contara que quando tinha mais ou menos 17 anos, havia se apaixonado pelo seu professor de matemática, mas ele não quis nada. Maria percebia que tinha perdido sua criancinha e agora tinha um adolescente seguro e apaixonado na sua frente.

- Mãe eu amo tanto a Patrícia. Enfrentaria tudo novamente por ela.
- E ela?
- Bem, está enfrentando tudo junto comigo.
- Quero que seja feliz meu filho, independente de como seja, seja feliz como eu não fui.
- Mas a senhora tem todo o direito de refazer sua vida. De encontrar alguém que a ame que cuide e que preze por você.
- Quem vai olhar para uma quarentona como eu?
- Ah, a senhora não conhece os homens...

Na mesma noite Lucas telefonou para Patrícia. Havia muito o que dizer, muito o que combinar sobre a fuga.
- Patrícia?
- Chegou bem em casa? Ele te viu? Alguém te seguiu?
- Ele me viu sim. Estava em meu quarto me esperando.
- Isso não vai terminar bem Lucas. Só estamos vivos porque você é filho de um militante.
- Preferia que não fosse.
- Eu sei.
- Patrícia, vamos fugir. Está tudo certo. Falei com meu grupo, eles vão nos ajudar. Vamos em um carregamento de soja que vai sair daqui para a fronteira com a Venezuela que partirá no domingo á noite. Todos os militares vão estar em casa, com suas famílias. É a nossa hora.
- O protesto vai ser um dia antes. Vamos ter de nos esconder até o outro dia.
- Onde podemos ficar?
- Podemos ficar na casa do diretor do Vinícius de Moraes. Ele nos deu apoio, me ligou hoje. Provavelmente está sabendo do protesto marcado para o sábado e deve saber que vamos fugir.
- Ele é de confiança?
- Sim, eu confio nele plenamente.
- Então vamos para lá sim. Hoje é sexta, será que já podemos ir para lá?
- Sim já. Faças suas malas, e me encontre na parte detrás do colégio, que iremos para lá.
- Tudo bem. Eu te amo. Nos vemos.

Lucas aprontou suas malas rapidamente. Colocou algumas camisas, calças, roupa intima, o cartão bancário de sua mãe, alguma comida e partiu pela janela. Deixou uma carta para sua mãe.

“Parto com o coração sofrido por ter que te deixar, a senhora foi uma mãe maravilhosa, ensinou a seu filho a dar valor àquilo que mais importa na vida. Muito obrigado por tudo,
De seu amado filho,
Lucas.”

Codinome Orquídea - Parte 4

quarta-feira, 28 de maio de 2008


Patrícia não esperou Lucas acordar para se despedir, ao invés disso, colocou novamente seu vestido que estava caído no chão e arrumou seus cabelos. Parou por alguns minutos para ver aquele rosto ainda de menino, no entanto com corpo já de adulto. E foi embora sem deixar recado enquanto ele dormia.
Na rua, enquanto andava, sentia-se observada. Caminhava e olhava para trás com continuidade. Decidiu acelerar o passo. Já anoitecera e sabia que os militantes estavam pelas ruas, às vezes disfarçados de pessoas comuns. Teve medo quando pensou que poderiam saber quem ela era, e de onde estava vindo. Temeu ter de voltar, então continuou.

- Venha comigo. Sem fazer nenhum barulho. – Patrícia virou-se, e em sua frente havia um homem grande, com expressão furiosa.
- Não conheço o senhor.
- Eu sou o pai do garoto com quem você acaba de dormir. – Patrícia olhou com perplexidade e seu coração havia disparado.
- Ah meu Deus. Você é do governo! – Agora sentia que devia estar desmaiando.

O Militante a colocou dentro de um carro na parte de trás. Sentou em frente ao volante e a levou para o quartel onde havia passado a noite. Enquanto passava pelo pátio do quartel, Patrícia viu aquele que devia ser Buarque. Ele, porém, estava fazendo o caminho contrário. Os dois olharam-se por um instante, e ela soube que eles já sabiam de tudo.
Levada para uma sala pequena, Patrícia manteve a calma. Entretanto não sabia o que pensar. Quem havia dedurado? Um dia antes, eles não sabiam quem eles eram, hoje já havia prendido dois deles. Será Lucas? Que estava a seduzindo para conseguir informações e assim ajudar seu pai? Mas como explicar o livro em sua prateleira?

- Senhora Patrícia! – Exclamou o mesmo General da noite anterior.
- Lembro que o senhor disse que não matava ninguém. Nem você, nem o seu governo.
- Ah... Desculpe. Eu menti.
- O que quer?
- Sabemos que irão ao protesto de frente do Ministério hoje ás dezesseis horas. O que pode me ajudar com isso senhora Patrícia?
- Eu não sei de nada.
- Soldado! Jogue água sobre ela. – Patrícia não falou nada, apenas deixou a água suja cair sobre seu corpo preso na cadeira, deixando suas roupas ficarem coladas ao seu corpo.
- Sabemos também, que anda com um garoto do colégio Vinícius de Moraes, pretende colocar a prole estudante no protesto professora?
- Não.
- Soldado. – O soldado começou a dar murros no rosto de Patrícia com violência. Esta, não se movia, e esperava pelo próximo golpe, como uma antecipação de sua morte. O sangue de sua boca e seu nariz já escorria para seu pescoço e continuamente para sua blusa.
- Pare...Senhora Patrícia entenda algo...A sociedade em que vivemos é hipócrita. Seu rosto vai parecer amanhã nos jornais, as pessoas vão ter pena do seu terrível e súbito ataque do coração, e logo no dia seguinte já esqueceram de você, é por eles que você luta? Por esta sociedade brasileira hipócrita e esquecida?
- Essa sociedade General é feita por pessoas como você. Não é por isso que eu luto.
- Hum. Que curioso. E pelo que luta então?
- General, posso ficar com ela um tempo? – Perguntou o Militante, pai de Lucas, na porta do interrogatório.
- Claro. Divirta-se Capitão, ela é toda sua. Não vai sair daqui mesmo.
Patrícia não sabia o que fazer. Estava atada a cadeira e não poderia gritar.
- Por que colocou meu filho nisto sua vadia?! – Perguntou furioso assim que o General havia saído da sala.
- Sabia que tinha algo errado...- Susurrou para si mesma.
- Sabia, sua vadia, que meu filho não foi quem dedurou todos vocês. – Patrícia o mirou bem nos olhos, seu sangue ainda escorrendo pelo seu corpo. – Você é uma puta, que não consegue segurar o desejo, e se ofereceu para meu filho! Ele só tem 17 anos! Comunista desgraçada! – Bateu em seu rosto. – Ele agora está com esta loucura de Comunismo na cabeça, sabe o quanto eu ando trabalhando nesse quartel imundo para meu filho não ser capturado e levado para a guerra?! Eu só estou nesse quartel para que ele não seja levado, e você o transformou em um comunista idiota!
- Não faça nada contra ele. – Patrícia usava brincos, que nesse momento foram cruelmente arrancados de suas orelhas, para que sentisse dor. Gritou profundamente.
- Até que...Meu filho tem bom gosto... – Agora lhe tocava o ombro, sua roupa molhada estava colada em seu corpo e mostrava a mulher que era. – Por que não come um cara do teu tamanho?
- Você me dá nojo.
- Vamos ver quem tem nojo aqui.

O Capitão a tirou da cadeira e mandou o soldado sair da sala. Ordenou que tirasse sua roupa e então a violentou. Enquanto o fazia, lágrimas corriam do rosto de Patrícia, ora por sentir dor da força com que o Capitão a possuía, ora por temer a morte, ora por se lembrar de Lucas.

- Espero que fique aqui neste quartel até o fim da guerra. Irei me aproveitar disso. E é bom ficar calada sobre isso, ou vai sofrer as conseqüências.

Patrícia permaneceu deitada sobre o chão e virou-se de lado. E assim dormiu a noite inteira. Vigiada, sem qualquer tipo de conforto ou atenção.

No dia seguinte, Lucas estava feliz. Como poucas vezes em que esteve. Não tinha aulas com Patrícia, mas apenas em lembrar o quanto bom foi a noite passada que já o deixava rindo sozinho.
Durante a aula de Física, na qual ele nem sabe qual o assunto estava sendo dado, uma garota de cabelos loiros colocou sua cabeça para dentro da sala na porta, procurando por Lucas.

- Lucas, o diretor disse que quer vê-lo agora.
- O diretor? – Lucas temia saber qual o assunto.
- Sim, e disse que é para ser agora.
- Com sua licença professor.

Lucas estava nervoso. O que o diretor podia querer com ele? Será que descobrira sua relação com a professora Patrícia? E se fosse, o que ele iria fazer? E seus pais? Ou será que pior, sabiam que ele era comunista? Que o protesto não deu certo e agora estão indo atrás de todos aqueles que são a favor?
Com o coração a mil, bateu na porta que tinha escrito “diretor” e esperou que uma voz grave o chamasse para dentro.

- Pode entrar. – Respondeu o homem lá de dentro.

Lucas agora estava realmente nervoso. Acabara de ver, sentada em uma das cadeiras, em frente à mesa do diretor, Patrícia que se sentia angustiada. Ela estava com o rosto marcado por murros, completamente roxo. Sua boca estava com cortes, suas pernas, ele percebeu, também estavam roxas. Lucas entrou em fúria, não sabia o que pensar, apenas sentiu fúria por ver que haviam feito algo de mal com ela.

- Sente-se aqui filho. – Indicou uma cadeira ao lado de Patrícia. Eles dois se olhavam espantados.
- O que está havendo? – Perguntou o diretor quase que instantaneamente. Patrícia estava corada e suas mãos tremiam.
- Do que está falando diretor? – Lucas agora se mostrava nervoso.
- Um aluno, não direi nomes, viu vocês dois, aluno e professora, aos beijos na sala de aula na ultima aula de Inglês na semana passada. O que pode me dizer sobre isso senhorita Patrícia? – O diretor se dirigia a ela, quase que a responsabilizando pelo que havia ocorrido.
- Eu... Diretor - Gaguejou.
- A culpa é minha, Diretor. – Patrícia arregalou os olhos para Lucas que não a olhou. Fitava o diretor com coragem.
- O que disse? – O diretor tinha a cara mais repugnante impossível.
- A culpa é toda minha, fui eu quem beijou a professora Patrícia a força. – Falou tão rápido que se não tivesse prestando muita atenção o diretor não entenderia.
- Quer ser expulso da escola menino? Eu sei que anda distribuindo cartazes antiamericanos, ou achava que eu não iria descobrir?
- Se o senhor achar que é o justo a fazer... – Lucas sabia que qualquer palavra do diretor, ele seria preso, ou até pior, morto.
- É inadimisível que um aluno e um professor possam ter algum tipo de relação amorosa, e sei que o senhor sabe muito bem disso, porque o fez?
- Já disse que Patrícia...Professora Patrícia, não tem nada a ver com isso, tudo o que quiser fazer contra ela, faça contra mim.
- Não Lucas! Pare com isso... O que houve tanto eu quanto você somos culpados. – Patrícia agora interrompia a conversa pergunta-resposta que o diretor e Lucas haviam feito. – Diretor... Está correto, mereço ser despedida, Lucas não tem culpa, o que aconteceu foi porque não conseguimos mais controlar nossos desejos... – Tremia – saio da escola agora mesmo se quiser.
- Muito bonito tudo que disse Patrícia, mas, seria despedida mesmo que não tivesse dito uma só palavra. O que acha que os pais dos alunos vão pensar quando souberem disso tudo? Dois comunistas na minha escola! Que vergonha! Debaixo do meu nariz! Sabem que Comunismo no Brasil está proibido desde 2012 quando a guerra terminou, tem gente sendo presa, morta, estuprada, todos os dias! Metade da população entrou para o exército para não serem mortos e vocês me fazem uma coisa dessas! – Elevou sua voz. O diretor estava muito nervoso. – Como vai ficar o nome da nossa escola professora Patrícia?! Sinto muito, mas está despedida a partir de agora.
- Não pode fazer isso! – Lucas se levantou da cadeira e estava vermelho de raiva.
- Não posso? – Falou calmamente.
- Patrícia é uma boa professora de Inglês, fez a média de todos os alunos subirem, é dedicada, simpática e carismática. Todos os alunos gostam dela, alem do que, prefiro que me expulse da escola a despedi-la. O fato de sermos comunistas não vai sair daqui, eu juro. Vai ter o nome da sua escola preservado, eu garanto!
- Lucas, por favor... – Patrícia chorava. – Diretor, vou agora mesmo organizar minhas coisas e partirei. Desculpe-me pelo alarmante que provoquei em sua escola.
- Patrícia...Espero que tenha sorte. – Disse o diretor agora triste. – Sempre foi uma boa professora, e se não fosse esta ditadura em que vivemos, tenha certeza que seria perdoada de tudo. Mas não é só a minha vida que está em risco. Sabe que se continuar aqui pode levar todos nós à forca.
- Patrícia... – Lucas tentou ir atrás dela, mas ela já tinha deixado a sala. Muito irritado e com seu rosto vermelho, virou-se para o diretor – Não vai mudar o que eu sinto por ela com isso! Nem vai nos impedir de mudarmos este país!
- Não pretendo. Mas não posso arriscar o nome da minha escola.
- Vai perder muito mais em tê-la despedido.
- Desculpe-me Lucas.

Lucas saiu em disparada procurando por Patrícia, conseguia ver que as pessoas estavam aos cochichos, já devem saber do que aconteceu. Procurou Patrícia por todos os lados, e não a achou. Decidiu então ir a sua sala, pegar seu material e voltar para casa para liga-la, sabia que não poderia ir na casa dela, pois, muitos alunos iriam vê-lo, agora que sabiam de tudo.

- Lucas, o que houve? Porque esta chorando? – Perguntou a mesma menina de cabelos loiros.
- Nada.
- Lucas, é verdade o que dizem? – Perguntou um garoto que sentava atrás de sua banca. Lucas arrumava suas coisas dentro da bolsa com muita rapidez.
- E o que dizem Rodrigo? Você pode me dizer? – Disse irritado.
- Que você e a professora Patrícia tem um caso, que ela foi despedida e você expulso.
- Sim é verdade. – Todos arregalaram os olhos.

Lucas saiu como um louco por entre a multidão de pessoas que saiam de suas salas para verem o que tinha acontecido. À essa hora, todos do colégio sabiam que ele e Patrícia tinham um caso. Faltava muito pouco para que seus pais soubessem. E muito pouco para que fossem pegos.
Parou de frente a porta de sua casa. Será que seus pais já sabiam?
Graças a deus, ninguém em casa outra vez, pensou Lucas. Correu para o telefone e ligava constantemente para Patrícia. Depois da décima tentativa, ela atendeu.

- Alô? – Voz mais fraca que nunca.
- Patrícia? Meu amor, que bom que atendeu, estava nervoso pensando que tivesse acontecido algo... – Lucas chorava.
- Lucas...Não podemos mais continuar com isso, está errado, vamos perder muito ainda – Soluçava – Não quero que sofra mais, já viu no que isso deu?!
- Patrícia pare de se preocupar comigo! Serei muito mais infeliz se não a tiver do meu lado! Porcaria de Ditadura! Temos de fugir Patrícia, logo!
- Por favor, pare Lucas... – Chorava.
- Eu tenho algum dinheiro guardado na minha poupança, podemos ir juntos para a Venezuela, lá eles estão ao nosso favor. Por favor, Patrícia, temos de ir hoje!
- Eles não vão entender Lucas! Será que não consegue ver? Vão nos buscar até no inferno!
- Patrícia eu quero você e só você. Eu posso fugir dessa com vida porque ainda não sou maior de idade e meu pai é da milícia. – Patrícia havia soltado um grunhido. - Mas você não! Por favor, temos de ir!
- Não me faça sofrer mais. Por favor. – Chorou.
- Eu vou sofrer muito mais se eu não tiver você! ....“ Lucas onde está você?!” – Os pais de Lucas haviam chegado em casa e pareciam furiosos, seu pai já estava na porta de seu quarto.

O seu pai, sem pensar, entrou no quarto furioso e deu um soco na cara de Lucas que o fez cair na cama e o telefone cair longe ainda ligado.

- O que pensa que você é menino?! - O pai estava furioso o bastante para quem chegasse perto levasse um murro também. Ele o segurava pela camisa.
- Roberto, por favor, seja mais leve com ele! – A Mãe sentia pena de seu filho, mas não podia fazer nada com a reação do pai.
- Que história é essa Lucas?! O diretor acabou de me ligar dizendo que você foi expulso da escola por se envolver com uma professora Comunista!
- É verdade Pai.
- O QUE?!
- Eu estou apaixonado por ela, não pode me impedir! – Gritava Lucas agora que estava livre das mãos do pai. Roberto estava chocado ao ouvir a confirmação. – E eu já sei que você sabe de nós dois, pare de se fazer de desentendido!
- Você é um irresponsável! Acha que permitirei isso?!
- Não pode mandar na minha vida. – Dizia Lucas compulsivamente.
- Hoje mesmo irei prender esta professora e mandar ela parar de dar em cima do meu filho, isso é um absurdo! Como ela pode fazer isso com meu filho, um aluno?!
- PAI EU A AMO! ELA NÃO ME SEDUZIU! – Chorava e gritava ao mesmo tempo.
- Você vai comigo ao colégio pedir a bolsa de volta. Não vai perder o ultimo ano do ensino médio por causa dessa professora que fez isso com você! – Ainda gritando.
- PAI! ME ESCUTA! – O agarrou pelos braços. – EU A AMO! A AMO!
- Mas que besteira que você diz! Como pode amar uma mulher bem mais velha que você? O que iram dizer? E ainda mais comunista? Quer ir preso menino? Eu não vou poder fazer nada se te pegarem! O que a nossa família vai dizer sobre isso?!
- Eu não acredito que estou ouvindo isso. – Disse perplexo.
- Diz o que ela fez com você! Até onde essa história chegou?
- Tudo o que fizemos você não tem o direito de saber.
- Você está merecendo levar um surra!
- Vai. Bate. – Dizia Lucas enfrentando o pai.
- Lucas não responda ao seu pai. – Dizia a mãe aflita.
- Vai, me bate. Bate por amar uma pessoa. – O pai conteve-se.
- Não voltará a vê-la. – Buscou dentre os livros, O Manifesto. Durante alguns segundos viu o livro ser queimado pelo isqueiro que segurava.
- Não vou fazer nada do que manda, não vai conseguir me deixar longe dela.
- Vai me desobedecer?!
- Eu só quero que entenda que o meu amor é como qualquer outro! Não posso ser julgado na rua por amar alguém!
- UMA MULHER MAIS VELHA QUE SE APROVEITOU DA SUA INOCÊNCIA! UMA OPOSITORA!
- EU-NÃO-SOU-MAIS-UM-GAROTO-DE-10-ANOS-DE-IDADE – Lucas disse entre os dentes.
- E O QUE PENSA QUE É?! MAL SAIU DAS FRALDAS!
- VAI ME BATE! PÕE PARA FORA ESSA RAIVA QUE TÁ DENTRO DE VOCÊ! PORQUE NADA VAI MUDAR O QUE EU SINTO POR ELA! NADA! EU A AMO E NINGUEM VAI ME IMPEDIR DE ESTAR COM ELA. – Lucas ia saindo do quarto quando seu pai o puxou pelo braço e lhe deu outro soco.
- Eu não criei um filho para cair perdido na vida! Muito menos ser morto dentro de quartéis... Você vai aprender a nunca mais responder a seu pai, e vai fazer o que estou mandando! NÃO VAI MAIS VER ESSA MULHER DE NOVO!
- Me larga! SOLTA! NÃO PODE FAZER ISSO COMIGO!
- Está de castigo. E você Maria, não se atreva a deixa-lo sair desse quarto, vai ficar ai até eu dizer o contrário!

O pai de Lucas o trancou dentro do quarto e levou a chave. Seu rosto estava sangrando e sua camisa estava rasgada, lembrou-se de que o telefone continuava ligado e que Patrícia poderia ter escutado tudo.

- Patrícia?!
- Lucas, você está bem? Está sangrando? Oh meu deus, por favor, diz alguma coisa!
- Desculpe-me por isso Patrícia.
- Não tem de pedir desculpas! Ai meu deus não sei o que pensar, seu pai não pode fazer isso! Estamos perdidos, estamos sozinhos, quase todos foram presos, alguns estão mortos, Buarque foi exilado fora do Brasil. O que poderemos fazer? Eles estão conseguindo abafar com o protesto!
- Eu estou bem Patrícia, agora tem de sair daí. Por favor, saia, meu pai está indo para ai, estou vendo o carro dele saindo, vá, saia daí, tenho medo do que ele pode fazer com você! Por favor, ele é capaz de tudo, está furioso! Não posso deixar que volte para aquele lugar de novo! Ele pode te fazer muito mal Patrícia, ele espanca e estupra minha mãe! É um monstro!
– Já fez. – Silencio. Lucas sentara no chão para chorar. - Não posso fugir Lucas!
- Por favor! Ele vai te fazer algum mal! SAIA Daí!
- Não posso Lucas! Eu não vou fugir do meu país! Isso seria desistir!
- Patrícia pelo amor de Deus! – Já começara a chorar – Eu estou trancado aqui não posso fazer nada. Em menos de 2 minutos ele vai estar ai.
- Lucas, por favor, não chore... “Patrícia! Patrícia! Sei que está ai dentro, apareça!”

Ela desligou sem dizer nada. Lucas se desesperou. Correu para porta e gritava por sua mãe, batia com todas as forças que podia, gritava o máximo que podia. Espancava a porta como quem tem força de um leão. Chorava copiosamente e deixava o sangue em seu rosto cair sem interrupções.

- Mãe! Mãe, por favor, me tira daqui! Por favor, mãe... Ele vai fazer algo contra ela! Por favor, não o deixe bater nela como faz com você! Não o deixe prende-la, ele vai mata-la, está com fúria. Mãe me tira daqui!
- Lucas seu pai levou a chave! – Falou a mãe aflita do lado de fora.
- Mãe, vai até a garagem e pega um martelo para bater nessa maçaneta, por favor!
- Está certo.

Lucas podia sentir o seu coração chegar a boca, sabia que seu pai batia na sua mãe com freqüência, sempre fora esquentado. Sua mãe dizia que as marcas que ele via em seu corpo não eram nada, mas sabia que na calada da noite eles brigavam e ele a batia.
O Brasil estava acabado. Um país que sofrera por duas ditaduras militares, não agüentaria. E não agüentou, tanto que deixou os americanos entrarem em seu território. A presença de tantos americanos fez o partido comunista cresce e ganhar aliados pelo país inteiro. O Brasil, porém, aliado ao governo americano, suprimia as revoltas aonde quer que fosse, e dizia na televisão que todos que desapareciam era porque havia fugido do país, ou morria de morte súbita. Aqueles que viviam, iam para os Estados Unidos, outros, conseguiam pular a fronteira com a Venezuela, mas muito poucos conseguiam chegar do outro lado. Muitos outros enfim morriam, sozinhos em suas celas das prisões brasileiras.

- Afaste-se Lucas. – Falou a mãe do outro lado. Bateu com força na maçaneta que caiu direto no chão. Ela viu seu filho com sangue no rosto.
- Obrigada Mãe.

Codinome Orquídea - Parte 3

terça-feira, 27 de maio de 2008


Neste exato momento, a porta da casa é arrombada por quatro homens que entram sem pedir licença. Patrícia assusta-se com a entrada brusca e tenta correr na direção oposta, porém, um tiro adormecedor acerta-lhe a perna e cai desmaiada no chão.

- Andem, tirem-na logo daqui. – Falou um deles mais afastado.

Rapidamente um dos soldados pegou-a sobre os ombros e a levou para o carro que esperava na frente da casa. Eram dez horas da noite e ninguém tinha permissão para estar fora de casa. A noite abafou o tiro e os ouvidos que o ouviram, deveriam permanecer calados, para o bem.

Lucas correu depressa até sua casa que ficava a uns quarteirões. Se seus pais soubessem que estava fora de casa durante o horário de recolher, poderia entrar em problemas. Porém seu pai deveria estar trabalhando.

- Mãe? – Falou assim que abriu a porta.
- Onde estava Lucas?! Está louco? Pode ser preso!
- Do que está falando? O toque de recolher é só daqui à uma hora...
- Será que não vê os jornais?! Estão prendendo os opositores! Quem estiver na rua é considerado inimigo do governo!
- Mas que loucura é esta que estão fazendo?!
- É a Quarta Guerra meu filho, agradeça de estar em um país a salvo.
- Agradecer? De viver nesse país?
- Seu pai está trabalhando para que nós sobrevivamos a esta guerra, deveria ser grato.
- Mãe, por favor, não acredite tudo em que o papai diz, será que não vê que é tudo uma farsa? Os americanos estão entrando neste país e ninguém está vendo. Claro! Por causa desta ridícula hora de recolher!
- Apenas faça o que estou te pedindo.
Lucas subiu para seu quarto. Ligou a televisão e constatou aquilo que a mãe dissera.
- Foi dada uma denúncia sobre um grupo terrorista, o governo pede para que os cidadãos fiquem em suas casas e não saiam, pois todos aqueles que estiverem nas ruas serão tidos como inimigos do governo. Em breve mais notícias. – Falou a repórter.
- Bendito petróleo. Negro como a morte. – Pegou o telefone e discou a casa de Patrícia.
- Ninguém atende. – Falou para si mesmo. – Que estranho. São dez e meia da noite, deveria estar em casa.

Lucas não tinha aula com Patrícia naquele dia, mas esperou ansioso para acabar sua ultima aula de trigonometria que parecia mais entediante que o normal. Nunca os minutos daquele relógio foram tão demorados. E enfim o toque.
Como de costume, foi até o vestiário da piscina interna – pouco freqüentada pelos alunos da escola que preferiam a do clube, justo por isso gostava tanto daquele lugar – e colocou sua sunga para nadar.
Quando terminou, sentiu ser observado e virou-se rapidamente dando de cara com o olhar de Patrícia que o observava encostada na parede. Estava com um rosto triste e o olhava com perguntas.

- Costuma fazer isso sempre? – Perguntou Lucas que se aproximava para dar-lhe um beijo.
- Não, é a segunda vez.
- Segunda vez? – Perguntou interessado, mesmo assim ainda chegando para beija-la.
- Não podemos nos beijar dentro da escola, tudo bem? – Falou agressiva.
- Tudo bem.
- Vai nadar?
- Sim, mas já estou de volta para fazermos algo.

Patrícia observava cada braçada que Lucas dava na água. Ele nadava bem, e seu corpo mostrava os anos a fio que fazia isso. Porém, algo estava a deixando com receio. Passara uma noite inteira no quartel militar, ela fora interrogada e surrada pelos militantes. A fim de saberem algo do seu Grupo.

- Senhora, devo lhe informar que isso é muito pouco do que poderemos fazer com você se não colaborar. – Outro murro em sua barriga. Um gemido.
- Acha que com essa sua prepotência, General, vai conseguir sustentar esse governo ditador?
- Não somos um governo ditador, apenas... Zelamos pelo bem estar comum.
- Ah, claro... É isso que dizem nos jornais. – Um oficial atrás de Patrícia puxou-lhe os cabelos e colocou sal em seus olhos. Um grito apavorante saiu de sua boca.
- Fale. Antes que eu mande meu soldado tirar-lhe toda a roupa!
Patrícia olhou, ainda que com os olhos ardendo, perplexa para o General.
- Olha aqui sua cadela comunista... – Falou bem baixinho sobre seu ouvido. – Nós não cometemos erros como na ultima ditadura. O Brasil agora é um país militante que apóia os Estados Unidos, e pode ter certeza que sua vida irá virar um inferno se não contar onde estão os seus parceiros. A Morte, para vocês, seria pouco. Não matamos ninguém, isso é um erro. As pessoas que morrem sozinhas...
- É isso que você coloca no seu relatório General? Morte Súbita?
- A senhora irá voltar para sua casa. E assim pegaremos seus comparsas.

Cansado de nadar, Lucas saiu da piscina e pegou a toalha que Patrícia oferecia. Seus olhos estavam escondidos sobre lentes escuras.

- Vamos lá para casa.
- Para sua casa? – Espantou-se Patrícia.
- Sim, minha mãe hoje de manhã disse que só chega à noite, tem de comprar comida para deixar em estoque, sabe como é, tem pavor que entremos em guerra. Mas, podemos ficar lá sem medo.
- Acho que não deveríamos fazer isso.
- Vamos! Quero você no meu quarto. – Sussurrou esta ultima parte em seu ouvido. Patrícia arrepiou-se.
- Não posso demorar, mas ainda sim acho que não deveríamos. Você sabe como que está esse governo louco. Não devemos.
- Venha.

Patrícia foi contrariada, aquela relação com Lucas estava lhe deixando maluca e ainda mais, fazendo coisas cada vez mais perigosas e proibidas. Lembrava-se que com 15 anos também gostava de fazer essas loucuras, e como era bom, como era livre...
Em menos de 10 minutos eles chegaram. Era tarde e o sol quente e escaldante já havia ido embora, agora só restara a brisa fresca da tarde. Patrícia estava apreensiva, não sabia o que fazer. Foi guiada por Lucas para dentro da casa.

- Lucas, eu não me sinto bem fazendo isso, acho que devo voltar.
- Nada disso, já esta aqui comigo.
- Mas... – Lucas a puxou pelo braço enquanto subiam as escadas para o 1° andar da casa. Lá em cima, havia três quartos, o de Lucas, dos seus pais e um escritório que seu pai costumava ficar nos fins de semana. Mas Lucas a levou direto para o seu.
- Um típico quarto de adolescente.
- Eu gosto dele, me sinto bem aqui.
- Costuma ler? – Perguntou Patrícia que caminhava com seus dedos por entre os livros que havia na estante ao lado do computador. Viu, dentre eles, O Manifesto, livros de filosofia e algumas anotações.
- Sim, eu gosto.
- E então, porque me trouxe aqui? – Sentia-se em meio a uma emboscada, não sabia se confiava ou não nele.
- Bem, esse é o local que eu mais amo no mundo, e queria que você estivesse aqui junto comigo, agora sim está perfeito.
- (Patrícia deu um sorriso) Então agora acho que devo ir... – Patrícia estava nervosa em estar no quarto dele enquanto os pais estavam fora, sabia que fazia algo errado.
- Patrícia... – Lucas falou desapontado – Trouxe você aqui porque quero que seja minha aqui. – Ela parecia mais nervosa que antes ao ouvir isso, Lucas se aproximava dela. – Não te excita estar aqui comigo, no meu quarto, sozinhos?
- Lucas pare... – Lucas a beijara e deixou seus lábios bem próximos ao dela.
- Vem. – Desabotoava os botões nas costas de Patrícia que prendia o vestido em seu corpo, e com beijos a puxava para sua cama que estava devidamente forrada.
- Não Lucas. – Tentava conter-se.
- Me deixe ser seu outra vez.

Ainda de pé os dois, Lucas a beijava sem dar chances dela falar mais nada. Ela o deixava ir cada vez mais longe e seu vestido agora estava na cintura mostrando seus seios. Lucas viu as marcas em seu corpo e parou de repente para olhar bem.

- O que é isto Patrícia?
- Ah... Nada.
- Você foi pega?!
- Não me faça perguntas. – Disse desesperada.
- Patrícia, eu vi seu livro Vermelho, e ontem, quando liguei para sua casa à noite não estava, estavam procurando por opositores, e você não estava. Foi pega, não foi?
- Fui. – Falou bem baixo.
- Droga!
- Tudo bem, tudo bem... – O beijava carinhosamente.

O ambiente do quarto era bem escuro, ele havia pensado em tudo, as flores que daria a ela - que estavam ao lado da cama - nas cortinas devidamente fechadas para criar o clima mais proibido, tudo exatamente como ele havia imaginado no dia anterior. Patrícia parecia nervosa, suas mãos tremiam.

- Acalme-se. – Lucas sussurrou em seu ouvido.

A beijava tão carinhosamente, com beijos quentes, que invadiam sua boca com sua língua, suas mãos acariciavam o seu pescoço enquanto a beijava. A levava para cama, e a olhava ainda de pé, ela deitada. Puxou seu vestido e depois sua calcinha. Deitou-se sobre ela e corria sua boca por seus seios e pela sua barriga marcada, até chegar ao seu ponto máximo e a fazia enlouquecer com a sua língua. Até que não agüentou mais de tanta vontade e a penetrou, tendo um maravilhoso orgasmo.
Sentados. De frente um para o outro, com seus corpos nus, se beijavam com intenso amor.
- Seria mais fácil para mim se você não tivesse apenas 17 anos! Por favor, entenda Lucas, me sinto culpada em estar aqui com você nessa cama, para os outros isso é um absurdo! O que vão pensar de mim se descobrirem?!

Lucas calou Patrícia com um beijo longo e apaixonante, colocando suas mãos em seu pescoço. Não seria a primeira vez que os dois discutiam e terminava em um longo gesto de carinho.

- Fala que não quer mais sentir meus beijos, que não sente mais prazer em estar ao meu lado, diga que não me quer mais e irei embora. – Lucas sussurrou com seus lábios bem próximos aos dela.
- Não pode me pedir para dizer isso, sabe que não vou... Mas sabe que não podemos continuar com isso! Esses últimos dias ao seu lado foram o que houve de mais importante que me aconteceu na vida, mas você tem todo o direito de viver a sua vida, encontrar alguém que possa viver com você tudo que ainda não viveu! Eu vou ser pega em pouco tempo, Caxias vai matar todos nós, você não entende? Eu não vou me perdoar, já morreram tantos... – Patrícia havia começado a chorar naquele instante.
- Meu amor, eu só quero você! E, com ou sem você, eu sou comunista sim, meus pais não sabem disso, mas podemos lutar mais se estivermos juntos! – Lucas agora acariciava o corpo de Patrícia.
- Vamos enfrentar tantas coisas ainda, você vai sofrer tanto, não quero que sofra.
- Ao seu lado, nada me faz medo. Por você, eu faço qualquer coisa.

Beijaram-se novamente. E acabaram dormindo abraçados.

Codinome Orquídea - Parte 2

segunda-feira, 26 de maio de 2008


- Bom dia!
- Bom dia professora – Respondeu um dos alunos que tinha uma aparência nerd.

Os olhos negros de Patrícia procuraram os de Lucas em meio aquela bagunça de pessoas à sua frente, quando o viu, quieto e aparentemente lendo, deu um pequeno sorriso e voltou ao seu material da aula do dia.
O que estava fazendo? Aquilo não poderia continuar de forma alguma! Estava perdendo o controle e pondo em risco coisas muito importantes.

“Tudo bem” pensou Lucas – “Controle-se, você vai conseguir falar tudo para ela. Só não prestar atenção nessa aula, mas se você continuar pensando nela, vai acabar se excitando em meio aos seus amigos e não vai ter como escapar daqui, que eu faço?!”
Decidiu realmente concentrar-se naquele livro que parecia interessante, mas não conseguia evitar olhar aqueles lindos olhos e aquelas coxas que se mostravam debaixo de uma saia mais curta que o de costume. – “Você está ficando doido Lucas, ela nunca vai querer continuar essa história”
- Abram seus livros na página 53, vamos trabalhar hoje o texto de apresentação militar. – Patrícia dera inicio a sua aula.
- Que absurdo. – Resmungou uma das aulas, sentada em uma das primeiras bancas.
- O que houve Helena? – Perguntou Patrícia virando-se.
- Ser obrigada a estudar uma língua que eu não gosto. Minha avó estudou espanhol em sua escola quando era garota, não teve de estudar inglês. Esta me ensinando a língua e eu vou sair desse país.
- Vou te contar um segredo. – Aproximou-se. – Eu também não gosto de inglês.
- E porque ensina então?
- Os motivos são outros.
- Tem medo dos militares não é? Agora que inglês virou língua oficial no Brasil, teve de correr para não ser despedida.
- A verdade pode ser mais dura do que parece. Vai aprender isso.
- Não me conformo como os adultos.
- Que bom saber disso.

A aula de inglês naquele dia pareceu três vezes mais longa que o normal, Patrícia também sentira o mesmo e ao toque final e de todos os alunos saírem, Lucas forçou ser o ultimo.

- Patrícia... – Ela tentou se controlar.
- Lucas... Eu...
- Por favor, deixe-me falar. Passei a noite e a manhã inteira tentando saber como direi isso... – Patrícia calou-se rapidamente e o escutava. – Não consigo tirar você do meu pensamento – Aproximou-se. – Não consigo mais te olhar e não querer te beijar, o meu desejo de estar com você, ao seu lado, cresce a cada dia.
- Não podemos Lucas. – Interrompeu Patrícia. – Será que não vê? Eu perderia meu emprego, e seus pais jamais aceitariam, você e eu sofreríamos muito. – Havia, porém, outros motivos.
- Podemos ficar nos encontrando às escondidas, por favor, não me negue, sei que quer o mesmo, não vou conseguir viver com você aqui todos os dias sem que possa te dizer uma palavra de carinho, sem que eu possa te beijar... – Lucas aproximou-se o bastante para conseguir dar um beijo molhado e ardente em Patrícia que não negou.
- (aos sussurros, com os lábios bem próximos um do outro) não posso negar que eu quero você, mas, você é muito novo, meu Deus que loucura estou fazendo...
- Pare de pensar em mim como aquele menininho de 10 anos que você viu crescer nessa escola! Já sou grande o suficiente para saber que eu quero você.
- Por favor, Lucas, melhor ficarmos longe dentro da escola.
- Então isso é um sim?! – Falou excitado.
- Isso é uma forma de me manter longe de você e não perder meu emprego. – Patrícia saiu sem dar chances de Lucas lhe responder.

Lucas entristeceu em um piscar de olhos, não sentiu mais vontade de nada alem de ficar quieto e pensar em tudo que tava acontecendo.
Mais uma vez em seu inseparável quarto, ele não conseguia parar de pensar nela. Tentou de verdade estudar algumas matérias para o exame final, provavelmente não conseguiu pôr nem uma só palavra sobre Citologia na cabeça. Desistindo, largou seus livros na mesa e sentou-se de frente a janela que agora começava a chover.

Patrícia estava em seu quarto dando um telefonema.
- Já decidiram quando irão fazer? – Perguntava ela a uma pessoa no telefone.
- Será quinta-feira às dezesseis horas. Ninguém pode saber Patrícia, temos de chegar ao Ministério de surpresa, ou senão irão nos repreender. Tudo que der errado vai ser o fim. Estão de olho em nós, Albuquerque foi preso ontem à noite e levaram tudo o que ele tinha, deram um sumiço nele, ninguém sabe onde está, sabe-se lá o que fizeram com o coitado... – Respondeu uma voz masculina.
- Tudo bem. Estarei lá.

A cigarra toca e imediatamente Patrícia desliga o telefone. Desce as escadas com rapidez e atende a porta imersa na escuridão.

- Quem pode ser nessa chuva?! – Caminhou até a porta e abriu. Viu, tremendo de frio, Lucas que a olhava pedindo para entrar. – O que está fazendo aqui? – Patrícia foi à procura de uma toalha.
- Eu fui nadar um pouco, não estava me sentindo bem, esqueci de levar a chave de casa e meus pais saíram, desculpa por estar incomodando.
- Tudo bem Lucas – Entregando a toalha para ele se enxugar – Mas você precisa tomar um banho, pode pegar um resfriado.
- Estou sem roupa, sem nada.
- Vem, eu te dou uma roupa que eu tenho aqui que foram do meu ex... – calou-se.
- Namorado. – Completou Lucas.
- É. Mas venha, deve estar tremendo de tanto frio, enquanto você toma banho vou fazer um chocolate quente para agente tomar.
- Obrigada Patrícia, e desculpe o incomodo.
- Tudo bem, o banheiro fica no meu quarto, lá em cima, só tem um mesmo, pode ir.

Terminado de fazer o chocolate quente, Patrícia foi leva-lo até Lucas em seu quarto. Ele ainda não tinha terminado de tomar banho e deixou a porta entre aberta – “Isso é provocação” – pensou Patrícia. Ela tentou se controlar em espera-lo do lado de fora, olhou a janela para ver a vizinhança que se escondia dentro de suas casas por causa da chuva – Está escurecendo, falou patrícia. O desejo de vê-lo tomar banho pela brecha da porta foi mais forte que a vontade de ligar a tv para ver as noticias que a chuva dera. Caminhou tão lentamente que nem ela mesma podia escutar seus passos. Parou em frente ao banheiro e olhou por entre as brechas. Seu coração disparou e ela não conseguia nem ao menos piscar os olhos. O corpo de um adolescente de 17 anos lhe fazia ter pensamentos cada vez mais pornográficos, mas ela não conseguia se conter. Vê-lo nu, com seu corpo bem definido pelas braçadas de natação, aquele cabelo escuro... Desceu seus olhos para ver o resto do seu corpo, estava hipnotizada pelo desejo.
Mas Lucas havia fechado o chuveiro, Patrícia logo desceu as escadas para ele não notar que ela o via.

- A água estava uma delicia, mesmo com essa chuva que não para. – Lucas viu que Patrícia trocara suas roupas por outras brancas de tecido que marcavam os bicos dos seios. Tentou não olhar para eles.
- O chocolate está pronto!
- Ah ótimo!
Tomavam em pequenos goles.
- Costuma ler muito Patrícia?
- Por que pergunta?
- Vi alguns livros na sua prateleira lá em cima...
- Leio sim, adoro ler.
- Até mesmo O Manifesto?
- Como? – Sentiu que havia algo errado.
- O Manifesto Comunista, você lê? Pensei que fosse um livro proibido...
- E é.
- Não se preocupe, não irei contar a ninguém.
- Obrigada. Já esta escurecendo, e rápido por causa da chuva, esse nublado vai ficar até à noite. – Olhava Patrícia pela janela. A blusa de botões que vestia estava entre aberta e de lado dava para ver parte dos seus seios.
- Posso ligar para minha casa e ver se meus pais chegaram?
- Claro.
- Humm... Não atendem. Não devem ter chegado. – Uns dois minutos de silencio. – Olha Patrícia, não quero parecer que estou forçando algo está bem? É que eu não conheço ninguém por aqui, você é a única que eu poderia ter pedido esse favor.
- Tudo bem.
Silêncio.
- Me diz como eu faço para parar de pensar em você? – Aproximou-se.
- Lucas, por favor...
- Me diz, porque até naquele banho que acabei de tomar queria que você estivesse junto comigo... – Se aproximando dela.
- Lucas, por favor...- Repetindo agora com as mãos tentando afastar seu corpo.
- Mas, eu preciso de você. – Ela o fitou nos olhos.
- Mas que insistente que você é!
- Não consigo esquecer nos únicos beijos que te dei, e como quero mais...
- Eu também não. – Corou Patrícia.
- Então, por favor, me deixe... – E a beijou, novamente.

Patrícia não conseguia se conter. Lucas a beijava com força, seu corpo pressionou o dela contra a parede e não paravam de se beijar, as mãos de Lucas foram correndo o corpo de Patrícia até chegar nas suas pernas, ela emitia sons de prazer e deixava Lucas abrir-las... Sua língua foi correndo da boca para o pescoço que dava para sentir seu beijo quente, ele abria a blusa branca de botões com carinho, enquanto que Patrícia o observava na sua fome de sexo. Descobrindo dois seios grandes que tinham mamilos rosados, ele correu sua boca para eles enquanto que sua mão entrava pela calcinha e sentia o membro quente e molhado dela. Com a outra mão massageava os seios e os lambia ao mesmo tempo, Lucas foi guiando Patrícia por entre a sala até chegar a um tapete macio que ali se encontrava, deitou sobre seu corpo e continuou a correr sua boca pela sua barriga... Abriu novamente as pernas dela e puxava a calcinha preta que ela vestia, e sem pensar, começou a lamber sua vagina e a massagear com seus dedos, fazendo Patrícia ter seu primeiro orgasmo. Ela o virou com o chão e se sentou em cima do seu abdômen. Tirou a camisa que revelava os mesmos músculos que ela havia visto no banheiro enquanto tomava banho, beijou algumas vezes aquele corpo que estava quente e descia até onde queria. Tirou a bermuda... Depois a roupa intima, revelando o pênis completamente excitado. Passou a língua pela cabeça, e por todo membro, deixando Lucas completamente louco para penetra-la. Os dois completamente nus, invadidos pela escuridão da noite, e também excitados, ele finalmente a invadiu, dando o puro sentimento do prazer. Patrícia deitou-se sobre o corpo de Lucas e adormeceram juntos.

- Lucas acorde!

Mas não havia ninguém ao seu lado. Lucas havia ido embora, levado todas suas roupas e agora estava sozinha. Olhou ao redor e não havia resquícios dele, passou as mãos nos olhos e percebeu que estava com a mesma roupa, foi até o banheiro, mas estava da mesma forma que Lucas havia deixado. Por onde andaria? Era terça-feira, dois dias para o protesto e tudo estava pronto. Porém, para garantir-se melhor, Patrícia decidiu ligar para um dos seus amigos do Grupo.

- Buarque, eu tenho um problema. – Disse.
- O que houve? – Respondeu um homem de voz clara e concisa.
- Sei que é errado. Mas, acabei de dormir com um dos alunos do Vinícius de Moraes.
- Ele sabe sobre você?
- Não. – Respondeu sem certeza.
- Então qual o problema?
- Tenho medo do que podem fazer com ele Buarque, é só uma criança, se um dos coronéis do exército souber que eu estou me envolvendo com alguém, vai rapta-lo ou sei lá o que pode fazer com ele.
- Acalme-se, você não é a primeira que passa por algo assim. Em 60 anos de ditadura minha querida, amores e amores passaram por este grupo, não será nem a primeira nem a ultima.
- E o que houve com os outros?
- Uns fugiram, outros morreram quando foram capturados pelos militantes do governo, outros se escondem até hoje.
- Espero poder terminar com isso, não agüento mais viver me escondendo.
- Terminará, espero que em breve.

Codinome Orquídea - Parte 1

domingo, 25 de maio de 2008


- Seria mais fácil para mim se você não tivesse apenas 17 anos! Por favor, entenda Lucas, me sinto culpada em estar aqui com você nessa cama, para os outros isso é um absurdo! O que vão pensar de mim se descobrirem?!

Lucas calou Patrícia com um beijo longo e apaixonante, colocando suas mãos em seu pescoço. Não seria a primeira vez que os dois discutiam e terminava em um longo gesto de carinho.

- Fala que não quer mais sentir meus beijos, que não sente mais prazer em estar ao meu lado, diga que não me quer mais e irei embora. – Lucas sussurrou com seus lábios bem próximos aos dela.
- Não pode me pedir para dizer isso, sabe que não vou... Mas sabe que não podemos continuar com isso! Esses últimos dias ao seu lado foram o que houve de mais importante que me aconteceu na vida, mas você tem todo o direito de viver a sua vida, encontrar alguém que possa viver com você tudo que ainda não viveu! Eu vou ser pega em pouco tempo, Caxias vai matar todos nós, você não entende? Eu não vou me perdoar, já morreram tantos... – Patrícia havia começado a chorar naquele instante.
- Meu amor, eu só quero você! E, com ou sem você, eu sou comunista sim, meus pais não sabem disso, mas podemos lutar mais se estivermos juntos! – Lucas agora acariciava o corpo de Patrícia.
- Vamos enfrentar tantas coisas ainda, você vai sofrer tanto, não quero que sofra.
- Ao seu lado, nada me faz medo. Por você, eu faço qualquer coisa.

Lucas e patrícia são aluno e professora da única escola da cidade. Lucas entrara na escola ainda aos 10 anos, apenas um menino, que ainda não conhecia dos prazeres da vida. Patrícia começou a ser sua professora de língua estrangeira a partir dos seus 15 anos no primeiro ano. Aluno sempre aplicado ganhou a confiança e a admiração da professora em pouco tempo.
Patrícia era uma das professoras que passavam o dia inteiro na escola, preparando aulas, fazendo aulas extras, corrigindo provas, pagando detenção com outros alunos. E, implicitamente, apoiava um grupo antigovernamental, com sede nesta mesma escola. Tal grupo era famoso por seus protestos pacíficos e do alto teor intelectual dos seus participantes. Em 2010, o mundo entrara numa nova guerra mundial. Esta provocada pela corrida ao petróleo, e pelos conflitos entre terroristas e países capitalistas. Em junho de 2009, o Brasil tornara-se um dos países participantes da Opep, e já participava dos lucros mundiais de venda de petróleo. O país, além de participar do mercado petroleiro, também tinha a maior reserva hidrográfica do mundo e começara a aproveitar bem isso. Os conflitos religiosos, junto com a ameaça terrorista fizeram o mundo entrar em colapso em março de 2010. O Brasil logo declarou país amigo dos Estados Unidos, temendo a invasão americana em seu território. A ONU foi dividida em três: Capitalistas; Comunistas e Anarquistas. Os conflitos gerados pelos Anarquistas em 1930 na República Velha brasileira voltaram com força total. Porém, a Ditadura militar chegou tempos depois, com fim de controlar os protestos que ocorriam em todo o mundo contra a invasão americana ao território brasileiro. Jovens de todas as idades saíram às ruas em conflito com o governo. Em menos de dois anos a Terceira Guerra mundial havia acabado, motivo pelo quais poucos conhecem, mas certamente era pelo temor de uma nova bomba atômica. Isso fez com que os países do terceiro mundo se rendessem aos países capitalistas. 60 anos se passaram desde o início da Terceira Guerra, mas uma nova Guerra Fria dominava o cenário mundial.

- Lucas já são 8 da noite, ainda nadando, por que não volta para casa? Deve estar com fome... – Falou Patrícia na beirada da piscina com uma pasta preta encostada sobre o peito. O toque de recolher seria dali à três horas. Pessoas menores de 18 anos deveriam estar em casa uma hora mais cedo.
- Não quero voltar para casa professora. Não suporto ter de ver meus pais brigando a noite inteira, e também, lá não tenho o que fazer. – Disse Lucas parado em frente à Patrícia dentro da piscina.
- Mas deve estar com fome, o almoço foi servido às 12, já faz muito tempo que comeu algo, porque não vem jantar comigo então? Não pode ficar aqui, sabe disso.
- Não irei incomodar?
- Claro que não, moro sozinha e sempre faz bem uma companhia. Gosta de sanduíches e batatas fritas? Por que é só o que tenho em casa. – Risos.
- Claro!

Lucas saiu da piscina e se enxugou em sua toalha branca que estava por perto. Foi até o vestiário e trocou de roupa para ir à casa de Patrícia. Os dois foram de carro – movido à eletricidade - a uma casa simples que havia a dois quarteirões dali. Eram por volta das vinte horas, as famílias se encontravam em suas casas jantando, e o tráfico estava, como de costume, livre.

- Gostei da sua casa, ela é bem...Diferente. – Disse Lucas olhando para Patrícia.
- Ligue a tevê se quiser, sinta-se à vontade. – Guardou sua bolsa.
- Não, estou bem em vê-la cozinhando hambúrgueres! – Riram juntos.
- Ah desculpe por oferecer só isso, sabe não é? Moro sozinha, sou cheia dessas comidas fáceis de preparar, e não repara na bagunça também...
- Não se preocupe com isso, algo semelhante ao meu quarto!
- Bem, tudo pronto. Vamos comer.

Sentaram juntos em uma mesa redonda de madeira que ficava bem perto da sala, o ambiente era meio escuro com luzes no fundo. Lucas entristeceu rapidamente, sem motivo aparente.

- Onde está aquele sorriso que vejo sempre em seu rosto? Acabou de sumir... – Disse Patrícia tentando ser agradável.
- Sabe professora...
- Pode me chamar de Patrícia se quiser. – Interrompeu.
- Sabe quando você quer ter alguém para contar tudo o que te acontece de triste, mas essa pessoa não existe? – Lucas havia parado de comer seu sanduíche que estava pela metade.
- Bem, acho que temos o mesmo problema Lucas.
- Pensei que você pudesse ser essa pessoa. – Falou rapidamente.
- Me consideras tanto assim?
- A senhora... Ah desculpe... Você sempre me quis tão bem, sempre me ajudou em tudo o que preciso desde o começo do ano...
- Faço isso por todos meus alunos.
- Tenho problemas Patrícia. Muitos. Ás vezes, eu chego a pensar como meus pais...Como alguém tão jovem consegue ter tantos problemas?
- O que um garoto como você pode ter como problema? Garotas? – Falou meiga.
- Ah me desculpe se estou sendo direto demais, é que eu pensei que...
- Não, Não... Por favor, não me entenda mal! Não quis dizer que você não tem problemas, não é isso, é que... Sou sua professora, e sabe como é, convivo com adolescentes o tempo todo e...
- Às vezes gostaria que não fosse... – Sussurrou Lucas para nem ele mesmo escutar.
- O que você disse?
- Patrícia...Eu posso te fazer uma pergunta? – disse Lucas nervoso.
- Claro Lucas, pergunte o que quiser.
- Você está interessada em alguém?
- Oras... O que um garoto de 17 anos quer com uma pergunta dessas? – Lucas corou, mesmo que eu não desse para notar imerso na escuridão da sala. – Não, eu não tenho me interessado por ninguém. – Lucas levantou um pequeno sorriso, de meia boca.
- Patrícia... Posso fazer outra pergunta? – Ainda mais corado. Levantou-se de sua cadeira em direção à Patrícia que pegava a louça suja da mesa.
- Já disse que pode perguntar o que quiser.
- Teria algo com um cara mais novo? – Agora bem perto.
- Do que está falando Lucas?

Lucas não respondeu. Ao invés disso, agarrou-a pela cintura eu lhe deu um beijo na boca que a fez perder seu fôlego.

- Ai meu deus, Professora... Ah não, quer dizer Patrícia...Por favor, me desculpe por isso, eu juro que nunca mais irá se repetir. – Lucas saiu correndo em direção à porta.
- Lucas espere. – Ele parou como se alguém tivesse apontando uma arma em sua direção e virou lentamente. - Porque fez isso?
- Desculpe-me Patrícia... Por favor, me desculpe. – Falou como se houvesse cometido um crime, prestes a ser preso pelos policiais.
- Está gostando de mim Lucas? Logo você um dos garotos mais assediados da escola? – Lucas não conseguiu abrir a boca para dizer nada. – Devo estar ficando louca, mas, quero que fique. Por favor, não vá embora. – Sabia que estava cometendo um erro. Aliás, dois. Estava pondo em risco o Grupo, os membros não podem confiar em ninguém.
- Não?! – Lucas espantou-se.
- Não. Feche a porta. – Lucas obedeceu e Patrícia chegou perto.
- Alguém sabe que está aqui?
- Não, meus pais não vão sentir minha falta esta noite. – Não era disso que Patrícia estava falando.
- Você quer ficar? – Algo incontrolável subia à sua cabeça.
- Sim. – Falou Lucas mais corado impossível.

Patrícia aproximou-se do corpo de Lucas devagar, colocou suas mãos sobre seu ombro e lhe devolveu o beijo que a pouco ele a dera. Lucas entregou-se totalmente a situação deixando-se levar pelo beijo quente e molhado.

- Não sei bem o que estou fazendo, e isso é errado, mas, não vou conseguir me conter. – Patrícia falou ainda descolando seus lábios da boca de Lucas. Ele era incapaz de dizer algo depois da atitude de Patrícia, da qual ele jamais imaginaria que fizera. – Lucas é melhor você ir embora, se ficar aqui pode acontecer algo que possamos nos arrepender depois. – A consciência de Patrícia gritava. Porém, seus desejos eram mais aguçados.
- Eu sei. Mesmo todo meu corpo pedindo o contrário. Mas já estou feliz em saber que não sou o único que não conseguirá dormir esta noite.
- Até amanha Lucas.
Beijaram por minutos em um beijo quase interminável.

A noite foi longa, porém prazerosa para os dois corações que agora batiam forte. Lucas trancafiou-se em seu quarto escuro como de costume, ainda sentindo o perfume de jasmins nos seus braços que lhe fazia lembrar Patrícia. Ligou o som que ainda tinha o Cd da sua banda favorita e caiu de vez na cama devidamente forrada com uma colcha azul. Era inevitável não pensar naquele beijo, querer mais, desejar o corpo daquela linda mulher. Lucas foi ficando excitado e o desejo de chegar ao prazer foi tomando conta da sua mente...Desejava essa mulher com fúria desde o primeiro dia em que colocou seus olhos nela. Foi ela quem despertou a vontade de fazer sexo nele, e agora mais uma vez os desejos de transar com ela o deixava excitado em pensar em seu corpo nu.
Com movimentos lentos, ele foi abrindo sua bermuda e a massagear seu membro que latejava de prazer enquanto pensava pela milésima vez em ter Patrícia em seus braços...

Patrícia sabia que o que tinha acabado de acontecer era muito serio. Além de ser seu aluno, ele era quinze anos mais novo. E, para os olhos das pessoas, isso é inaceitável. Como vão saber que ela está apaixonada por um garoto de apenas 17 anos? Que seu corpo definido e suas palavras carinhosas agora repetiam em sua cabeça? Como saberiam que tudo isso aconteceu em ambos? Mas, espera ai... Pensou Patrícia, será que ele não quer só ir para a cama comigo? Ou será aquele jovem rapaz um aliado ao governo? Algum espião que trabalha para o partido opositor? Não seria perdoada pelos membros. Muito menos por si mesma.
As dúvidas apareciam na cabeça de Patrícia, não pensou mais nisso e foi dormir.

Alegre e sorridente, Lucas arrumou-se rápido para ir as aulas, logo hoje que teria aula de Inglês com sua tão amada professora. Ele estava nervoso, deve ter treinado seu “discurso” umas 50 vezes e mesmo assim sentia-se inseguro e morto de vergonha em ter de falar com Patrícia depois do apaixonado beijo na sala de estar em sua casa ontem. Tentou concentrar-se em algum livro – que por acaso nem sabia a quem pertencia – porque acabara de tocar o sinal para os dois horários seguidos de inglês. Tentava manter os olhos fixos no livro quando Patrícia entrou na sala repleta de jovens, conversando.

Senso de Justiça, Ação covarde

sábado, 24 de maio de 2008


“Em briga de marido e mulher, não se mete a colher”.

Certa vez estava eu, muito apressada e medrosa, em uma parada de ônibus. Aflita com a não-movimentação da rua, esperava ansiosamente por um ônibus ou qualquer coisa que me levasse para casa. Estava em um local deserto, sem nem ao menos ouvir um som de algo familiar ou nada. Eu estava preocupada. (Com o que meu Deus?!) E enfim veio o ônibus. Entrei apressada e, desapercebida de quem também subia, apenas queria logo chegar em casa, meter-me debaixo de um chuveiro e pensar na minha vida (que tantas vezes a julgo, egoisticamente, triste.). Sentei, e agradeci aos céus, por haver uma cadeira vazia esperando por mim. Estava devidamente acomodada e, como de costume, passei a olhar (e não ver) o que estava passando pela janela. Meu pensamento não estava ali é claro, recapitulei meu dia, pensei no quanto estava cansada, nos problemas da minha vida (não financeiros, mas, amorosos enfim... nada muito sobre o que falar...) pensei diversas vezes como estava apertado ali, como eu queria poder xingar a gorda que espremia meu ombro e meu braço quando passou, como eu queria estar voltando de carro, e quantas vezes pensei que já já estaria em minha cama e poderia, então, dormir.
Depois de várias idas e vindas (da aceleração e freio do motorista do ônibus) cheguei na minha parada. Percebi que outras pessoas também desceram, e que havia um homem na parada de ônibus esperando por alguém. Não tive medo, mas um receio ou algo estranho que senti na hora, mas que passou muito rápido (porque, na verdade, eu estava pensando em dormir desesperadamente.) À medida que fui andando rápido, o tal homem e uma mulher que desceu junto comigo do ônibus também estavam vindo do mesmo caminho que eu ia. Percebi que os dois discutiam fortemente, mas resolvi continuar andando apressadamente, pois faltava pouco para o meu encontro com a cama tão desejada. Foi então que ouvi a mulher gritando:
- Ei moça! – devo confessar que eu sabia que falava comigo. Mas não quis olhar, eu estava com medo. Assaltos, estupro, o que vai se pensar nessas horas? Continuei andando. Ela falou novamente.
- Ei moça! – teimosamente continuei a andar e não olhar para trás, o homem com quem ela brigava estava alguns metros na frente. Foi então que senti o toque de uma mão delicada nos meus ombros. TIVE que me virar.
- Moça, tu me visse na hora que eu entrei no ônibus?
- Desculpa, eu não vi.
- Não percebeu a hora que eu entrei?Tu já tava sentada.
- Não, não vi.
- É que aquele ali ta com raiva, porque acha que eu peguei um outro ônibus do que ele mandou (“mandou?”), ta achando que eu fui me encontrar com outra pessoa...
- Me desculpe, eu realmente não vi. – e eu não vi mesmo.
- Tudo bem, obrigada visse?
Despedi-me dela com um olhar e continuei andando. Cheguei em casa apressada, já com a chave na mão, abri e corri para dentro de casa. Joguei-me debaixo do chuveiro porque eu queria sentir o frio da água caindo no meu corpo. E então, depois de ensaboada, cabelos molhados, parei para pensar no que aconteceu.
Estava estranha, porque, percebi quando aquela mulher me chamou, e me tocou nos ombros, uma mancha em seu rosto, um semblante triste, obscuro, percebi, ao mesmo tempo, que o homem andava depressa e não olhava para trás, apesar de todos os gritos da mulher chamando por ele. Ele estava bravo, ela, com medo. E eu confusa.

Meu deus...Ele ia bater nela!

O descobrimento

sexta-feira, 23 de maio de 2008

1932. Numa biblioteca escolar, meninos e meninas eram divididos por área de influência, livros para meninos, livros para as meninas. Bancos para os meninos, banco para as meninas.
Há, porém, sempre aqueles que quebram as regras.
E certo dia uma menina sentou ao lado de um menino.
Os olhares se voltaram para os dois, que se viam como dois ladrões sendo pegos por policiais.
E assim o fizeram por uma semana.
E nun certo dia, todos haviam ido embora mais cedo. Não restara niguém no colégio além do diretor - sempre em sua cadeira - e a bibliotecária que vira e mexe olhava diretamente para os dois.

- Você já parou para saber o que é ler? - disse o menino ao lado da menina na mesa. Tinha em suas mãos um livro de cerca de 300 páginas.
- Ler é isso, ler um livro, uma história. - disse meigamente a garota.
- Você nunca parou para pensar que neste exato momento tem uma pessoa lendo esse mesmo livro? Talvez até a mesma página, ou até a mesma linha que você?
- ... - a garota olhava estática para o livro.
- Nunca parou para pensar que ler é muito mais do que ler algumas palavras e enteder o significado delas?
- Para falar a verdade não.
- Pois, deixa eu te explicar... Pense em um livro como se fossem seus olhos. Feche-os. - A garota assim o fez. - Agora abra-os lentamente. - Prosseguiu. - Ler faz exatamente o que seus olhos estão fazendo, abrindo. Assim como os olhos abrem, a leitura abre sua mente.
- Queria poder levar isso a todos.
- É esse o sentimento de todos aqueles que são apaixonados pela leitura. Levar isso a todos.
- Nunca parei para pensar que alguém esteve escrevendo estas linhas... será que estava triste? alegre? apaixonado? ou, até mesmo, chorando?
- Incrível não é?
- Sim. - falou a garota que tinha emoção nos olhos.
- Já parou para pensar no que é um beijo?
...

Uma confissão do Inconsciente.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Eu estava sozinha na sala lotada. Ninguém me percebia, eu estava ali, e não estava. Percebi-me observada, mas como, se eu estava sozinha? Estava assim durante dias. E durante dias fui sozinha em salas lotadas. Eu queria sair de mim mesma, e quebrar essa barreira da solidão, mas eu não me permitia, e guardava dentro de mim exatamente aquilo que eu era.
Pois bem. Nunca me misturei na sopa que eu queria estar. Nem nunca deixei que me colocassem lá, apenas queria ficar sozinha. E fui, durante muito tempo. Tive amigos, tive inimigos talvez? Mas como se têm inimigos se você está sozinha? Isso. Meu silencio incomodava.
Incomodou mais ainda quando eu resolvi mudar. E resolvi gritar para quem quiser escutar, ou por descuido, ou por curiosidade, aquilo que eu gritava com coragem. Gritava muitas vezes, não por querer realmente a mudança, mas para expulsar de mim a pessoa que eu mais odiava.
- Já pensou em para que o ser humano existe? – perguntou-me ele, muito simpático. Ah... Há algo que eu não contei. Por ser introspectiva e guardar dentro de mim a minha verdadeira forma de ser, fui muitas vezes influenciada pela literatura que eu comia com os olhos.
- Certamente para fazer as sementes das árvores serem enterradas pelas nossas pisadas e assim florescer o mundo... – falei com certa ironia é claro. – e acho que nem para isso servimos... – Eu estava muito triste neste dia. Uma melancolia que pela primeira vez deixei transpassar pelos meus olhos, pelas minhas mãos até chegar ao coração dele.
- Você é sempre assim? – Não estava surpreso, é claro que ele esperava uma resposta diferente vinda de mim, a verdade é que eu nunca me preocupei em agradar aos outros, e talvez por isso que eu tenha, poucos, mas verdadeiros amigos.
- Me desculpe. Às vezes passo dos limites, e começo a ser chata. Está aqui com tão boa vontade, e eu falando as minhas besteiras. Eu sou uma tola mesmo... – eu realmente estava triste, falava sempre com um olhar fixado na terra e o pensamento na lua.
- Não é tola, é presa. Você tem uma forma de ver o mundo que eu nunca vi antes, tem uma mente lá na frente, e sofre por causa disso. Nunca vai conseguir se adaptar ao mundo em que você vive. Mas... precisa tirar essa tristeza de seu rosto. – Ele levantou meu queixo com os dois dedos de sua mão e, como em muitas vezes, eu estava cara-a-cara com aqueles olhos negros profundos, que me levavam de carona para o centro da terra. Ele era tudo o que eu não era, ou seja, ele era o melhor de mim.
- Sabe...às vezes me sinto medíocre. Não sei explicar...Me sinto culpada por me sentir triste, não tenho esse direito. Tanta gente que vive com tantas dificuldades e contra-tempos e nunca desistiram, e eu me dou a liberdade de chorar. É um crime isso, eu sei. Mas é que eu não consigo evitar... – essa ultima frase eu não falei plenamente, eu a engasguei. E quando se engasga em uma frase, você começa a chorar, e logo percebe que a outra pessoa se segura para não chorar, achando que isso ajuda alguma coisa. Mas ele não. Ele abraçou-me, como tantas vezes ele o fez, pela milionésima vez. Tanto que eu devia a ele, e tão pouco o paguei por isso. A verdade é que eu sou uma espécie epífita, mutualística.
- Ei... Não chore, por favor, detesto isso. Principalmente de você, que me deixa tão feliz. Ok...paramos por hoje tudo bem? Chega de discussões filosóficas e políticas, isso só te magoa. – Não é lindo isso? – O que quer fazer hoje? – perguntou-me com toda a ternura que poderia caber dentro de alguém, e com olhos brilhantes e risonhos, uma boca alegre e inesperada, guardando dentro dela palavras que eu desejava ouvir. Aquela atitude me modificou, e prontamente desabrochei a rosa das lágrimas, e fiz um rio em seu ombro. Eu ainda me sentia sozinha.
- Eu...Eu... – como dizer isso a ele? Dizer que ele me modificou, que me transformou, e que tirou de mim uma parte de mim mesma que eu nunca conheci?
- Fala... – eu estava na praia. Incrível como tudo fica mais colorido, e todos movem de um lado para o outro e as nuvens podem até chover, mas eu estarei protegida pelo cobertor de minha felicidade. Certamente me molharei.
Não precisarei dizer que meus olhos ardiam, que meu peito arfava, que minha mente trabalhava rápido, minha boca e perna tremiam, e as palavras se apagaram do dicionário.
Aproximei-me dele lentamente, e minha mão ia diretamente em seus cabelos, fazer-lhe carinho, talvez... ah Deus, talvez até mesmo beija-lo! Que mágico seria, que perfeito seria! E então hesitei, quando por detrás de mim ouvi a voz dos infernos.
- Ah, você está ai, te procurei por todas as partes. – Era a namorada dele, que o abraçou e o beijou, assim como eu havia imaginado agora pouco, várias vezes.
- O que está fazendo aqui? – perguntou rispidamente. Pareceu confuso para mim, mas não me atrevi a olhar mais, os beijos entre eles eram venenos para mim, e olhar era cravar em meu peito a faca do ciúme.
- Você e ela de novo. – percebi um tom diferente em sua voz, ela flechou-me com um olhar que matou até mesmo a minha alma. Senti-me estranha e acanhada, já arrumava minha coisas em uma bolsa, tirava a areia de minhas roupas e buscava pela minha bicicleta que eu deixei perdida pela praia.
- Espere. Eu não quero que vá. – ele falou diretamente olhando nos meus olhos, ele estava confuso mesmo. Eu estava em um misto de doença e vergonha, queria sim estar ali, mas a presença da outra me fez sentir náuseas. Ele a dispensou, para minha surpresa, e veio até mim ofegante. – E então, o que tinha para dizer? – dizer assim, sem mais nem menos? Como se fosse um recado, ou algo parecido? Nunca.
- Não era nada não.
- Ora vamos... – pegou em uma de minhas mãos e levou até seu rosto, para que eu acariciasse suas bochechas rosadas. Estava frio.
- Deixa para lá, não era importante não.
- Tudo o que vier de você para mim, é importante.
- Volte para sua namorada, ela está te esperando ali na esquina, eu vou para casa.
- Ei... – eu estava mesmo indo embora. – Você parece chateada. O que houve? – parecer chateada?! Eu estava furiosa por vê-los juntos!
- Eu estou apenas cansada. – mentirosa. Ah, boa mentirosa eu sou.
- Não é isso, eu sei que não é. – não, não sou.
Ele me acompanhava pelo caminho até em casa, e me perguntava se a outra não estaria esperando.
- Olha, você não tem de fazer isso tudo bem? Eu estou mau agora, com a perda do meu pai, mas vai ficar tudo bem, não é obrigação sua me fazer sorrir nem nada parecido.
- É assim que você pensa? Que eu estou fazendo um favor para você? Ora por favor, quem me ajuda aqui é você, minhas notas em filosofia estão incríveis! – era uma sátira, que eu não gostei nada, deixar bem claro.
- Vai embora, eu sei chegar sozinha. – pequenas e insistentes lágrimas persistiam em cair. Lágrimas gritantes, que falavam aos berros que eu não queria que ele fosse embora.
- Escuta uma coisa... – ele usava patins, me fez parar de andar com a bicicleta e olhar diretamente para ele. – Eu não sou tonto, nem infantil. Há dias que eu percebo você diferente e quero que me conte o que está havendo. É alguém que está te irritando? Diga-me, irei acertar as contas agora. – Já disse o quanto ele me faz feliz quando fala isso? – Vamos, não chore.
- Eu...Eu... queria tanto te dizer mil coisas.
- Pode dizer o dobro. – abriu um largo sorriso para mim, lindo e simples.
- Mas, nenhuma dessas coisas quer sair de mim.
- Pare de filosofias, pelo menos agora. Quero te entender.
- Você é muito especial para mim. – tremia. Arfava. Gritava muda. Gelei. – era isso que eu queria dizer.
- Por que você não confia em mim? – continuamos a andar a caminho da minha casa.
- Eu confio em você.
- Não parece. É como se estivesse cheia de pensamentos e a ponto de explodir.
- Se não quer acreditar em mim, então pode voltar.
- Deixe de ser criança! Qual é o seu problema? Eu estou aqui, sincero, para você, escutando você, e quer me enganar?
- Não estou querendo te enganar, mas se tem alguma coisa que eu não quero te contar, é porque eu tenho motivos.
- Então existe algo que você quer realmente contar?
- Não tenho nada para contar!
- Então eu não tenho mais o que fazer aqui.
- Às vezes acho que erraram na hora de me mandarem para a terra... – baixei o tom da briga e estava cabisbaixa.
- Você me assusta.
- Eu não sirvo para nada.
- Não é verdade. – puxou-me nos braços e apertou-me contra ele, fortemente. Machucando. Largando-me da bicicleta. – Eu consegui fazer você feliz durante muito tempo, e um pouco do que eu sou, do que eu penso, está dentro de você. Existe um pouco de mim em você, já existe uma razão para eu ter vivido, então já não fui tão inútil.
Fiquei, acredito, que dois minutos olhando para ele. E todas as palavras me traíram. Finalmente chegamos em casa. Mudos.
- Je t'aime. – Despedi-me na porta de casa. E disse essa ultima frase, que vi na tevê, quando ele já estava distante.
- Eu também te amo. – olhou-me e seguiu.

Pensei enlouquecidamente,
...Ele sabia francês!

Vergonha

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Sinto-me o ser mais desprezível do mundo. Sei que muitos se sentem assim, mas não pelos mesmos motivos. Uns se acham inferiores, burros, menos capazes que outros. Já outros se desprezam por seus próprios defeitos, incorrigíveis, e incontroláveis.
Não sei explicar bem em palavras, a magia que é ser adolescente. Tudo parece ser tão longo e duradouro, as opiniões fortes e concretas, e um desejo intenso e unânime de que tudo seja independente.
E é ai que nos afogamos em egoísmo.

Ando pelas ruas de Olinda praticamente todos os dias. Ver as pessoas apressadas para seus trabalhos, cursos e escolas me mostra o quanto somos presos. Sim, presos. Repare... Não há liberdade. Que tipo de liberdade é essa que nós temos? Comprada? Porque, o salário miserável com o qual se vive, horas extras são quase uma regra.
E, infelizmente devo admitir, que eu sou fruto dessa sociedade. Tão egoísta e consumista que aliena a cabeça das pessoas e nos faz sermos mais máquinas e menos seres humanos.
Me pergunto diversas vezes se educação é realmente o caminho para a igualdade social. Passo todos os dias da minha vida, sentada em frente aos livros, estudando. Muitos ao meu redor fazem o mesmo, mas é no dia-a-dia que vemos o efeito daquilo que estudamos.

Há um pai e um filho, catadores de lixo, da principal avenida de Olinda. Eles têm uma carroça, cheia de lixo, e uma disposição para mudar de vida. Incrível como eles, mesmo sem nunca terem estudado, conseguem ser tão mais humanos do que universitários, e PHD’S que eu conheço.

Certa vez, estava eu na parada de ônibus, esperando pelo meu, quando na minha direção oposta lá estão eles dois vindo na carroça, atrapalhando o trânsito e sendo xingados. Parei para observa-los.
O pai saltou primeiramente da carroça, e estendeu os braços para segurar o filho e traze-lo ao chão. Falou algo em seu ouvido que era inaldível posto que os carros do trânsito fazem uma cacofonia de sons. E nada do meu ônibus aparecer.
Continuei a observa-los e a cada segundo que passava, eu tinha um sentimento de pena e inveja daqueles dois. Se remexiam entre as sacolas de lixo, postas ali por pessoas presas em sua rotina diária, e buscavam por coisas recicláveis. Mas não, não era como nós pensamos que são. Olhavam sacola por sacola, uma de cada vez, abriam, mexiam na comida estragada e jogada fora que havia ali dentro, buscavam por latas, papel, garrafas, enfim, tudo que para a sociedade consumidora é lixo, eles fazem vida.
Encontraram algumas latas de cerveja usadas para ver o jogo de futebol através da Tv, duas garrafas PET que as crianças choraram para comprar para o almoço daquele dia, um papelão que embrulhava o mais novo dvd do mercado. Mas não, ele não queria aquele DVD. Ele queria o papelão, que daria a ele alguns centavos.

Perguntei-me naquele exato momento, a razão que havia para tal humilhação. Havia tantas pessoas ali comigo, que nem para eles olhavam. Um estava tomando uma latinha de refrigerante que acabou e jogou perto deles, como quem dizendo “recolhe essa aqui também”. Senti-me imunda. Eu, tão preocupada com notas, família, planos para o futuro, faculdade! E aquele cara tentava garantir para aquele filho, e não sei mais quantos outros, o pão daquele dia.
E então percebi o quanto somos egoístas e cosmopolitas. E me sinto no direito de ser triste, e preocupar-me com problemas fúteis. Chorar desesperadamente por um desejo meu não realizado, mesmo sabendo que em casa terei comida na mesa, pais que me consolam e me amam, e um travesseiro onde pousarei minha cabeça para dormir, não antes de chorar. E eles, que nem travesseiro tinham...
Uma multidão de gente passava por eles todos os dias. Todo dia! E tinham a coragem de nem olhar na cara deles, e nem sequer pensar neles, ou sentir pena. É devastador em mim, o sentimento de impotência que sinto, ao ver aquela carroça, que por si própria já tem vida, e vaga pelas ruas de Olinda. Vê-la passar na frente de porta de casarões, e de casebres, e ter a mesma função. Fazer do lixo de uns, o sustento de outros. Onde deve morar aquele homem e aquela criança? O que deve pensar aquele homem? Que tem todos os motivos para roubar, todos os motivos para ir até aquela parada de ônibus e colocar em minha garganta uma faca e roubar-me a bolsa cheia de aparelhos modernos? Não. Ele não fazia isso, e eu via em seus olhos uma bondade e uma honestidade que não há nas ruas tão freqüentemente. Olho para um lado e o cursinho pré-vestibular está cheio, a aula de hoje? Igualdade Social.
Passou na frente daquele cursinho aquela carroça, que como já disse antes, ninguém olha, ninguém vê. Mas não, acompanhei aqueles dois. Queria segui-los, ajuda-los na catação do lixo, queria conversar com eles. Queria saber como viviam, o que pensavam. Aquele menino tinha brinquedos? Gostava de ler? Sabe cantar? Dança bem? O que será que tem aquele menino, que pode ser um gênio escondido? E aquele pai? O que tem aquele pai que todos os dias percorre aquelas ruas, em um trabalho vergonhoso e incorruptível?

E vejo que em mim, só há ganância e outra vez, egoísmo. Acordo todos os dias, numa dificuldade horrível de levantar-me da cama, encher o bucho de comida, meter-me em uma sala e lá ficar por quatro horas, inxertando novas informações na minha cabeça para, futuramente, entrar em uma universidade. E o que ser? Uma jornalista, e ganhar meu dinheiro, e ser feliz. Ser feliz!(risos) O que é ser feliz meu Deus? Comprar as roupas mais novas da primavera? Ter um carro? Celulares? Ipod?

Foi então que aqueles dois fizeram uma coisa que eu nunca vou esquecer. Organizaram aquela bagunça do lixo. Tão arrumado! Não deixaram nenhum pedacinho se quer, sair correndo pela rua. Tudo estava como estava antes, se não melhor! Pessoas ilustres estas!
Senti-me bárbara, por saber que nem eu mesma tinha a capacidade de ter uma consideração com o lixo. Que eu, com todo o meu estudo, era incapaz de ser tão humanamente educada e respeitadora.
Aquele homem colocou seu filho em cima da carroça, passou por mim e me desejou boa tarde. Fiquei pasmada, boa tarde! Conto em meus dedos as pessoas que fazem isso, e quando fazem!
- Pai, hoje dá para comprar uma bola?

Passei aquela tarde sentindo-me envergonhadamente inútil.
Esta é, meus caros, a democracia do Brasil.

E enfim, veio meu ônibus.

Um surto desesperado.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Há algo que refletir um pouco. Como podem ver na descrição do Blog, aqui eu quero mostrar como podemos ser parte da história, e nunca percebemos isso.
A desição é sua em ser um mero coadjuvante, ou marcar as páginas dos livros de história.
Estamos no século xxi, mas o que me parece é que ele só começou agora.
Vejamos que ano tão fechado:
160 anos do manifesto comunista.
60 da criação do estado de Israel.
120 do fim da escravidão.
100 da imigração japonesa.
100 da morte de Machado de Assis.
40 do nome que tem esse blog.
40 da morte de Marthin Luther King.

E ainda dizem que a numerologia não existe.
Para mim, meus caros, o século das luzes começa agora.
Não lhes parece o fim do ciclo?
Até os USA estão caindo!

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Um surto desesperado.

Visto que nem a loucura me entende
e que joguei-me em uma vala de egoísmo
disfarço-me dentre as multidões gritantes
e já não há mais nada além do vazio.

Percebe-se também a ilusão que há em meus olhos
e que a desesperança me acalma
deixo-me navegar no ópio do amor
e gritar para dentro o desespero dos outros.

em minha face não cabe mais que um sorriso por dia.
contado.
e já não há mais nada, nem o vazio,
foi-se mais uma vez a ultima batida do meu coração.

Um Ultimo Grito Apaixonado

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Um ultimo grito apaixonado.

Declaro morta a minha vida.
Desde o primeiro instante em que me faltou a esperança.
Noites e dias sem ordem, para mim quitou-se a sorte,
De um grande amor, apenas lembrança.

Sinto-me em fúria com a paixão,
Temo que me leve ao caixão,
Para acabar com a dor que me consome.
Meu coração, de amor, tem fome.

Não! Não quero essa vida de sofrimento!
Quero sentimento puro, enlouquecimento!
Não mais roubar o doce do teu beijo,
Ah! Que grande desejo!

Me beija a boca do desespero,
E suja, com vigor, meu veneno,
Teu amor! E com ele, suspiro,
Por favor, em meu coração, dar-me um tiro!

Um conto.

domingo, 18 de maio de 2008

Se um dia Deus foi injusto, esse dia foi na morte de Joãozinho. Naquele dia, o mundo podia ter raiva de Deus, que não ia ser heresia. Naquele dia Deus foi capacho, foi pau-mandado do Diabo. Levou com ele a graça dos dias mórbidos e entediantes da rua 43.

Não se avexe não, que a história da morte de Joãozinho merece até um pedaço de bolo com cafezinho e um lenço no final para depositar as lágrimas. Aqui na cidadezinha não há quem não saiba da sacanagem que Deus fez. Deus tirou da terra um pedacinho de gente que não fazia nada alem de querer bem a vida.

Pois bem. Agora deixemos de prosa que o meu negócio com as palavras não é lá muito o que se orgulhar. Posso até saber contar história, mas escrever é coisa de doutor.

Joãozinho nasceu no dia 10 de fevereiro de 1998. Coisa linda o menino. Muito cheio de saúde, com 3 meses de idade a mãe já nun podia mais com o menino de tão farto que estava! Era muito risonho, ria mesmo, ria de dá gosto. Só o riso dele já era motivo de gargalhada na boca e olhos brilhantes de felicidade. E quando ele começou a falar então? Oxente, era coisa de arrepiar o coração! Era Joãozinho pra cá, Joãozinho pra lá. Quando aprendeu a escrever foi uma alegria só. Aqui não tem muita gente que saiba juntar bem as letras, mas Joãozinho era mestre nisso. O menino, com 5 anos de idade, já tinha colocado as rédeas do lápis e cavalgava numa alegria no rosto e sempre uma idéia na cabeça. Menino muito cheio das inteligências, sabia a explicação pra tudo que era coisa. Por que que o céu era azul e não rosa. Por que que os peixes não se afogavam. Era muita coisa pra um menino tão pequenininho, onde que cabia tanta letra na cabeça eu não sei, eu sei é que agente dava um numero maior que uma folha de Vitória-régia e o danado nun é que decorava? Em segundos!

Um dia Joãozinho cresceu. Já era tempo. Começou a deixar um pouco os estudos de lado para dar umas esticadas na pracinha da cidade. Eita que era muito galanteador! O cheiro dele saia grudando nas casas dos vizinhos, era mais cheiroso que feijoada saindo do forno! As meninas novinhas da idade dele eram loucas para dar um chega em Joãozinho. Famoso ele, muito famoso, tinha fama de bom na cama. Era calado o menino, pra ouvir a voz dele era um trabalho danado. Mais oia, que o bicho nun falava nada. Também, nem precisava, já falavam por ele. Era assunto dos mais comentados! Era como Joãozinho era bom na dança. Como Joãozinho era inteligente. Como Joãozinho era bom com as meninas. Era como Joãozinho era o jardin do Éden das senhoras casadas, que hà anos não batiam o ponto com o marido. Bem, se ele serviu de Éden para essas mulheres não há demônio que me faça contar. Mas o menino era matreiro viu? Era muito cheio das posturas! Falava bonito, calmo. Diferente do povo daqui. Parece até que Joãozinho tinha caído do céu de um lugar bem distante, tão distante que parecia ser de fora da terra. Só assim para explicar o chamego que fazia nos corações das mulheres. Era como feiticeiro, sem caldeirão.

Um dia, um dia só viu? Joãozinho estava chorando. Era de dar dó rapaz! O choro dele era o choro da cidade inteira! Era como se fosse o apocalipse acontecendo! Rapaz, to falando sério, não ria. Lógico que todo mundo queria saber que danado que foi que magoou Joãozinho, se nem as tapas da mãe faziam ele chorar. Não foi muito difícil não. Joãozinho era bom demais, mas era humano (para sorpresa de todos...) Joãozinho tinha uma doença no sangue. Coisa muito complicada cumpadre, nun carece de explicar não. Era tanta gente, mas, tanta gente indo ver o bichinho em casa, que parecia procissão de santo! Era tortinhas, chá, café, boas potocas de carne, vela, tudo pra agradar o doente. Mas Joãozinho não ria mais nada. Era como se tivesse perdido os músculos da cara. Nun mexia mais, se falava pouco, agora nada. Olhe, Joãozinho era tão bom, mas tão bom, que aquela doença só merecia quem tinha pecado nas costas e tinha de pagar na terra de tão ruim. Mas Joãozinho era um anjo na terra cumpadre. Era uma dor tão grande nun sentir mais aquele cheirinho bom nas ventas. Até as festas tinham acabado. A cidadezinha morria junto com ele. Morria novo, antes mesmo de ganhar a vida adulta. Era muito injusto viu? Olhe, quando alguém velho, como eu, morre, ninguém chora não. Já vivi bastante, já estou devendo na terra. Mas Joãozinho? Aquele menino ia ser doutor! Ia estudar na cidade. Tava até pensando em ir pras Europa. Ele mais a mãe dele. Filho exemplar! Chegou a ter filho não, era novinho, tadinho. A cidade inteira acendeu vela pra ele, Deus devia era de ta dormindo naquele dia! Eita raiva! E as meninas choravam. É de fazer chorar ver gente bonita e jovem morrer!

Joãozinho morreu sozinho naquele dia. Era dia de missa, ninguém falta a missa, é pecado. Ninguem queria pecar perto da morte de Joãozinho pra ver se conseguia alguma graça pra ele. Mas olhe, companheiro, não houve reza, canto, vela, escapulário, choro, oração, doação que convencesse Deus a deixar nosso menino um tantinho mais na terra. Era coisa de teimosia.

Ei, cumpadre, nem vi o sol passando! Vou mimbora antes que a mulher pense que nun volto mais. Não, não, nun carece de você levantar da sua cama não, pode ficar, eu sei o caminho de volta. Brigado pelo cafezinho viu? Tava bom que só a gota. Amanhã eu volto pra modo de eu contar mais uma história pra você. Essa de Joãozinho é muito triste, difícil de contar. Mas, fique ai com suas rezas, pra ver se consegue escapar da morte. Vamo ver se Deus te atende. Inté amanhã.