UM POEMA MODERNO

terça-feira, 26 de agosto de 2008


CIENTISTA - Zeh Gustavo

Alimento um desejo incessante
de racionalizar objetos.
Queria fazer interesses
só de ludismos.
Se os objetos racionalizassem
sozinhos o mundo
a gente viraria vagabundo.
O melhor e mais dedicado vagabundo
tornar-se-ia o mais completo cientista.
Porque seus objetos mais próximos
racionalizariam o mundo obedecidos por
ele vagabundo.
E o vagabundo poderia deixar-se
ser tão-apenas vagabundo,
seguindo sua vocação original de traste.

Também, convenhamos, seria o máximo
se os bichos aprendessem utilidades
de bicho homem.
Assim, andar no esgoto passaria a ser importante.
Abraçar formigas, excelente.
Já falar inglês e informatar o mundo todo
constituiria um despropósito sem tamanho, posto que
baratas falariam inglês e informatariam com a moral
de quem sobreviveu a um holocausto.

Caberia ao homem executar o esforço inusitado,
tipo o de coçar a cabeça e
descobrir a cor de cada sorriso feminino.
À mulher caberia a rara disfunção de aproveitar
restos de frases para deflorar linguagens.
Se quisesse também se ocupava de transgredir
a gargalhada de cada cheiro.

O homem e a mulher poderiam ainda contribuir
para a deformação dos afagos junto à natureza.
A maturidade seria um crime.
Os amores não funcionariam para relacionamentos.
Serviriam para olhares.
Os amores caberiam numa roda.
Ou num sonho gigante.

Cada lugar acessaria o simples.
Cada casa haveria assim de gente.
Cada pessoa representaria brinquedos.

É porquanto que isso se realize logo
é que eu tô aqui.
Meu discurso já rejuvenesce um mato
e anima um objeto.
Animais me respondem empolgados de razão
conforme lhes boto a par de meu desprojeto.
Os animais, coitados, estão doidos para se tornarem realidade.

Quando eu enfim involuir para um nadismo decente,
vou fazer inveja a muito tolo.
Pois que a desrazão já haverá me proclamado para
participar no seu contrafluxo.
Os loucos me abençoarão de idolatria.
Os mendigos rezarão por mim.
Os bêbados se deleitarão de ter um representante seu
no caminho mais pródigo do lirismo.
Os objetos serão muito orgulhosos
que nem os vegetais e os insetos.
Sabem que atingirão o ponto de raciocinar
com lógica certa e curta.

E eu restarei, livrinho da silva.

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