Vergonha

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Sinto-me o ser mais desprezível do mundo. Sei que muitos se sentem assim, mas não pelos mesmos motivos. Uns se acham inferiores, burros, menos capazes que outros. Já outros se desprezam por seus próprios defeitos, incorrigíveis, e incontroláveis.
Não sei explicar bem em palavras, a magia que é ser adolescente. Tudo parece ser tão longo e duradouro, as opiniões fortes e concretas, e um desejo intenso e unânime de que tudo seja independente.
E é ai que nos afogamos em egoísmo.

Ando pelas ruas de Olinda praticamente todos os dias. Ver as pessoas apressadas para seus trabalhos, cursos e escolas me mostra o quanto somos presos. Sim, presos. Repare... Não há liberdade. Que tipo de liberdade é essa que nós temos? Comprada? Porque, o salário miserável com o qual se vive, horas extras são quase uma regra.
E, infelizmente devo admitir, que eu sou fruto dessa sociedade. Tão egoísta e consumista que aliena a cabeça das pessoas e nos faz sermos mais máquinas e menos seres humanos.
Me pergunto diversas vezes se educação é realmente o caminho para a igualdade social. Passo todos os dias da minha vida, sentada em frente aos livros, estudando. Muitos ao meu redor fazem o mesmo, mas é no dia-a-dia que vemos o efeito daquilo que estudamos.

Há um pai e um filho, catadores de lixo, da principal avenida de Olinda. Eles têm uma carroça, cheia de lixo, e uma disposição para mudar de vida. Incrível como eles, mesmo sem nunca terem estudado, conseguem ser tão mais humanos do que universitários, e PHD’S que eu conheço.

Certa vez, estava eu na parada de ônibus, esperando pelo meu, quando na minha direção oposta lá estão eles dois vindo na carroça, atrapalhando o trânsito e sendo xingados. Parei para observa-los.
O pai saltou primeiramente da carroça, e estendeu os braços para segurar o filho e traze-lo ao chão. Falou algo em seu ouvido que era inaldível posto que os carros do trânsito fazem uma cacofonia de sons. E nada do meu ônibus aparecer.
Continuei a observa-los e a cada segundo que passava, eu tinha um sentimento de pena e inveja daqueles dois. Se remexiam entre as sacolas de lixo, postas ali por pessoas presas em sua rotina diária, e buscavam por coisas recicláveis. Mas não, não era como nós pensamos que são. Olhavam sacola por sacola, uma de cada vez, abriam, mexiam na comida estragada e jogada fora que havia ali dentro, buscavam por latas, papel, garrafas, enfim, tudo que para a sociedade consumidora é lixo, eles fazem vida.
Encontraram algumas latas de cerveja usadas para ver o jogo de futebol através da Tv, duas garrafas PET que as crianças choraram para comprar para o almoço daquele dia, um papelão que embrulhava o mais novo dvd do mercado. Mas não, ele não queria aquele DVD. Ele queria o papelão, que daria a ele alguns centavos.

Perguntei-me naquele exato momento, a razão que havia para tal humilhação. Havia tantas pessoas ali comigo, que nem para eles olhavam. Um estava tomando uma latinha de refrigerante que acabou e jogou perto deles, como quem dizendo “recolhe essa aqui também”. Senti-me imunda. Eu, tão preocupada com notas, família, planos para o futuro, faculdade! E aquele cara tentava garantir para aquele filho, e não sei mais quantos outros, o pão daquele dia.
E então percebi o quanto somos egoístas e cosmopolitas. E me sinto no direito de ser triste, e preocupar-me com problemas fúteis. Chorar desesperadamente por um desejo meu não realizado, mesmo sabendo que em casa terei comida na mesa, pais que me consolam e me amam, e um travesseiro onde pousarei minha cabeça para dormir, não antes de chorar. E eles, que nem travesseiro tinham...
Uma multidão de gente passava por eles todos os dias. Todo dia! E tinham a coragem de nem olhar na cara deles, e nem sequer pensar neles, ou sentir pena. É devastador em mim, o sentimento de impotência que sinto, ao ver aquela carroça, que por si própria já tem vida, e vaga pelas ruas de Olinda. Vê-la passar na frente de porta de casarões, e de casebres, e ter a mesma função. Fazer do lixo de uns, o sustento de outros. Onde deve morar aquele homem e aquela criança? O que deve pensar aquele homem? Que tem todos os motivos para roubar, todos os motivos para ir até aquela parada de ônibus e colocar em minha garganta uma faca e roubar-me a bolsa cheia de aparelhos modernos? Não. Ele não fazia isso, e eu via em seus olhos uma bondade e uma honestidade que não há nas ruas tão freqüentemente. Olho para um lado e o cursinho pré-vestibular está cheio, a aula de hoje? Igualdade Social.
Passou na frente daquele cursinho aquela carroça, que como já disse antes, ninguém olha, ninguém vê. Mas não, acompanhei aqueles dois. Queria segui-los, ajuda-los na catação do lixo, queria conversar com eles. Queria saber como viviam, o que pensavam. Aquele menino tinha brinquedos? Gostava de ler? Sabe cantar? Dança bem? O que será que tem aquele menino, que pode ser um gênio escondido? E aquele pai? O que tem aquele pai que todos os dias percorre aquelas ruas, em um trabalho vergonhoso e incorruptível?

E vejo que em mim, só há ganância e outra vez, egoísmo. Acordo todos os dias, numa dificuldade horrível de levantar-me da cama, encher o bucho de comida, meter-me em uma sala e lá ficar por quatro horas, inxertando novas informações na minha cabeça para, futuramente, entrar em uma universidade. E o que ser? Uma jornalista, e ganhar meu dinheiro, e ser feliz. Ser feliz!(risos) O que é ser feliz meu Deus? Comprar as roupas mais novas da primavera? Ter um carro? Celulares? Ipod?

Foi então que aqueles dois fizeram uma coisa que eu nunca vou esquecer. Organizaram aquela bagunça do lixo. Tão arrumado! Não deixaram nenhum pedacinho se quer, sair correndo pela rua. Tudo estava como estava antes, se não melhor! Pessoas ilustres estas!
Senti-me bárbara, por saber que nem eu mesma tinha a capacidade de ter uma consideração com o lixo. Que eu, com todo o meu estudo, era incapaz de ser tão humanamente educada e respeitadora.
Aquele homem colocou seu filho em cima da carroça, passou por mim e me desejou boa tarde. Fiquei pasmada, boa tarde! Conto em meus dedos as pessoas que fazem isso, e quando fazem!
- Pai, hoje dá para comprar uma bola?

Passei aquela tarde sentindo-me envergonhadamente inútil.
Esta é, meus caros, a democracia do Brasil.

E enfim, veio meu ônibus.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sem palavras!=*

Anônimo disse...

woooow Flááá!!
Realmentee, eu também não tenho nem palavras...
vc conseguiu ir lááá no fundo hein?? e captou direitinho como é a nossa realidade!!