Buraco-Negro

domingo, 31 de agosto de 2008




Fechei-me tanto e tantas vezes em mim mesma
que já desconheço a cicatriz que há em minha mão direita
e até mesmo de meus oculozinhos prateados.

Tornei-me tão densa e enigmática
que perdi a chave da minha porta
e o cadeado do meu inconsciente

Sou hoje o que há de tão pouco o que pareço
e tão largo o que escondo
que perdi-me em mim mesma
Sou um estranho em meu corpo.
Fechei-me em um buraco negro de letargia e torpor.



Flávia Braga




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Uma frase:


"É por isso que se mandam as crianças à escola: não tanto para que aprendam alguma coisa, mas para que se habituem a estar calmas e sentadas e a cumprir escrupulosamente o que se lhes ordena, de modo que depois não pensem mesmo que têm de pôr em prática as suas ideias."

Immanuel Kant

UM POEMA MODERNO

terça-feira, 26 de agosto de 2008


CIENTISTA - Zeh Gustavo

Alimento um desejo incessante
de racionalizar objetos.
Queria fazer interesses
só de ludismos.
Se os objetos racionalizassem
sozinhos o mundo
a gente viraria vagabundo.
O melhor e mais dedicado vagabundo
tornar-se-ia o mais completo cientista.
Porque seus objetos mais próximos
racionalizariam o mundo obedecidos por
ele vagabundo.
E o vagabundo poderia deixar-se
ser tão-apenas vagabundo,
seguindo sua vocação original de traste.

Também, convenhamos, seria o máximo
se os bichos aprendessem utilidades
de bicho homem.
Assim, andar no esgoto passaria a ser importante.
Abraçar formigas, excelente.
Já falar inglês e informatar o mundo todo
constituiria um despropósito sem tamanho, posto que
baratas falariam inglês e informatariam com a moral
de quem sobreviveu a um holocausto.

Caberia ao homem executar o esforço inusitado,
tipo o de coçar a cabeça e
descobrir a cor de cada sorriso feminino.
À mulher caberia a rara disfunção de aproveitar
restos de frases para deflorar linguagens.
Se quisesse também se ocupava de transgredir
a gargalhada de cada cheiro.

O homem e a mulher poderiam ainda contribuir
para a deformação dos afagos junto à natureza.
A maturidade seria um crime.
Os amores não funcionariam para relacionamentos.
Serviriam para olhares.
Os amores caberiam numa roda.
Ou num sonho gigante.

Cada lugar acessaria o simples.
Cada casa haveria assim de gente.
Cada pessoa representaria brinquedos.

É porquanto que isso se realize logo
é que eu tô aqui.
Meu discurso já rejuvenesce um mato
e anima um objeto.
Animais me respondem empolgados de razão
conforme lhes boto a par de meu desprojeto.
Os animais, coitados, estão doidos para se tornarem realidade.

Quando eu enfim involuir para um nadismo decente,
vou fazer inveja a muito tolo.
Pois que a desrazão já haverá me proclamado para
participar no seu contrafluxo.
Os loucos me abençoarão de idolatria.
Os mendigos rezarão por mim.
Os bêbados se deleitarão de ter um representante seu
no caminho mais pródigo do lirismo.
Os objetos serão muito orgulhosos
que nem os vegetais e os insetos.
Sabem que atingirão o ponto de raciocinar
com lógica certa e curta.

E eu restarei, livrinho da silva.

NECESSIDADE DA PROPAGANDA

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

TEXTO DE : BERTOLD BRECHT



(SOBRE A ALEMANHA DO FÜHRER)

É possível que em nosso país nem tudo ande como deveria andar.
Mas ninguem pode negar que a propaganda é boa.
Mesmo os famintos devem adimitir
que o Ministro da Alimentaçã fala bem.

Quando o regime liquidou mil homens
Num único dia, sem investigação nem processo
O ministro da Propaganda louvou a paciência infinita do Führer
Que havia esperado tanto para ter a matança
E havia acumulado os patifes de bens e distinções
Fazendo-o num discurso tão magistral, que
Naquele dia não só os parentes das vítimas
Mas também os próprios algozes choraram.

E quando em um outro dia o maior dirigível do Reich
se desfez em chamas, porque o haviam enchido de gás inflamável
Poupando o gás não-inflamável para fins de guerra
O ministro da Aeronáutica prometeu diante dos caixões dos mortos
Uma grande ovação. Dizem que houve aplausos
Até mesmo de dentro dos caixões.


E como é exemplar a propaganda
do lixo e do livro de Führer!
Todo mundo é levado a recolher o livro de Führer
Onde que que esteja jogado.
Para propagar o hábito de juntar trapos, o poderoso Göring
Declarou-se o maior "juntador de crápulas" de todos os tempos
E para acomodar os crápulas fez construir
No centro da capital do Reich
Um palácio ele mesmo do tamanho de uma cidade.

Um bom propagandista
Transforma um monte de esterco em local de veraneio.
Quando não há manteiga, ele demonstra
como um talhe esguio faz um homem esbelto.
Milhares de pessoas o ouvem discorrer sobre auto-estradas,
Alegram-se como se tivessem carros.
Nos túmulos dos que morreram de fome ou em combate
Ele planta louros. Mas já bem antes disso
Falava de paz enquanto os canhões passavam.

Somente através de propaganda perfeita
Pôde-se convencer milhões de pessoas
Que o crescimento do Exército contitui obra de paz
Que cada novo tanque é uma bomba da paz
E cada novo regimento uma prova de
Amor à paz.

Mesmo assim: Bons discursos podem conseguir muito
Mas não conseguem tudo. Muitas pessoas
Já se ouve dizerem: pena
Que a palavra "carne" apenas não satisfaça, e
Pena que a palavra roupa aqueça tão pouco.
Quando o ministo do planejamento faz um discurso de louvor à nova impostura
Não pode chover, pois seus ouvintes Não têm com que se proteger.

Ainda algo mais desperta dúvidas
quanto a finalidade da propaganda: quanto mais propaganda há em nosso país
Tanto menos há em outros países.

No vrum vrum de Recife.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008





Apesar de não sentirme enquadrada em nenhum ismo,
ser pernambucano e não falar de Recife,
é o mesmo que não ser
e posto que desta qualidade tanto me orgulho,
separo estes versos para aquele
em que todos meus amores (sentidos ou vividos) e todos meus disabores fizeram parte.

Acolhedora como uma amável mãe,
e por esta razão também saudosista,
Recife me nasceu no ano de 1990.
Não muito longe desta mesma data em que me encontro,
vivo uma plena pernambucanidade.

Em meu carnaval multicultural,
há cultura para toda gente, para toda alma, para toda religião
aos ouvidos chegam-me opniões de pólos,
invenções descaradas,
pensamentos espontâneos, ora!
Que isso é ser pernambucano!

Não me venham lembrar das pragas dessa boa genta!
Sei de tudo, sei!
Que sobra comida, e fome
que falta casa e saúde
que não se precisa de seca
nem de corruptos!
Ora que sei!
Mas não me lembre disso, que a vida amarga-me e busco por felicidade.
E achá-la é escutar o som do maracatu!
Linda vibração africana!
Batem os tambores na frente da sinagoga,
passa-se pelos antigos deixados holandeses,
e tudo isso espalha-se pelo Brasil,
pelo mundo até!

Boa qualidade é ser pernambucano, é única!
É ter veneza colorida,
sol e chuva ao mesmo tempo,
toque de zabumba,
Ariano, Ascenso, Gonzaga,
é ter amor! É ter paixão!
É enfrentar a vida com foice na mão e cara pintada.

Não, caro leitor, não faço de pernambuco um cenário de romantismo.
Nem um quadro árcade.
Ser pernambucano é dar de cara com a morte todos os dias é berrar em sua cara,
é ver a primavera na seca,
e na seca ver a cara do sertão.

Se eu nascese denovo,
queria ser pernambucana,
que já nasce com um degrau acima para o céu,
e um pé no inferno,
que chamego, forro colado e esperteza, não é só joão grilo que tem!