Eu estava sozinha na sala lotada. Ninguém me percebia, eu estava ali, e não estava. Percebi-me observada, mas como, se eu estava sozinha? Estava assim durante dias. E durante dias fui sozinha em salas lotadas. Eu queria sair de mim mesma, e quebrar essa barreira da solidão, mas eu não me permitia, e guardava dentro de mim exatamente aquilo que eu era.
Pois bem. Nunca me misturei na sopa que eu queria estar. Nem nunca deixei que me colocassem lá, apenas queria ficar sozinha. E fui, durante muito tempo. Tive amigos, tive inimigos talvez? Mas como se têm inimigos se você está sozinha? Isso. Meu silencio incomodava.
Incomodou mais ainda quando eu resolvi mudar. E resolvi gritar para quem quiser escutar, ou por descuido, ou por curiosidade, aquilo que eu gritava com coragem. Gritava muitas vezes, não por querer realmente a mudança, mas para expulsar de mim a pessoa que eu mais odiava.
- Já pensou em para que o ser humano existe? – perguntou-me ele, muito simpático. Ah... Há algo que eu não contei. Por ser introspectiva e guardar dentro de mim a minha verdadeira forma de ser, fui muitas vezes influenciada pela literatura que eu comia com os olhos.
- Certamente para fazer as sementes das árvores serem enterradas pelas nossas pisadas e assim florescer o mundo... – falei com certa ironia é claro. – e acho que nem para isso servimos... – Eu estava muito triste neste dia. Uma melancolia que pela primeira vez deixei transpassar pelos meus olhos, pelas minhas mãos até chegar ao coração dele.
- Você é sempre assim? – Não estava surpreso, é claro que ele esperava uma resposta diferente vinda de mim, a verdade é que eu nunca me preocupei em agradar aos outros, e talvez por isso que eu tenha, poucos, mas verdadeiros amigos.
- Me desculpe. Às vezes passo dos limites, e começo a ser chata. Está aqui com tão boa vontade, e eu falando as minhas besteiras. Eu sou uma tola mesmo... – eu realmente estava triste, falava sempre com um olhar fixado na terra e o pensamento na lua.
- Não é tola, é presa. Você tem uma forma de ver o mundo que eu nunca vi antes, tem uma mente lá na frente, e sofre por causa disso. Nunca vai conseguir se adaptar ao mundo em que você vive. Mas... precisa tirar essa tristeza de seu rosto. – Ele levantou meu queixo com os dois dedos de sua mão e, como em muitas vezes, eu estava cara-a-cara com aqueles olhos negros profundos, que me levavam de carona para o centro da terra. Ele era tudo o que eu não era, ou seja, ele era o melhor de mim.
- Sabe...às vezes me sinto medíocre. Não sei explicar...Me sinto culpada por me sentir triste, não tenho esse direito. Tanta gente que vive com tantas dificuldades e contra-tempos e nunca desistiram, e eu me dou a liberdade de chorar. É um crime isso, eu sei. Mas é que eu não consigo evitar... – essa ultima frase eu não falei plenamente, eu a engasguei. E quando se engasga em uma frase, você começa a chorar, e logo percebe que a outra pessoa se segura para não chorar, achando que isso ajuda alguma coisa. Mas ele não. Ele abraçou-me, como tantas vezes ele o fez, pela milionésima vez. Tanto que eu devia a ele, e tão pouco o paguei por isso. A verdade é que eu sou uma espécie epífita, mutualística.
- Ei... Não chore, por favor, detesto isso. Principalmente de você, que me deixa tão feliz. Ok...paramos por hoje tudo bem? Chega de discussões filosóficas e políticas, isso só te magoa. – Não é lindo isso? – O que quer fazer hoje? – perguntou-me com toda a ternura que poderia caber dentro de alguém, e com olhos brilhantes e risonhos, uma boca alegre e inesperada, guardando dentro dela palavras que eu desejava ouvir. Aquela atitude me modificou, e prontamente desabrochei a rosa das lágrimas, e fiz um rio em seu ombro. Eu ainda me sentia sozinha.
- Eu...Eu... – como dizer isso a ele? Dizer que ele me modificou, que me transformou, e que tirou de mim uma parte de mim mesma que eu nunca conheci?
- Fala... – eu estava na praia. Incrível como tudo fica mais colorido, e todos movem de um lado para o outro e as nuvens podem até chover, mas eu estarei protegida pelo cobertor de minha felicidade. Certamente me molharei.
Não precisarei dizer que meus olhos ardiam, que meu peito arfava, que minha mente trabalhava rápido, minha boca e perna tremiam, e as palavras se apagaram do dicionário.
Aproximei-me dele lentamente, e minha mão ia diretamente em seus cabelos, fazer-lhe carinho, talvez... ah Deus, talvez até mesmo beija-lo! Que mágico seria, que perfeito seria! E então hesitei, quando por detrás de mim ouvi a voz dos infernos.
- Ah, você está ai, te procurei por todas as partes. – Era a namorada dele, que o abraçou e o beijou, assim como eu havia imaginado agora pouco, várias vezes.
- O que está fazendo aqui? – perguntou rispidamente. Pareceu confuso para mim, mas não me atrevi a olhar mais, os beijos entre eles eram venenos para mim, e olhar era cravar em meu peito a faca do ciúme.
- Você e ela de novo. – percebi um tom diferente em sua voz, ela flechou-me com um olhar que matou até mesmo a minha alma. Senti-me estranha e acanhada, já arrumava minha coisas em uma bolsa, tirava a areia de minhas roupas e buscava pela minha bicicleta que eu deixei perdida pela praia.
- Espere. Eu não quero que vá. – ele falou diretamente olhando nos meus olhos, ele estava confuso mesmo. Eu estava em um misto de doença e vergonha, queria sim estar ali, mas a presença da outra me fez sentir náuseas. Ele a dispensou, para minha surpresa, e veio até mim ofegante. – E então, o que tinha para dizer? – dizer assim, sem mais nem menos? Como se fosse um recado, ou algo parecido? Nunca.
- Não era nada não.
- Ora vamos... – pegou em uma de minhas mãos e levou até seu rosto, para que eu acariciasse suas bochechas rosadas. Estava frio.
- Deixa para lá, não era importante não.
- Tudo o que vier de você para mim, é importante.
- Volte para sua namorada, ela está te esperando ali na esquina, eu vou para casa.
- Ei... – eu estava mesmo indo embora. – Você parece chateada. O que houve? – parecer chateada?! Eu estava furiosa por vê-los juntos!
- Eu estou apenas cansada. – mentirosa. Ah, boa mentirosa eu sou.
- Não é isso, eu sei que não é. – não, não sou.
Ele me acompanhava pelo caminho até em casa, e me perguntava se a outra não estaria esperando.
- Olha, você não tem de fazer isso tudo bem? Eu estou mau agora, com a perda do meu pai, mas vai ficar tudo bem, não é obrigação sua me fazer sorrir nem nada parecido.
- É assim que você pensa? Que eu estou fazendo um favor para você? Ora por favor, quem me ajuda aqui é você, minhas notas em filosofia estão incríveis! – era uma sátira, que eu não gostei nada, deixar bem claro.
- Vai embora, eu sei chegar sozinha. – pequenas e insistentes lágrimas persistiam em cair. Lágrimas gritantes, que falavam aos berros que eu não queria que ele fosse embora.
- Escuta uma coisa... – ele usava patins, me fez parar de andar com a bicicleta e olhar diretamente para ele. – Eu não sou tonto, nem infantil. Há dias que eu percebo você diferente e quero que me conte o que está havendo. É alguém que está te irritando? Diga-me, irei acertar as contas agora. – Já disse o quanto ele me faz feliz quando fala isso? – Vamos, não chore.
- Eu...Eu... queria tanto te dizer mil coisas.
- Pode dizer o dobro. – abriu um largo sorriso para mim, lindo e simples.
- Mas, nenhuma dessas coisas quer sair de mim.
- Pare de filosofias, pelo menos agora. Quero te entender.
- Você é muito especial para mim. – tremia. Arfava. Gritava muda. Gelei. – era isso que eu queria dizer.
- Por que você não confia em mim? – continuamos a andar a caminho da minha casa.
- Eu confio em você.
- Não parece. É como se estivesse cheia de pensamentos e a ponto de explodir.
- Se não quer acreditar em mim, então pode voltar.
- Deixe de ser criança! Qual é o seu problema? Eu estou aqui, sincero, para você, escutando você, e quer me enganar?
- Não estou querendo te enganar, mas se tem alguma coisa que eu não quero te contar, é porque eu tenho motivos.
- Então existe algo que você quer realmente contar?
- Não tenho nada para contar!
- Então eu não tenho mais o que fazer aqui.
- Às vezes acho que erraram na hora de me mandarem para a terra... – baixei o tom da briga e estava cabisbaixa.
- Você me assusta.
- Eu não sirvo para nada.
- Não é verdade. – puxou-me nos braços e apertou-me contra ele, fortemente. Machucando. Largando-me da bicicleta. – Eu consegui fazer você feliz durante muito tempo, e um pouco do que eu sou, do que eu penso, está dentro de você. Existe um pouco de mim em você, já existe uma razão para eu ter vivido, então já não fui tão inútil.
Fiquei, acredito, que dois minutos olhando para ele. E todas as palavras me traíram. Finalmente chegamos em casa. Mudos.
- Je t'aime. – Despedi-me na porta de casa. E disse essa ultima frase, que vi na tevê, quando ele já estava distante.
- Eu também te amo. – olhou-me e seguiu.
Pensei enlouquecidamente,
...Ele sabia francês!
Uma confissão do Inconsciente.
quinta-feira, 22 de maio de 2008
Postado por Flávia Braga às 21:40
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