Paradoxo

quinta-feira, 26 de junho de 2008



Paradoxo.

Eu, que roubo pão
sou ladrão.
Tu, republicano, que roubas um país
e mata seu povo,
sois imperador?

Flávia Braga

Codinome Orquidea - Parte 8 (final)

quinta-feira, 19 de junho de 2008


Lucas adormecera pouco tempo depois. Patrícia o deixou sozinho no quarto para que dormisse bem. Foi até a cozinha comer algo, pois já era tarde. O Diretor também dormira, não havia o que fazer. Os livros eram quase todos proibidos, a televisão mentia, e os jogos eram feitos em dupla, e não havia com quem jogar, Patrícia era péssima.
Mas, ao abrir a porta da geladeira a procura de algo para comer, ela sentira um embrulho no estômago. Correu até o banheiro e vomitou toda a comida que tinha comido no dia.

- Ah não. – Já percebera do que o vomito significava. – Não...Não...

Limpou seu rosto, escovou os dentes. E se sentou no sofá. O que faria? Logo, a cigarra tocou e foi ver quem era.

- Olá! – Viu a mãe de Lucas entrar.
- Olá dona Maria, como vai?
- Não tão bem quanto eu gostaria que estivesse. Mas o que houve com você? Está pálida!
- Nada. Nada aconteceu.
- Como está Lucas? Melhorou?
- Ah sim, ele acordou hoje pela manhã e já tentou andar. Teimoso que só ele.
- Ah sim, muito.
- Agora ele está dormindo, mas está bem.
- Tem certeza que você está bem? – Perguntou quando viu um antienjoativo em cima da mesa.
- Sim estou. Só um pouco zonza do protesto de ontem.
- Ah, tudo bem.

Conversaram mais um pouco e Maria fora embora. Patrícia permaneceu calada o resto do dia, mesmo depois que Lucas acordara. O que faria com um bebê em seus braços, tendo que fugir? Como conseguiria dar uma vida a seu filho sendo sempre procurada do governo? Não poderia deixar isso...

- Vem cá. – Pediu Lucas assim que acordou e viu Patrícia ao seu lado. Beijaram-se.
- Como está?
- Só dói um pouco quando eu me mexo. Mas minha querida, como você está?
- Estou bem.
- Não parece.
- Só estou com dor de cabeça. Preocupada como vamos fugir daqui.
- Temos que arranjar um jeito.
- Sim temos. – Pensava no bebê.

Enquanto conversavam, a porta fora arrombada pelos policiais. Entraram com fúria dentro da casa. Cinco homens armados e vestidos de negro revistaram a casa de cabeça para baixo. Encontraram Patrícia e Lucas no quarto, eles não tiveram como fugir.

- Estão presos. Não reajam. – Patrícia viu o pai de Lucas dentre os cinco homens e seu coração disparou. Não havia para onde ir.
- Você de novo! – O pai de Lucas aproximou-se de Patrícia e lhe deu um murro no rosto que a fez cair no chão.
- Pare! – Lucas gritou na cama, mas dois dos soldados o seguravam para que não escapassem.
- Vão precisar de muita reza para saírem do quartel agora. – Falou o pai. – Levem-nos.
- Não! – Patrícia se debatia nas mãos de outros dois soldados. Mas era inútil. Olhava Lucas dentro dos olhos e chorava compulsivamente.
- Pai! Deixe-a, leve a mim! – Mesmo contundido Lucas ainda tentava livrar-se.

Qualquer tipo de pedido fora inútil. O quartel estava mais cheio que das duas vezes que Patrícia passara por ele. Havia no pátio uma enorme leva de pessoas que andavam seminuas para que fosse feita a revista. Viu, dentre eles, Carlos e Jorge o os olhou com pena.
Lucas e Patrícia foram levados para dentro do prédio principal do quartel. Colocados de frente para o outro em uma sala de interrogação. Sentiram vontade de se abraçarem, mas eram impedidos pelos policiais. Patrícia chorava, e Lucas estava sério.

- Digam onde está o Diretor do colégio Vinícius de Moraes. – Falou o mesmo General que interrogara Patrícia.
- Olá General, quanto tempo! – Exclamou Patrícia. Lucas a olhava com desespero.
- Senhora Patrícia! Como este mundo é pequeno não é mesmo?
- Muito.
- Então deve saber que o seu protegido logo será encontrado.
Silêncio.
- Sabe o Capitão Roberto? Está louco para te ver. – Exclamou, mesmo sabendo que Lucas era filho dele.
Patrícia ainda derramava lágrimas.
- Ele não vai... – Lucas tentava qualquer coisa para livrar Patrícia do que vinha na sua mente.
- O senhor fique calado! - Disse o General, dando ordens para o soldado bate-lo.
- Não! – Patrícia pedia.
- Ah... Achamos o ponto fraco da senhora Patrícia.
- Não faça nada contra ele.
- E quem determina isso? Você? Olha aqui senhora patrícia eu já fui muito tolerante com a senhora, não vou ser mais. A sua beleza encanta vários dos meus militares e sabe como é, ter carne fresca no quartel é muito difícil. Poucas são as mulheres que chegam até aqui, ou são mortas antes disso. Pode ter certeza que só está viva porque serve de diversão para meus soldados!
- Saia de perto dela! – Lucas debatia-se, e a cada vez que o fazia, o soldado o batia com mais força.
- Gostou? Quando o Capitão a comeu aqui mesmo nesta sala? Gostou? – Se esfregava nela e olhava para Lucas com ironia. Queria que ele se exaltasse e assim conseguisse a informação que ele queria. – Hoje será minha.
- Seu filho de uma puta! SAIA DE PERTO DELA! – O soldado puxou uma das mãos de Lucas e quebrou o seu dedo mindinho. Ele gritara de dor.
- Não por favor, não! Faça qualquer coisa comigo, mas não o machuque! Por favor, não!

O General roçava seu membro em Patrícia. Ela estava de pé, com algemas e não se mexia, enquanto que Lucas estava sentado e olhava tudo.

- Não faça isso! – Lucas se levantava da cadeira e mais outro soldado estava lá para bate-lo. Fora surrado duas vezes.
- Até que o Capitão tem bom gosto. A senhora tem um corpo lindo! – Falava no ouvido de Patrícia. Lucas estava incontrolado e ela não se movia de onde estava. – Tirem-no daqui.
- Não! Não!... – Debatia-se. – Me soltem! Eu não vou sair! Não toque nela seu desgraçado! Não encoste suas mãos sujas nela!
- Coloquem-no para que escute tudo na sala ao lado.

Os soldados muito dificilmente tiraram Lucas da sala onde ele, o general e Patrícia estavam. O colocaram em uma cela que ficava do lado da sala de interrogação e ele sentou-se no fundo da cela. Colocou as mãos em seus ouvidos para que não escutasse nada, mas era impossível, pois as paredes eram finas e havia pequenas janelas na barra inferior das paredes para que passasse o ar e também o som. Muitos presos eram assim interrogados, sem aproximação de soldados com presos.
Na sala de interrogação. No exato momento em que Lucas fora tirado, o general empurrou Patrícia para o chão, a deixou de frente para o teto e a olhava caída no chão. Ajoelhou-se até seu corpo.

- Tire a roupa.

Patrícia o fez, sem falar nada. Lucas era impedido de falar por um soldado que estava ao seu lado. Quando Patrícia estava nua, o general abriu seu zíper e deitou-se sobre ela. O peso de um homem adulto sobre a barriga de Patrícia a fez chorar de dor. Lucas escutava tudo do lado da sala, os gemidos de prazer do general, assim como suas ordens para Patrícia “Vire...Chupe.” Como os gritos de dores que Patrícia sentia sobre sua barriga, e sobre seus órgãos genitais que doíam com tamanha agressão.

- Já é o suficiente por hoje. Ficará nesta sala como sempre. Espero que goste de estar do lado do seu amorzinho. Ele acaba de escutar tudo. – Patrícia olhou-o perplexa. Mas virou-se assim que o general saiu. Arrastou-se pelo chão, até uma das pequenas janelas que havia na parte inferior da parede.
- Lucas... Está ai?
- Ah meu amor, eu sinto muito... Eu não pude fazer nada eu...Sou um fraco, me perdoe!
- Temos que nos proteger aqui dentro. Foi o necessário. – Suas mãos se tocavam pela pequena passagem.
- Está doendo muito? – Lucas a viu com os braços envolvendo a barriga.
- Sim. – Os rostos estavam deitados no chão, só assim era possível que se vissem.
- Olá Lucas. – Falou o seu pai na porta de sua cela. Havia mais dois policiais ao seu lado.
- O que está fazendo aqui? – Patrícia escutava tudo do outro lado.
- Diga a eles onde está o Diretor e talvez sairá daqui. Lucas é a única forma, se não disser, não poderei fazer nada por você.
- Eu não sei. – Murros.
- Ainda não sabe? Podem bater, até ele dizer.

Os soldados o bateram por muitos minutos. Sua barriga, suas costelas, seus braços, tudo havia sido espancado. Quando começou a espirrar sangue, o Capitão fora chamado mais uma vez.

- Capitão, ele não sabe de nada. Não adianta.
- Lucas...É bom falar, ou quem vai sofrer agora é ela.
- Pelo Amor de Deus! Já disse que eu não sei de nada!
- Como não?! Estavam na casa dele e não sabiam onde ele estava?!
- Ele saiu para comprar comidas que estava acabando, por Deus, eu não sei! – Lucas falava com dificuldade.
- Então quem vai sofrer agora é sua amada. Porque sei que não irá dizer nada enquanto estiverem te batendo.
- Pai! Não faça isso! Por favor, não! Não!

O Capitão deu as costas a seu filho e ordenou que os três soldados que estavam ali saíssem. Caminharam até a outra porta e entraram.

- Acho que está cansada de apanhar hoje senhora Patrícia. É bom falar.
- Eu não sei de nada.
- Soldados! – Ordenou que batessem. Patrícia levou chutes e murros. Tentava proteger sua barriga, mas era impossível. Estirada no chão, os soldados a chutavam com força.
- Parem! Por favor!
- Continuem. Patrícia onde está o Diretor? Tenho certeza que sabe.
- Eu não sei, já disse que não sei!
- Continuem!
- Não, parem! Por favor! Eu estou grávida! – Lucas escutara.
- Ora Ora...
- Por favor...Eu já disse que não sei.
- Só sairá deste quartel quando disser.

Patrícia permaneceu estirada no chão depois que os soldados saíram. Encolheu-se sobre sua barriga e não olhava para Lucas. O sangue escorria de seu nariz, de sua boca e sua barriga ainda doía.

- Patrícia... – Chamava Lucas pela brecha.
- Desculpa... – Não conseguia mover-se.
- Por que não me disse?
- Eu tive medo...
- Medo de que?
- De não poder criar meu filho.
- Deveria ter me dito...
- Desculpe...

Os dias se passavam e todos os dias sessões de tortura aconteciam. Choques, murros, pontapés, sal, banho de jato, fumaça. Tudo acontecia e os soldados não tinham a resposta que queriam. Patrícia estava sofrendo com a perda do bebê que não agüentou ao segundo dia de tortura e viu-se abortando. Passara todos os outros dias chorando.

- Vamos sair daqui. – Dizia Lucas todas as vezes que podiam se falar.
- Onde está o Diretor Lucas? Onde que ele foi parar?
- Se ele não aparecer vamos morrer aqui.

A situação no país se agravava. Todos queriam saber do que foi feito o
”Garoto do Livro”. Nos jornais nada saia, e até mesmo os próprios policiais se contradiziam.

- Eles só poderão ser soltos quando o depoimento do Diretor do colégio Vinícius de Moraes for documentado, só assim saberemos se eles foram ou não os iniciantes do protesto. – Falava um soldado em uma rede de televisão.
- Mas, e se o tal Diretor nunca aparecer?
- Eles não poderão ser soltos.
- Mas isso gerará um descontentamento muito grande na sociedade. O presidente vem tendo sua preferência despencando todas essas semanas. Se a professora de língua estrangeira e o aluno ficarem presos, vai ter uma revolução no país.
- Garantiremos o bem estar comum.

Há 564km da cidade onde Lucas e Patrícia estavam presos. Havia um posto de recarregamento de carros. Um cliente, após o recarregar seu carro, foi até a loja de conveniência para pagar. Não havia ninguém que recebesse o dinheiro e então procurou em volta. Ninguém. Tinha resolvido ir embora sem pagar. Escutou um gemido. Parou um instante para ouvir mais. Outro gemido. Viu uma brecha entre aberta de uma porta. Pegou sua câmera. Ajustou-a para gravação e então abriu.
Viu, atado à uma cadeira um senhor que aparentava ter 60 e poucos anos. E um de pé que estava batendo nele. Começou a gravar tudo.

- Você sabe em que país está Buarque?
- Já disse que não. – Respondeu secamente.

O homem continuava a gravar. E então, vendo que se tratava de algo do governo, decidiu se esconder. Esperou por muito tempo o interrogador sair. E quando saiu, entrou no recinto onde o velho estava.

- Quem é o senhor? – Perguntou tirando os cordões que o prendia na cadeira.
- Não posso dizer meu rapaz.
- Olha, meu carro foi carregado. Eu posso te tirar daqui, mas tem de ser rápido. Aquele policial vai voltar rapidamente e pode nos ver aqui.
- Por favor, faça isso.
- Pode andar?
- Posso tentar.

Mas o velho não conseguia andar. O rapaz então guardou sua câmera e levou em seus braços o velho. O colocou dentro do carro e disparou para a estrada.

- Para onde o senhor quer ir?
- Leve-me para onde estão os presos do protesto. Só quero isso.
- Então o senhor é o... – Olhou espantado.
- Sim. Preciso tirar aqueles pobres de dentro daquele quartel.
- Eu gravei tudo o que aconteceu naquele posto, podemos usar para tira-los sem que se exponha.
- Gravou? – A estrada estava livre.
- Sim. A fronteira com a Venezuela é daqui a 600km mais ou menos, podemos chegar lá e publicar de fora. Assim não vamos ser presos.
- Mas como vamos tirar os dois da cadeia?
- Confie em mim senhor, sei o que estou fazendo. Esse ditador vai cair em pouco tempo.

Pararam em um bar de estrada pouco tempo depois. Não havia nada por perto. Apenas uma senhora que estava sobre o balcão com um pano em seu ombro. E olhava a televisão enfadonha.

- Pode me preparar dois sanduíches completos e café? – Pediu o rapaz a senhora sobre o balcão.
- Claro. – Virou-se para fazer. – Que absurdo dizem na televisão não é? E ainda tem gente que acredita! Como que os comunistas vão fazer vírus sem nem ao menos ter dinheiro? São só estudantes...
- É. Um absurdo.
- Ouviu o que disseram agora? Que os dois coitados que foram presos injustamente estão mortos?!
- O que?! – O Diretor perguntou espantado.
- É, foi o que disseram. Mas, não é verdade, todo mundo sabe que eles estão vivos...
- E como a senhora sabe?
- Eles mandam cartas todas as semanas para a rádio que transmitiu o protesto. Os militantes que são burros e não entendem de códigos.
- Como assim? – Perguntou o rapaz à velha.
- Eu não sei como eles fazem, só sei que as cartas chegam à radio toda sexta feira. A gente sabe que são eles porque eles assinam.
- Eles assinam?!
- Sim. Orquídea e Lírio.
- E os militantes não vêem isso?
- Eu não sei. Acho que nem eles dois sabem que os textos estão sendo publicados. As cartas são escritas de um para o outro. Como se eles estivessem em celas distantes.
- A senhora tem alguma aí?
- Ah...Tenho sim. Estou torcendo tanto por eles. Deixe-me ver, tenho um pedaço de uma carta do Lírio para a Orquídea.
- Leia, por favor. – Pediu o Diretor.
- “Seja forte minha linda. Que ainda temos de ver o sol mais uma vez na vida. Que ainda vamos ter um filho. Vamos ainda viver em um país justo e livre. Quero que me perdoe mais uma vez por ontem, não pude impedir que meu pai fizesse aquelas atrocidades com você. Sou covarde, sou fraco. Mas vamos sair daqui.” – A senhora não conseguiu impedir que caíssem algumas lágrimas.
- Meu deus... – Exclamou o rapaz.
- Eles não sabem que está sendo publicado. – Disse o Diretor.
- E as pessoas que estão publicando não foram presas?
- Sim foram. Mas sempre tem alguém que publica. Não querem que morra esse sentimento deles.
- Temos que ajuda-los.
- Bem, está pronto. Vocês parecem famintos.
- Sim estamos. – Disse o jovem.

No quartel. Mais uma vez Patrícia e Lucas foram postos um de frente para o outro. Dentro da sala havia quatro soldados, o Capitão e o General. O semblante de cansaço e tristeza estava na cara dos dois. Patrícia olhava para Lucas com tristeza e implorava pelos olhos por um beijo. Assim estava Lucas, que além do mais, tinha ódio no seu coração e tinha vontade de matar seu próprio pai. Não agüentava mais ouvir na calada da noite Patrícia ser violentada e não poder fazer nada.

- Saibam, que vocês só não estão mortos por ordem direta do presidente. – Disse o General que sentava entre os dois.
- O que quer agora? – Perguntou Lucas.
- Estou esperando ordens vindas de cima. Enquanto isso vocês terão de ficar separados.

A televisão apresentava novamente o jornal nacional quando a sua transmissão fora interrompida. Na central de tevê, tudo passava como se a transmissão estivesse normal, mas para os civis, isso era um sinal de que algo muito importante estava para ser dito na rádio local. Logo, todos estavam desligando suas televisões e se juntavam em famílias pára escutar aquela que seria mais uma carta do casal que viraram símbolo do heroísmo nacional, um heroísmo que estava desaparecido à muitos anos e que dava a todos uma nova esperança de liberdade.

- O que houve exatamente no dia 19 de maio de 2085? – Perguntou um rapaz. Aquilo que parecia ser uma gravação.
- Eu havia saído de casa pela tarde para comprar alguma comida. Estávamos sem nada na geladeira e sem nada no armário. Sabia que a Orquídea estava grávida, acho que ela não. E sabia que precisava se alimentar bem. Estava muito preocupada com o Lírio, pois ele havia sido baleado um dia anterior pelos policiais no protesto. Havia perdido muito sangue.
- Ele ficou muito inconsciente?
- Virou a noite assim. Só acordou no outro dia.
- Mas, o que aconteceu então?
- Bem, eu saí de casa para comprar algo, porque a Orquídea tinha de ficar com o Lírio. Quando voltei, não havia ninguém mais, a casa estava revirada, os móveis todos caídos.
- E depois?
- Depois eu tentei saber o que aconteceu. Mas um soldado veio atrás de mim na minha casa, e como eu sou um velho de 60 anos, não pude resistir. E então ele me levou para um posto muito longe dali. Fui mantido prisioneiro por muitos dias.
- Mas, o governo afirma que o casal só não foi solto porque o senhor havia fugido. Então na verdade, foi seqüestrado pelos próprios policiais?
- Isso mesmo.
- O rapaz que o resgatou disse que tem um vídeo de onde o senhor estava sendo mantido em cativeiro. Vai ser mostrado na tevê?
- Veremos.

Dentro do quartel, Lucas estava em sua cela. Estava, como de costume, riscando a parede e contando a quantidade de dias que estava passando dentro da cadeia. Patrícia estava dormindo, ou pelo menos tentando. O sono era interrompido por gritos de dor que viam de outras celas. Aquela tortura já contava dois meses, parecia uma eternidade.

- Está solto Lucas. Você e sua amada só vêm trazendo problemas para o meu país. – Disse o general secamente. Em frente à porta.
- Solto? – Espantado.
- Está surdo? Saia!
- Nenhum governo sobrevive sem o apoio do seu povo não é General? – Falou em tom de deboche.

O General caminhou alguns passos até a cela de Patrícia e Lucas o acompanhava, tinha uma expressão de felicidade em seu rosto que em dois meses não se atreveu a ter. Patrícia, que havia escutado o que aconteceu na cela de Lucas, já estava prontamente levantada e esperava para ser solta. Ela havia perdido seus cabelos, sua roupa estava rasgada e suja, havia emagrecido drasticamente. Assim como Lucas, tinham escoriações pelo corpo, cortes, manchas roxas...

- Pode sair. – Disse o General.

Os dois se abraçaram no meio do corredor do presídio e se deram as mãos. Foram caminhando até o portão de saída, mas algo os entristeciam. Havia ainda muita gente ali dentro, que precisava ser solta.

- Temos que lutar por eles Lucas.
- Eles vão sair, como nós. Esse governo tem seus dias contados.
- A quem devemos agradecer isso?
- Ao povo. Sem o apoio deles não teríamos vivido.
- Ao povo.

“Uma vez o General me perguntou pelo quê que eu lutava. E eu não o respondi com clareza. Acho que agora posso dizer, Lírio, que aquilo pelo que eu luto está muito escondido dentro das pessoas, e nem elas mesmas sabem pelo que elas lutam. Meu amor, o que me alimenta estes dias é saber que você está vivo, e que vamos ver aquele pôr do sol que me prometeu. Há dois meses que eu não vejo o sol, mas quantos lá fora estão vendo? E me pergunto, será por eles que eu luto? Ou pela vontade que eu tenho de ver também?

Te amo,
Orquídea.”

Codinome Orquídea - Parte 7

domingo, 8 de junho de 2008


Lucas foi arrastado para fora da multidão por um alguém que Patrícia não conseguira ver. Jorge e Carlos a puxavam para fora da multidão e da briga que agora acontecia. Os policiais atiravam nas pessoas e estas apedrejavam e corriam para salvar suas próprias vidas.
Na rádio, só se escutavam pessoas implorando, morrendo, tiros e ordens policiais para que matassem principalmente os jovens. As famílias escutavam perplexas nas suas casas tudo o que acontecia e outros corriam para fora de casa.
Jorge e Carlos conseguiram tirar Patrícia em meio da multidão. Ela chorava sem conseguir parar e se rendia ao cansaço e a força dos meninos.

- Patrícia, Lucas nos pediu para que qualquer coisa que acontecesse com ele você deveria ser tirada do país imediatamente. – Jorge tentava acalmar o coração partido de Patrícia. Estavam os três sentados no chão de um bar que tentava fechar as portas.
- Senhor, por favor, nos ajude. Pode nos esconder até o protesto acabar? – Pediu Carlos àquele que parecia ser o dono do bar e havia conseguido fechar suas portas com eles dentro.
- Claro. Acabei de escutar tudo pela rádio, que absurdo! Mataram aquele pobre garoto! Eu o conhecia! – Patrícia soltou outro choro desesperado.
- Eu tenho de ir salva-lo. – Gaguejava.- Não posso deixa-lo lá.
- Patrícia, tudo o que você pode fazer é sair desse país.
- Ele não pode ter morrido... Não pode, ele queria ter um filho! Um filho!
- Eu sinto muito. – Jorge a abraçou.
- Descanse. Há muito que fazer amanhã, vamos precisar sair cedo. – Alertou Jorge, que tentava olhar entre as brechas da porta do bar o que acontecia.

E ali ficaram por muitas horas. Patrícia não conseguira dormir. Escutava do lado de fora pessoas serem presas, tiros, mortes. Mulheres que gritavam, lutas, sangue. As pessoas se trancavam nas suas casas. Mas a polícia invadia todas elas, e não sabia como não haviam invadido também o bar onde estavam. Às duas da manhã, ela decidiu levantar-se e sair do bar. Jorge e Carlos haviam adormecido, provavelmente haviam ficado acordados para vigia-la e não deixar que escapasse. Mas não poderia continuar ali, e muito menos ir para a Venezuela sem saber o que havia acontecido com Lucas. Saiu na calada da noite por uma porta que estava apenas no ferrolho e deixou os dois companheiros para trás. As ruas estavam desertas, o comércio havia sido saqueado e ainda havia pessoas caídas no chão. Uns vivos, outros mortos. Mas o Ministério estava intacto. Ninguém conseguiu chegar perto dele, e ainda havia militantes ao seu redor. Passou por entre as sombras e caminhou lentamente pelas ruas para que não fosse vista. Para onde iria? Se fosse até o quartel, provavelmente a prenderiam e não veria Lucas de qualquer maneira. Estaria ele no hospital? Não. Também deveria ser presa. Os hospitais, desde o começo da ditadura, eram vigiados. Onde estaria então? Sabia que alguém tinha o pego quando começou a luta, mas quem?

- Será que ele conseguiu? – Perguntou de frente à porta da casa do Diretor.

Tocou a cigarra duas ou três vezes. Resolveu então olhar toda a casa do lado de fora e ver se havia alguém dentro. Percebeu, quando chegou na janela da cozinha uma chaleira que tinha água fervendo. Olhou em volta mais não havia ninguém. Viu, de repente, um vulto passar pelo corredor. Havia alguém. Amigo ou inimigo? Pensou.

- Patrícia! – Exclamou o Diretor quando a viu do lado de fora da casa.
- Ah Graças a Deus tem alguém! – Sentiu-se muito feliz em vê-lo.
- Venha, entre, deve estar com frio e fome.
- E Lucas? – Estava aflita.
- Venha, ele está aqui dentro. – Falou triste.

Caminharam até dentro da casa e logo depois até o quarto onde Patrícia e Lucas haviam dormido. E lá estava ele, inconsciente, sobre a cama. O Diretor havia tirado sua roupa e feito chá para ele.

- Como ele está? – Patrícia aproximou-se do corpo de Lucas com carinho e sentou-se a seu lado.
- Está assim desde que levou o tiro. Não podemos leva-lo para o hospital, está sendo vigiado.
- O que faremos então?
- Não sei. Não sei como extrair a bala das costas, acho que não pegou em nenhum lugar importante. Só está perdendo muito sangue.
- Traga mais pano. Vou limpa-lo.
- Está certo. – E saiu do aposento.
- Lucas...Como achou que eu iria mesmo á Venezuela? – Acariciava-o. – Seu bobo. Só faz loucura.
- Aqui está. – Chegou o Diretor cheio de panos.
- A mãe de Lucas é enfermeira. Mas não sei como contata-la sem que o seu marido saiba.
- Eu posso ir lá.
- Faria isso por mim? – Suplicava com os olhos.
- Já estou indo. Espero que tenhamos sorte.

Patrícia tirou o lençol que cobria Lucas. Mesmo fazendo frio aquela noite, precisava limpar todo o seu corpo. Limpava o sangue que ainda escorria e o esquentava com seu corpo. Trancou todas as janelas e colocava velas no quarto para que este ficasse mais quente. Colocou panos quentes sobre seu corpo e o acariciava vez ou outra.

- Meu filho! – A mãe de Lucas havia chegado.
- Que bom que a senhora veio, muito obrigada! – Exclamou Patrícia ao vê-la.
- É meu filho! Como não viria?
- Ele levou um tiro nas costas, está sangrando muito.
- Vocês foram ao protesto?
- Não soube? – Espantou-se.
- Meu marido tirou todas as rádios de casa.

Silêncio. A mãe pediu para que virasse Lucas de costas para que visse o ferimento. Esterilizou alguns objetos hospitalares que tinha e tentava tirar a bala cravada em suas costas. Por fim tirou.

- É uma bala de borracha. Não entrou muito na carne.
- Graças a Deus!
- Patrícia, eu sei o quanto meu filho te ama. Por favor, cuide bem dele.
- Já vai?
- Sim, meu marido irá perceber minha falta, tenho de ir. – Beijou o filho na testa e saiu.
- Será que ele vai ficar inconsciente por muito tempo? – Perguntou Patrícia ao Diretor.
- Não faço a menor idéia.

E ficou. Por horas e horas. Já era domingo pela manhã e Lucas dormia, desta vez com um semblante sereno. Patrícia adormeceu ao seu lado, numa cadeira. O sol já raiava e já era outro dia quente. Parecia que nada havia acontecido.

- Acorde Patrícia. Venha comer um pouco, está sem comer nada desde ontem. – Falou o Diretor abrindo a porta em de leve.
- Que horas são?! – Patrícia levantou assustada.
- São dez da manhã.
- Ah que droga! Perdemos o caminhão de soja... – Triste.
- Não poderiam ir de qualquer forma. Lucas está inconsciente até agora, como iria leva-lo?
- Os seus amigos iriam ajudar. Mas que droga...
- Tudo bem. Podem ficar aqui o quanto quiser.
- Estamos pondo em risco a sua vida. Não posso permitir isso.
- Ora minha cara...Sou um velho de 60 anos, pondo risco em minha vida? Ela já acabou faz muito tempo. Anda, vem comer. Ele vai ficar bem. – Patrícia olhou para Lucas que ainda dormia.
- O que temos para comer hoje? Está fazendo um cheiro bom...Parece...Café! – Nasceu um sorriso em seu rosto.
- É. Tenho um pouco que veio da fronteira.

O Diretor e Patrícia foram até à sala para tomarem seu café da manhã. Estavam calados enquanto comiam. Patrícia refletia sobre o que fazer em seguida. Certamente o pai de Lucas estava procurando por ele e por ela também, e não ia ser tolerante com nenhum dos dois quando soubesse que eles tinham participado do protesto do dia anterior.

- Patrícia... – Lucas soltou um grunhido do quarto. Patrícia correu para vê-lo.
- Está acordado! – Um sorriso saltou-lhe dos dois cantos da boca.
- A que maravilha! – Exclamou o diretor. – Vou deixar os dois sozinhos para que conversem, vou preparar algo para ele comer.
- Ai que bom que acordou. – Beijava-o. – Tive tanto medo!
- Eu estou...Bem.
- Graças a Deus... – Continuava a beija-lo. – Você está bem!
- Ai!
- Ah desculpe. Como está se sentindo?
- Só um pouco zonzo. O que houve?
- Uma guerra Lucas, muitos mortos. Muitos presos. Perdemos o caminhão de soja.
- Você deveria ter ido.
- Já disse que não ia sem você.
- Mas que teimosa!
- Não adianta. Eu iria ficar de qualquer forma.
- E os meninos não te levaram?
- Tentaram, mas ficamos escondidos em um bar perto.
- Por que não foi? Estava correndo perigo!
- Já disse que não vou sem você, mas que insistência!
- Tudo bem. Não vamos discutir.
Entra no quarto o Diretor com uma bandeira colorida e cheirosa para Lucas.
- Seu estômago deve estar implorando por isto. – Disse.
- Ah sim. Verdade!

Terminado o lanche, o Diretor decidiu ir ver tevê para saber o que a polícia estava dizendo sobre o acontecimento do dia anterior. Patrícia e Lucas ficaram no quarto conversando sobre o seu futuro e o que deveriam fazer dali em diante.
O protesto causara várias mortes, porém um número insignificante se comparado à quantidade de mortes que já houvera durante toda a Ditadura.
Em 2012, quando a Terceira Guerra mundial acabara, o Brasil ficou devastado pelas bombas e pela disputa comercial que havia em seu território. Havia em cada esquina, um comércio de nacionalidade diferente, e o Brasil era o mercado. A população via-se obrigada a comprar produtos estrangeiros, pois a concorrência com o produto mais barato, fez as empresas nacionais falirem. O presidente tornara-se uma imagem figurativa do governo, agora quem comandava eram as empresas multinacionais que se instalaram no Brasil. Emprego ou desemprego eles que controlavam. Em 2013, um ano após o fim da Terceira Guerra mundial, os ideais de Anarquismo tomaram conta do cenário brasileiro. A presença estrangeira no país fez com que muito daquilo que era brasileiro tornar-se estrangeiro. O Brasil participou da Terceira Guerra ao lado dos Estados Unidos, mas devia mais ainda a este país. Por tanto, a única saída era abrir os portos para as empresas americanas e também européias. Com a economia nacional já quebrada, os burgueses começam a juntar-se ao movimento libertador brasileiro. Em 2015, o partido Anarquista brasileiro já tem mais da metade do congresso nacional. Os estrangeiros, vendo seus interesses econômicos ameaçados, interferem na política brasileira, e então começa uma nova guerra civil. Cinco anos se passaram até que o Anarquismo caísse. A pressão externa fora tão alta que muitos brasileiros se viram obrigados a saírem do país e procurar aqueles que ainda resistiam aos capitalistas. E então surgiu o comunismo novamente, calado e discreto. Temendo a tomada de poder, o Brasil sofre um golpe de estado em 2025, e perpetua a Ditadura até os dias atuais.

- Em nota, o governo afirma que recebeu denúncias de bombas e fabricação de vírus pelos Comunistas. – Falava a repórter na televisão. – O senhor tem algo a declarar Comandante? – Perguntou a um militar que estava ao seu lado na tela.
- Soubemos da denúncia pouco antes dos anarquistas chegarem. A nossa decisão foi esperar para ver. E então aquele rapaz nos entrega um livro, que as análises mostraram que continha um pó letal em suas páginas. O militar que o recebeu morreu poucas horas depois. Uma ameaça à população. – Falou secamente.
- Ah eu não acredito nisso! Que loucos! – Exclamou o Diretor na sala. Patrícia saiu do quarto para ver o que se passava.
- O que houve?
- Agora vocês são produtores de vírus!
- Como é que é?
- Não sei como conseguiram, mas eles voltaram a ser os mocinhos da história.
- Que droga!
- Mas não se preocupe, que depois do que houve ontem, muita gente está com o pé atrás com a polícia. Hoje foram presos mais 20, acredita?
- Estamos perdidos.
- Temos que sair do país Patrícia. – Lucas se apoiava na beirada da porta, ainda com dores.
- Lucas! Não pode se levantar, ainda está sangrado! – Patrícia correu para coloca-lo entre seus braços. – Você me dá trabalho!
- Não agüento mais ficar nessa cama, preciso fazer algo.
- Venha, deite-se. – O colocou na cama. – Não faça mais isso! Ainda está muito cedo para se levantar. Mesmo que o tiro tenha sido de borracha, você sangrou muito.
- O que vamos fazer Patrícia?
- Eu não sei.
- Temos que fugir do país.
- Como?
- Não sei.

Codinome Orquídea - Parte 6

sábado, 7 de junho de 2008


Antes de ir se encontrar com Patrícia, Lucas foi encontrar-se com seus amigos de colégio. Todos eles estavam escondidos no mesmo local de todas as reuniões. A casa da praia.

- Jorge? Está ai? – Perguntou Lucas ao entrar.
- Estamos todos aqui.
- Muito obrigado por terem vindo, de verdade. – Sentou-se junto aos amigos, que estavam no sofá.
- Claro. Nunca deixamos um amigo na mão.
- Bem, é o seguinte. O protesto será amanhã às dezoito horas. E todos vocês sabem do meu envolvimento com a Patrícia. Ela já foi pega duas vezes. Uma pelos soldados no dia da ronda. E outra pelo meu pai, quando foi vista saindo da minha casa. Não posso permitir que isso aconteça com ela novamente. Por isso, no dia do protesto, quero que, quando estejamos todos juntos, vocês levem Patrícia para longe do Ministério. Se alguém tem de ser pego, esse alguém, sou eu. Tenho mais chances de escapar. Levem-na á casa do diretor, ele está nos apoiando. Tudo bem?
- Claro amigo. – Respondeu Jorge pelos outros.
- Muito obrigado.

Lucas partiu da Casa da Praia e foi até o encontro com Patrícia. O caminho estava escuro, não havia mais ninguém na rua, além dos soldados que faziam a ronda como sempre. Teve de andar por entre as árvores para que não fosse visto.

- Lucas! – Agarrou-o e deu-lhe um beijo molhado.
- Como estou feliz em te ver. Em te beijar... – Beijaram-se novamente.
- Vem, entra. Tenho algo para te contar. – Entraram no colégio que estava deserto e escuro.
- O que?
- Quero transar com você. Agora. Amanhã talvez já não possa mais.

Lucas a guiou por entre os móveis da sala de aula mais próxima e acabaram deitando-se sobre o chão, agora sem medo.
A beijava com calor, com vontade. Tirou a presilha que prendia o cabelo de Patrícia revelando longos cabelos negros que caiam sobre seus ombros que agora ele os beijava, descendo até seus seios. Patrícia agora vestia uma saia branca de tecido fino e uma blusa básica preta colada ao corpo que ele estava tirando, mostrando para ele aquele lindo corpo que lhe fazia excitar-se apenas em imaginar.
Patrícia o olhava com brilho nos olhos, também estava excitada demais para falar algo. Ela tirava a roupa de Lucas que se deixava levar pela delicadeza dos seus dedos, antes de tirar a bermuda, conduziu a mão dela para dentro dele fazendo ela massagear seu membro, Lucas estava louco de prazer. E finalmente os dois nus. Abraçados num ambiente escuro, seus corpos quentes e arrepiados de prazer se tocando, longos e molhados beijos completavam o fim daquele sexo.

- Eu estou com medo Lucas. Muito...
- Eu também, não posso negar. – Lembrava-se do que havia pedido á seus amigos.
- Vamos ser muito felizes juntos.
- Vamos sim. – Falou preocupado, com Patrícia em seus braços.
- Devemos ir agora. O toque de recolher será daqui a quinze minutos.
- Vamos.

Colocaram suas roupas e saíram. A casa do diretor era próxima à escola, a poucas quadras dali. Carregavam em suas costas suas mochilas e o sentimento de mudança do mundo. Ao se aproximarem da casa, tocaram a cigarra e o diretor, agora sem seu fardamento escolar, abriu.

- Ainda bem que chegaram! É quase o toque de recolher! – Disse com gestos mandando os dois entrarem.
- Desculpe pela demora. Estávamos...Conversando sobre amanhã. – O diretor entendeu o que Lucas quis dizer, mas manteve-se calado.
- Espero não incomodar seu espaço senhor. Vamos ser os mais discretos possíveis, nem notará nossa presença! – Disse Patrícia ao entrar.
- Mas é claro que não! Há cinco anos que não há jovens nesta casa, eu sou um velho de 60 anos, as suas presenças aqui me enchem de alegria, mesmo que seja por motivos tão tristes e por tão pouco tempo.
- Obrigada. – Disse meigamente Patrícia.
- Bem, eu separei um quarto só para vocês dois. Claro que querem ficar sozinhos e então deixei tudo organizado. Tem água quente no banheiro, toalhas, sabonetes. E estou preparando um jantar bem reforçado. Tomem banho e venham comer.

Lucas e Patrícia entraram no quarto e colocaram suas malas no chão. Logo entraram no banho. A água estava quente, e os dois estavam dentro do box tomando banho.

- Patrícia, eu quero que saiba que... Seja lá o que aconteça amanhã, eu não vou desistir!
- Eu sei que não vai.
- Temos que fazer nosso dever. Temos que mostrar a esse país a ditadura em que vivemos. – Falou chorando.
- Eu sei. – As palavras saiam engasgadas, e o choro já corria seu rosto.
- O bem estar das pessoas vale mais que qualquer coisa no mundo. – Tudo saia com dificuldade, e a garganta já não permitia falar.
- É... – Já chorava sem agüentar.
- Tudo vai dar certo.
- Vai sim.
- Eu vou te proteger...- A abraçava com ternura, e não permitia que visse seu choro.
- Eu sei que vai...- Patrícia afogada seu rosto em seu peito e também escondia o choro.
- Tudo vai mudar...
- Vai...
- Eu não quero te perder...
- Não vai.

E permaneceram calados por muitos minutos. Saíram do banho, trocaram de roupa e foram até o jantar. Havia naquela sala um ar de calma, típico de uma casa que teve muito amor. O diretor tinha em seus lábios um sorriso que poucos haviam visto. Preparava a comida com carinho e tinha em um dos seus ombros o pano de prato para enxugar as mãos. Perto dali, havia um rádio que tocava música antiga. Ele dançava e cozinhava, como se não houvesse marcado para o dia seguinte um protesto que poderia mudar tudo. Lucas e Patrícia pararam para ver o velho dançando e cantando ao mesmo tempo. Há muito não viam alguém alegre em simplesmente estar cozinhando. Para falar a verdade, em 60 anos de ditadura, tudo deveria ser feito o mais econômico possível. Não havia mais restaurantes que conseguiam sustentar sua empresa por muito tempo e a falta de comida também assolava o país.

- Ora ora, estão me espionando os dois? – Perguntou o diretor quando percebeu que estava sendo observado.
- É que, há muito tempo não via algo assim. – Falou Patrícia que vestia um blusão até os joelhos.
- Minha cara, isso é o que ainda faz de nós humanos!
Patrícia respondeu com um sorriso e olhou para Lucas com amor.
- Ah claro, isso também. – Falou o diretor apontando para os dois. – Mas, venham comer. A comida irá esfriar!
- Parece gostoso. – Exclamou Lucas.
- Aprendi esta receita com a minha mulher, ela cozinhava divinamente!
- Sinto muito pelo o que aconteceu com ela. – Lucas falou sinceramente.
- Sim. Não aceito até hoje. Ela saiu para comprar um pouco de pão para comemorarmos 30 anos de casados, e nunca mais voltou. Fiquei sabendo pela rádio que estavam fazendo uma ronda como esta que houve. Sai louco pela rua para procura-la, mas não a encontrei.
- Temos sorte de estarmos vivos Lucas.
- Eu sei.
- Você tem sorte garoto. Se você fosse filho de um pé rapado como eu, estaria morto no primeiro instante em que soubesse o que você era.

Conversaram por muito tempo. Quando o toque de recolher chegou, decidiram ir dormir para não causar suspeitas. O diretor foi até seu quarto que ficava no fim do corredor principal da casa. Lucas e Patrícia foram até o quarto que ele havia separado para os dois. Repararam que aquele deveria ter sido o quarto do casal. Pois havia ali a cama de casal que aparentava ser usada.

- Venha cá. – Lucas puxou-a para si na cama, ela pôs sua cabeça em seu peito. – Me dá um beijo. – Ela assim o fez. – Amanhã vamos para o protesto disfarçados. Você, eu e os meus amigos do colégio vamos estar lá.
- Está bem.
- Patrícia, se qualquer coisa der errado, quero que corra. Por favor, corra.
- Só vou com você.
- Não! Quero que corra na primeira oportunidade que tiver. Se você for pega outra vez, meu pai não vai deixar você sair nunca mais da cadeia.
- Lucas, eu só vou com você!
- Patrícia, eu não vou me perdoar se você for pega. Não vou!
- Mas eu não posso te deixar sozinho!
- Meu amor, você ainda não entendeu que eu quero um filho seu?
- O que?
- Eu quero um filho seu.
- Por que isso agora? – Patrícia estava assustada.
- Por que eu quero que algo meu viva depois dessa ditadura, e eu quero que seja seu.
- Não temos tempo para filhos Lucas. Vamos viver fugindo...
- Não. Iremos à Venezuela depois de amanhã. Só quero que se algo me aconteça, não hesite em ir.
- Eu não vou.
- Patrícia me escute... – Agora de frente um para o outro na cama. – Existe uma casa em Caracas que está abrigando os refugiados da guerra. Se algo me acontecer, meu pai irá me tirar do quartel, ou meus amigos irão me ajudar a sair. Eu te mandarei cartas enquanto isso.
- Eu não posso fazer isso... – Já caiam as primeiras lágrimas.
- Vamos, não seja teimosa... – Lucas percebera as lágrimas. – Não chore. Tudo dará certo!
- Espero.

No dia seguinte, tudo parecia normal como antes. Mas para aqueles que tinham um sentido aguçado sabia que algo iria acontecer. A cidade aparentava estar calma, mais calma que o normal. Havia, nas ruas, mais soldados que o de costume. O comércio não abrira e as casas permaneciam em silencio. Lucas, Patrícia e o Diretor se levantaram às dez horas da manhã. Patrícia usava uma roupa rippie, diferente do seu modo de ser. Lucas, ao contrário, vestia roupa social. O diretor vestira-se como quem iria trabalhar no sábado.
Lucas passou o dia refletindo sobre como salvar Patrícia em caso de uma emboscada. Sentou-se em frente à janela e observava o movimento alheio. Patrícia percebera a agitação de Lucas, mas resolveu fazer nada porque sabia no que ele estava pensando.

- Quer chocolate quente? – Perguntou meigamente, estendendo a caneca com chocolate fervendo para Lucas.
- Não, obrigado meu amor. Estou sem fome. – O semblante no rosto de Patrícia estava apagado, sentia-se estranha por não conseguir dizer nada.

Enfim eram cinco da tarde e eles haviam saído da casa. O diretor pela porta da frente e o casal pelos fundos. Todos se encontraram na frente da Casa de Praia. Havia nela o grupo de jovens que eram amigos de Lucas, alguns outros mais velhos, universitários. Havia também alguns adultos que não pareciam ser dominados pela imprensa.

- Somos apenas nós? – Perguntou Jorge.
- Neste ponto sim. – Respondeu um dos homens velhos.
- Há outros? – Perguntou o Diretor.
- Espero que sim. Todos os núcleos estão sabendo.
- Faltam menos de trinta minutos. Carlos, como anda a imprensa? – Perguntou Lucas a um dos amigos que estava perto da porta, vigiando.
- Está bem atrás de você. – Lucas virou-se. Estava ali uma mulher com um homem e uma câmera. Prontos para qualquer lance.
- Sabem como irão passar pela imprensa local para divulgar isso?
- Sim, cada um de nós irá ter um microfone na roupa, esse microfone está levando tudo o que vocês falam a um amigo nosso que está na central neste exato momento. Vamos pegar eles hoje, e mostrar a essa sociedade que esse governo não é o que diz que é. – Falou a repórter.
- Não se esqueçam que o nosso protesto é pacífico. Estamos aqui apenas para mostrar ao mundo no que vivemos, nada mais. – Disse Carlos. – Apenas ganhamos prestígio porque nunca matamos ninguém!
- Todos já têm seus grupos? – Perguntou Patrícia. Acenaram com as cabeças.
- Os panfletos? Estão todos aí? – Perguntou Jorge.
- Sim, está tudo aqui, cada um pegue um pouco e coloque nas casas. – Falou um dos velhos.
- Vamos lá. – Jorge disse.

O grupo tinha cerca de 25 pessoas, dentre jovens colegiais, universitários, jornalistas e adultos. Dessas pessoas, foram feitos cinco grupos. Lucas, Patrícia, O Diretor, Jorge e Carlos formavam um deles. Cada um com cerca de 200 panfletos:
“Vamos voltar a ser uma nação, vamos fazer uma união. Queremos Caxias no chão!”
Todas as casas da cidade agora tinham um panfleto desses em suas portas. O movimento silencioso e disperso dos grupos não alarmava qualquer reação da polícia. Que olhava estranho às pessoas. Mas achavam que eram carteiros ou apenas caminhavam nas ruas. Conforme as horas iam passando, mais se aproximavam do Ministério da Justiça: Ponto final do protesto. A cada passo, mais e mais pessoas se juntavam ao grupo. Pessoas estranhas que nunca deram as caras agora estavam caminhando nas ruas com panfletos. Quantos poderiam ser?
A menos de 50 metros das portas do Ministério, a multidão de pessoas somava mais de 5.000. Um dos homens velhos ordenou a todos para que parassem e fizessem um escudo de mais de cem metros de comprimento. Oposto ao escudo havia os policiais. Que usavam armas e capacetes, prontos para uma guerra. Todos os protestantes deram uma as mãos e caminhavam com o mesmo passo em direção à barreira imposta. Um passo dado, barreira recua um. Mas, percebendo da valentia dos jovens, a polícia impõe sua força e arma-se. Colocam em seus ombros as armas e aponta para o “front” dos jovens. O velho ordena que parem. A central da impressa escuta tudo o que está acontecendo e transmite direto para a rádio local. Tudo estava sendo escutado pelo país inteiro. Disso os militantes não sabiam. Mais um passo. A polícia prepara-se para a luta. E então Lucas sai na frente. Carrega em seu peito um livro. Enquanto a multidão de homens atrás dele continua firme e quieta. Mais um passo, outro. A polícia não sabe o que fazer. Lucas aproxima-se daquele que parece ser o Comandante, estica-lhe o braço e impõe o livro.

- Aquilo do que se esqueceram. – E mostrou o livro.

O Comandante abriu o livro e nele estava escrito “Declaração Universal dos Direitos Humanos” No exato momento em que Lucas virou-se, um tiro acerta-o nas costas e cai no chão sem interrupções.

- Não! – Patrícia não consegue permanecer no local onde está, sai correndo dentre a multidão em direção a Lucas. Mas seus amigos a impedem. Agarram-na pelos braços e ela debate-se entre a multidão. – Tenho de salva-lo! – Gritava e chorava compulsivamente. A multidão fez um circulo em volta de Lucas e olhava perplexa ele caído no chão.
- Seu covarde! – Gritou um dos velhos para o policial.
- Saiam daqui. – Disse o comandante. Patrícia ainda tentava livrar-se das mãos dos amigos.
- Foda-se. – Falou um dos amigos.